Opinião
- 07 de março de 2018
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A dignificação do feminino em seis mulheres na Bíblia
Por Cayo César Santos
Enquanto refletia sobre os encontros de Jesus no processo de criação dos livros da série Século I, chamou a minha atenção a considerável presença feminina. A inclusão das narrativas sobre as mulheres não foi deliberada para que houvesse equilíbrio com situações que envolvessem homens e também não decorreu de mero acaso, mas decorreu do que está posto nos próprios evangelhos. Para os biógrafos canônicos, sempre foi perceptível a importância das mulheres na trajetória de Jesus. Se escaparmos do anacronismo – tendência de “ler a história” pelas lentes da modernidade – fica ainda mais claro o aspecto revolucionário da postura de Jesus para com elas. Em seu tempo, assim como hoje ainda ocorre em algumas culturas, mulheres não tinham valor. Eram desconsideradas como pessoas, tidas como pertences à disposição de um detentor. Valores como nome, direitos ou bens demandavam vínculo a algum homem. Em situações de litígio seu testemunho não tinha validade. Para o Deus encarnado, contudo, a mulher tem sua relevância própria na história e a essência de sua dignidade é carregar em si mesma, tanto quanto os homens, a imagem e a semelhança do seu Criador para refletir a glória dele (doxa = reputação, bondade e caráter). Por isso, Jesus, em suas atitudes subvertia e questionava os valores masculinos e preconceituosos, com uma postura inclusiva e restauradora do papel e do lugar da mulher. E isto não é coisa corriqueira, mas primordial quando se pensa em equidade entre os gêneros! Que importância vigorosa tem a abordagem de Jesus para os nossos dias, onde a luta pela valorização da mulher, legítima e necessária, em alguns momentos pode descambar para intolerância, rupturas ou polarizações. Sua postura, fundamentada na sensível e amorosa percepção que Ele tinha e tem dos fatos e na compreensão do projeto divino para a humanidade, focaliza o valor e o papel da mulher, que ao lado do homem representa a idealização do humano na criação.
Revisitando os registros bíblicos acerca de seis mulheres, arrisco propor uma trajetória simbólica, revelada naquelas narrativas, e uma reflexão sobre o impacto deste simbolismo para a valoração e dignificação do feminino.
Comecemos com a mulher samaritana. A conversa entre Jesus e ela aponta um caminho que diz “não” ao preconceito. Reconhece o anseio feminino por relacionamentos verdadeiros e a sede da alma por companheirismo e cumplicidade e se propõe a saciá-la a partir da valorização pessoal da mulher. Ao desmascarar a situação real, afirmando que os relacionamentos dela não constituíam verdadeiro casamento, o mestre lhe abre as portas para mudança e para a busca da água que gera vida e que a libertaria do abuso de ser desconsiderada, lhe daria a coragem para se desvincular de uma relação que lhe negava a dignidade do nome e do pertencimento social, fazendo-a compreender que ela não precisava de um homem para dar significado à sua existência. Bastava a água que Jesus lhe oferecia – um Deus que afirma: “você é uma filha amada”!
Há também a estrangeira siro-fenícia. Mulher forte, capaz de contender com o Deus encarnado em prol da saúde de sua filhinha. Aquela que causou em Jesus o espanto que seus próprios compatriotas não eram capazes de gerar. Ao cabo, a libertação vem para mãe e para filha, mulher e criança, valorizadas, em um grande “não” à opressão e à tirania do mal.
Em outro encontro, Jesus se depara com a mulher encurvada e a bela metáfora deste relato é que o peso da vida pode ser tirado por aquele que diz “vinde a mim e eu vos aliviarei!” Imagine a força desta simbologia quando o encurvamento produzido por este fardo se dá, exatamente, sobre uma mulher, cujos ombros cansados, sucumbiam ao peso do estigma, do preconceito e do abuso. Mulher que já não conseguia olhar para o céu – esperança azul – dobrada pelas forças contra as quais, sozinha, já não conseguia lutar. De repente, posta-se ereta, cabeça erguida, olhos aos céus, pelo toque de Deus na sua história, o qual decretou “não” ao desprezo e à humilhação.
