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- 02 de dezembro de 2019
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A Bíblia e o paisagista
Uma apreciação do Manual Bíblico Ilustrado Vida
Por Délio Porto | Resenha
Por Délio Porto | Resenha
O estudo da Bíblia exige um conhecimento mínimo de história e de interpretação literária. Não é fácil para o estudante leigo ultrapassar a mera compreensão da letra e chegar ao significado de um texto. Mas andando na companhia de um guia experiente ele terá mais chances de sucesso. Precisa ser um tipo de guia que forneça as informações na dose correta, sem privar o estudante da alegria de fazer suas próprias descobertas.
Nesse sentido, o Manual Bíblico Ilustrado Vida (MBIV), lançado pela Editora Vida, chega para facilitar a vida do leigo, principalmente para aqueles cujo tempo é curto para dedicarem-se à garimpagem de artigos e comentários.
Podemos comparar o estudo da Bíblia com uma visita guiada a um jardim enorme e planejado. Ao visitá-lo na companhia de um paisagista, o leigo aprende a observar o ritmo das plantas floridas e as variações nos seus agrupamentos que redundam na harmonia de tonalidades, texturas, volumes, alinhamentos e reflexos nos espelhos d"água. Este é o tipo de guia que salva o visitante do estado de espanto inicial e leva-o à interpretação dos significados da arte ali envolvida.
Por outro lado, se o visitante for acompanhado por guias de elevado conhecimento técnico, surgirão explicações sobre a fisiologia dos vegetais, nuances da genética evolutiva, aspectos inconclusos da fitossistemática, além de discussões sobre hormônios, capacidade de enraizamento e teores de minerais no solo. Convenhamos que tal companhia pode ser útil para quem se dedica a estudos botânicos avançados, mas o leigo, com certeza, achará tudo isso muito aborrecido e sem propósito. Ele se verá sobrecarregado com minúcias e irá lamentar o pouco tempo restante para visitar as demais áreas do jardim.
Considere, ainda, o caso de um visitante solitário, que na ausência de um guia é dirigido por suas próprias intuições. Boquiaberto e confuso, não saberá para onde dirigir o olhar. Ao invés da arte, o tratamento paisagístico nada mais será que um conjunto de plantinhas bonitinhas. Por vezes, tudo lhe parecerá um amontoado de mato e, por outras, ficará tão impressionado com o porte de certos vegetais que irá arriscar a construção de alguma metáfora ufanista sobre a flora brasileira, ignorando que aquelas plantas vieram do exterior.
Ao estudarmos as Escrituras, adentramos um mundo vasto, literalmente de “dimensões bíblicas”. Da superfície não distinguimos sua vastidão. Nem imaginamos o universo de conhecimentos históricos, linguísticos, arqueológicos, literários e museológicos que dão sustentação ao texto bíblico, permitindo que chegasse em nossas mãos na sua forma atual.
Por agregar qualidades e conhecimentos como estes de forma simples e acessível, a companhia do MBIV é bem-vinda. Não é uma obra para quem busca o aprofundamento do mundo acadêmico. Trata-se de um bom material de introdução bíblica. Na nossa língua temos pouca disponibilidade deste tipo de obra. Existem, sim, alguns bons títulos, mas eles oferecem conhecimentos e abordagens de 50 ou 60 anos atrás. Não que sejam esperadas grandes mudanças nesses campos do conhecimento, mas faltam as obras que apresentem as reações de estudiosos atuais para as descobertas mais recentes, ou para as novas abordagens desses conhecimentos, principalmente na área da arqueologia e da literatura antiga.
Encadernado em capa dura, o MBIV possui mais de 1100 páginas, todas coloridas e ricamente ilustradas com fotos de sítios bíblicos e objetos arqueológicos. É uma tradução da edição americana cujo texto, em sua maior parte, foi produzido por dois estudiosos. Daniel Hays e Scott Duval são professores com artigos e livros publicados, desconhecidos até mesmo do público americano.
A obra vem enriquecida com artigos temáticos específicos, fornecidos por vários colaboradores, com perspectivas atuais dos assuntos abordados. São nomes também desconhecidos no Brasil. Percorrendo a lista de colaboradores, não me lembro de terem obras publicadas em português, com exceção de John Walton, especialista no Antigo Testamento, que no MBIV contribuiu com um artigo sobre os relatos do dilúvio no antigo Oriente Médio. Os artigos dos colaboradores foram inseridos ao longo da obra e abordam temas bem variados, como a família de Herodes, a relação entre Israel e a igreja, aquele que está retendo (2Ts), o sinal da circuncisão, a música no Antigo Testamento, a mulher africana negra de Moisés, a semelhança da estrutura do Deuteronômio e os antigos tratados hititas, o período interbíblico etc.
A primeira seção do MBIV é a mais extensa (83% da obra) e equivale a um curso de panorama bíblico, comentando o texto bíblico em blocos (não versículo a versículo). A segunda seção do MBIV dedica-se a explicar como a Bíblia surgiu. E a última introduz brevemente o leitor no campo dos recursos usados na interpretação do texto bíblico.
O comentário bíblico do MBIV dá suporte para uma boa compreensão do texto e se mantém ancorado no entendimento dos leitores originais. Não dá margens para as leituras erráticas, que se distanciam do sentido do texto, nem permite que o leitor se desvie para as leituras supersticiosas, quando ele é tentado a reconhecer a autoridade de significados que não estão na intenção original do autor. É um guia seguro e útil, portanto, para quem busca desfrutar da visita ao jardim.
Finalmente, para exemplificar a metáfora do paisagista e do jardim, suponha que alguém busque uma explicação para 1Co 14.34, texto onde Paulo ordena que as mulheres permaneçam em silêncio na igreja. O versículo (recorro ao MBIV) é explicado dentro do comentário geral sobre a ordem do culto (14.26-40). Ali perto há um bom artigo sobre o papel social das mulheres na antiga Corinto. Os comentários me levam a perceber que não se trata da imposição de um princípio geral de silenciamento das mulheres na igreja em todas as ocasiões e épocas, mas de um problema local e temporal. O princípio geral – e aqui já não é o MBIV quem fala – que se pode deduzir, este sim, aplicável a todas as épocas, é que se deve zelar pelo melhor aproveitamento possível da oportunidade que o culto público oferece para a edificação da igreja.
Certamente as mentes curiosas ficarão longamente entretidas com os conteúdos do MBIV. E os que fazem leitura regular da Bíblia terão nele uma boa companhia para desfrutar da visita regular ao jardim.
• Délio Porto é presbiteriano, engenheiro civil e professor universitário.
>> Conheça também o livro Para Entender a Bíblia, de John Stott
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» Os textos bíblicos mais discutidos pelos tradutores
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