Em outro contexto, temos Marta, atormentada pelas exigências culturais – lugar de mulher é na cozinha, trabalhando para os homens – recebe de Jesus a revelação mais contundente “eu sou o caminho, a verdade e a vida!” E a verdade a libertou. A verdade de que poderia e deveria servir, não por obrigação, medo ou imposição social, mas pelo amor que faz toda a diferença. Marta se vê livre do ressentimento e pode, finalmente, dizer “eu sei, eu creio!”, sabendo o seu papel no Reino, pois o convite amoroso à devoção também continha o “não” ao desvalor e à discriminação do trabalho. Sua irmã Maria, por sua vez, é colocada em lugar de privilégio na presença do Homem-Deus, tão perto que é capaz de ouvir a profundidade de cada uma de suas lições, aos seus pés, como a criança se assenta aos pés amorosos de avós anciãos, perdendo-se no deleite de aprender. “Deixa Maria aqui”, afirma Jesus, “ela está percebendo qual é o melhor lugar para se estar”. Ao lado de Pedro, João ou Tomé, lá estava Maria, tão digna quanto qualquer homem. E, no momento mais sombrio da vida, diante do túmulo de seu irmão Lázaro, Maria não apenas ouviria de Jesus “eu sou a ressurreição”, mas iria testemunhar o seu chamado, que ecoa ao mundo dos mortos e resgata seu ente querido de volta à vida. Na devoção, Maria usufrui do privilégio de contemplar o mais significativo não, o “não” à morte e à perdição.
Por fim, uma outra Maria, Madalena. Em seu primeiro encontro com Jesus, ela estava em tenebrosa situação. Sete – número que indica completude – eram os espíritos malignos que lhe tiravam a própria percepção da realidade e a mantinham presa à mentira da vida, ao engano de poderes que dominam e exploram, fazendo-a menos que humana. Mas Ele a libertou. Restaurou seu valor e sua dignidade. Reconstruiu o sentido de seu viver. Enquanto chorava, desolada, à porta do sepulcro daquele que outrora a salvou, mal sabia que iria tornar-se a primeira testemunha do evento mais significativo de todos os tempos, do despontar de uma nova era, da reconstrução do ser humano, da oportunidade em que Deus poria o mundo dos homens de ponta à cabeça. Momento em que o Criador demonstrou o seu desprezo pelo desprezo e pela exclusão, dizendo “não” à desconsideração do feminino. A verdade última e primordial da ressurreição é posta no fundamento da palavra de Madalena, no reconhecimento do valor de seu testemunho. Justamente uma mulher! Porque para Deus sempre foi assim: a mulher é, também, o ápice de sua criação!
• Cayo César Santos, autor de Século I - O Resgate e Século I - A Reconstrução, é casado com Jane e pai de Lucas, Felipe e Rafael. É presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto e membro da diretoria do Centro Cristão de Estudos, em Brasília, DF. É analista e assessor jurídico no Ministério Público Federal.
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Revisitando os registros bíblicos acerca de seis mulheres, arrisco propor uma trajetória simbólica, revelada naquelas narrativas, e uma reflexão sobre o impacto deste simbolismo para a valoração e dignificação do feminino.
Comecemos com a mulher samaritana. A conversa entre Jesus e ela aponta um caminho que diz “não” ao preconceito. Reconhece o anseio feminino por relacionamentos verdadeiros e a sede da alma por companheirismo e cumplicidade e se propõe a saciá-la a partir da valorização pessoal da mulher. Ao desmascarar a situação real, afirmando que os relacionamentos dela não constituíam verdadeiro casamento, o mestre lhe abre as portas para mudança e para a busca da água que gera vida e que a libertaria do abuso de ser desconsiderada, lhe daria a coragem para se desvincular de uma relação que lhe negava a dignidade do nome e do pertencimento social, fazendo-a compreender que ela não precisava de um homem para dar significado à sua existência. Bastava a água que Jesus lhe oferecia – um Deus que afirma: “você é uma filha amada”!
Há também a estrangeira siro-fenícia. Mulher forte, capaz de contender com o Deus encarnado em prol da saúde de sua filhinha. Aquela que causou em Jesus o espanto que seus próprios compatriotas não eram capazes de gerar. Ao cabo, a libertação vem para mãe e para filha, mulher e criança, valorizadas, em um grande “não” à opressão e à tirania do mal.
Em outro encontro, Jesus se depara com a mulher encurvada e a bela metáfora deste relato é que o peso da vida pode ser tirado por aquele que diz “vinde a mim e eu vos aliviarei!” Imagine a força desta simbologia quando o encurvamento produzido por este fardo se dá, exatamente, sobre uma mulher, cujos ombros cansados, sucumbiam ao peso do estigma, do preconceito e do abuso. Mulher que já não conseguia olhar para o céu – esperança azul – dobrada pelas forças contra as quais, sozinha, já não conseguia lutar. De repente, posta-se ereta, cabeça erguida, olhos aos céus, pelo toque de Deus na sua história, o qual decretou “não” ao desprezo e à humilhação.
Em outro contexto, temos Marta, atormentada pelas exigências culturais – lugar de mulher é na cozinha, trabalhando para os homens – recebe de Jesus a revelação mais contundente “eu sou o caminho, a verdade e a vida!” E a verdade a libertou. A verdade de que poderia e deveria servir, não por obrigação, medo ou imposição social, mas pelo amor que faz toda a diferença. Marta se vê livre do ressentimento e pode, finalmente, dizer “eu sei, eu creio!”, sabendo o seu papel no Reino, pois o convite amoroso à devoção também continha o “não” ao desvalor e à discriminação do trabalho. Sua irmã Maria, por sua vez, é colocada em lugar de privilégio na presença do Homem-Deus, tão perto que é capaz de ouvir a profundidade de cada uma de suas lições, aos seus pés, como a criança se assenta aos pés amorosos de avós anciãos, perdendo-se no deleite de aprender. “Deixa Maria aqui”, afirma Jesus, “ela está percebendo qual é o melhor lugar para se estar”. Ao lado de Pedro, João ou Tomé, lá estava Maria, tão digna quanto qualquer homem. E, no momento mais sombrio da vida, diante do túmulo de seu irmão Lázaro, Maria não apenas ouviria de Jesus “eu sou a ressurreição”, mas iria testemunhar o seu chamado, que ecoa ao mundo dos mortos e resgata seu ente querido de volta à vida. Na devoção, Maria usufrui do privilégio de contemplar o mais significativo não, o “não” à morte e à perdição.
Por fim, uma outra Maria, Madalena. Em seu primeiro encontro com Jesus, ela estava em tenebrosa situação. Sete – número que indica completude – eram os espíritos malignos que lhe tiravam a própria percepção da realidade e a mantinham presa à mentira da vida, ao engano de poderes que dominam e exploram, fazendo-a menos que humana. Mas Ele a libertou. Restaurou seu valor e sua dignidade. Reconstruiu o sentido de seu viver. Enquanto chorava, desolada, à porta do sepulcro daquele que outrora a salvou, mal sabia que iria tornar-se a primeira testemunha do evento mais significativo de todos os tempos, do despontar de uma nova era, da reconstrução do ser humano, da oportunidade em que Deus poria o mundo dos homens de ponta à cabeça. Momento em que o Criador demonstrou o seu desprezo pelo desprezo e pela exclusão, dizendo “não” à desconsideração do feminino. A verdade última e primordial da ressurreição é posta no fundamento da palavra de Madalena, no reconhecimento do valor de seu testemunho. Justamente uma mulher! Porque para Deus sempre foi assim: a mulher é, também, o ápice de sua criação!
• Cayo César Santos, autor de Século I - O Resgate e Século I - A Reconstrução, é casado com Jane e pai de Lucas, Felipe e Rafael. É presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto e membro da diretoria do Centro Cristão de Estudos, em Brasília, DF. É analista e assessor jurídico no Ministério Público Federal.
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