Opinião
- 15 de setembro de 2017
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7 considerações sobre a exposição “Queermuseu”, do Santander Cultural
Por Rodolfo Amorim
A mostra "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", realizada em Porto Alegre, com temática LGBT e alvo de protestos nos últimos dias, foi encerrada com um mês de antecedência pelo Santander Cultural.
Algumas considerações para a nossa reflexão:
1. Primeiramente, devemos reconhecer que o debate atual envolve temas muito complexos como a) a natureza e finalidade da arte; b) quais os níveis de liberdade permitidos às produções culturais específicas em instâncias públicas e privadas; c) qual a relação do Estado com o patrocínio ou não de arte, e quais critérios existiriam para tal. Ou seja, o tema é complexo em demasia para se tratar satisfatoriamente em qualquer postagem em redes sociais.
2. Obras de arte devem ser primariamente avaliadas em termos estéticos, e somente de forma secundária em termos morais, religiosos, etc. Portanto, a crítica deve ser mais informada sobre a qualidade estética da mostra. Eu vi poucas opiniões sobre o contexto estético das obras mais atacadas, o que deve ser considerado de forma séria e justa em tais discussões.
3. Obras de arte são obras humanas e, como tais, carregam em maior ou menor grau sentidos simbólicos e de interpretação da realidade que podem, sim, ser considerados e discutidos sob o ponto de vista normativo e cognitivo. Uma obra de arte pode ser justa ou injusta no tratamento de um tema, ser econômica ou esbanjadora, harmônica ou desarmônica, coerente ou incoerente, ter movimento ou ser estática, enfim, como uma entidade esteticamente qualificada a obra de arte participa de todos os aspectos da realidade, contendo substratos e superestratos que a colocam em contato com um universo além do puramente estético. Nesse sentido, pode-se analisar e discutir a legitimidade da presença de uma obra de arte em certos contextos e direcionada a certos fins.
4. A exposição “Queermuseu” do Santander, em uma primeira análise, parece apresentar obras com conteúdos inadequados à finalidade de um centro cultural que visa promover cultura e educação para a sociedade em geral (estes centros geralmente se declaram estatutariamente como instituições privadas com fins públicos para receberem isenções tributárias e subsídios como a Lei Rouanet, não sendo, assim, privados no sentido estrito). Portanto, cabe uma discussão pública sobre a plausibilidade de tal produção artística em tal contexto. Por exemplo, as mostras de centros culturais privados como o Santander são abertas a públicos infantis e de escolas em geral, devendo tal relação externa ser avaliada do ponto de vista de sua complexidade: é recomendável a certas idades, tem caráter educativo, pode receber patrocínio público, promove quais valores e práticas, etc?
5. Como vivemos em uma realidade social em que não existem instituições e contextos verdadeiramente plurais, onde a influência de certas crenças de comunidades em suas produções culturais seriam mais restritas aos aderentes de tais crenças e pertença comunitária, sempre é válida a discussão sobre o que certas produções, de certos grupos, pode acarretar no contexto da vida conjunta da sociedade mais ampla, pois que vive sobre um mesmo território e sob uma mesma estrutura estatal, com um conjunto de leis único. Ou seja, discutir a viabilidade jurídica de certas manifestações simbólicas não é incorrer na violação do direito de liberdade de crença, mas discutir responsavelmente sobre o que esta sociedade crê como valores e práticas a serem recompensadas pela legislação vigente, ou qual bem comum compartilhamos (o que é inevitável em contextos públicos comuns e plurais). A lei teria uma função pedagógica e comunitária, e não somente de garantir liberdades individuais.
6. A partir do ponto antecedente, o fato de a exposição ser patrocinada por dinheiro subsidiado pelo Estado (Lei Rouanet) passa a incluir pontos de discussão pública relevantes, pois como pode o Estado patrocinar uma arte que venha a ferir pontos caros a grande parte das comunidades que fazem parte de sua jurisdição, como na expressão de símbolos (no contexto específico, ponto 3) que reforçam práticas consideradas imorais e injustas como a zoofilia, a pedofilia, o assédio e indução à temas internos à ideologia de gênero direcionado a crianças, a práticas sexuais não naturais, a blasfêmia gratuita às crenças religiosas compartilhadas por grande parte da população, etc? Ao permitir tais subsídios o Estado estaria ferindo o princípio que lhe é próprio, de promover justiça pública, adotando uma espécie de nihilismo de princípios. Ora, se um Estado não visa promover justiça, até no âmbito de subsídio de arte, ele passa a carecer de legitimidade, e pode ser resistido pelas comunidades e seus integrantes sob sua jurisdição.
7. A partir dos pontos acima, creio que a atitude de denúncia da legitimidade e boicote de tal exposição artística, no contexto em que foi organizada e para a finalidade anunciada, com os recursos de origem estatal (público), é legítima e deve ser feita em um contexto de civilidade e racionalidade. O que não deve ocorrer, a meu ver, é qualquer forma de violência à liberdade das pessoas ou instituições que estão envolvidas no caso até que as instâncias apropriadas sejam responsabilizadas por tal, como uma delineação legal mais específica sobre o caso e uma conscientização mais ampla quanto aos danos que podem ser acarretados por tal exposição.
Como leitura sobre o tema sugiro dois livros de pensadores cristãos que discutem a natureza específica da arte (A Christian Critique of Art and Literature Paperback por Calvin Seerveld); e, a relação da arte com instâncias governamentais e critérios de patrocínio (Art in Public: Politics, Economics, and a Democratic Culture por Lambert Zuidervaart).
• Rodolfo Amorim Carlos de Souza, mineiro, presbítero da Igreja Presbiteriana do Buritis, em Belo Horizonte (MG), obreiro do L"Abri Brasil, especializado em gestão do Terceiro Setor e mestre em Sociologia. É um dos organizadores do livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea, da Editora Ultimato.
Leia mais:
A Arte Não Precisa de Justificativa
A Arte e a Bíblia
Engolidos Pela Cultura Pop
A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura
Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro
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1. Primeiramente, devemos reconhecer que o debate atual envolve temas muito complexos como a) a natureza e finalidade da arte; b) quais os níveis de liberdade permitidos às produções culturais específicas em instâncias públicas e privadas; c) qual a relação do Estado com o patrocínio ou não de arte, e quais critérios existiriam para tal. Ou seja, o tema é complexo em demasia para se tratar satisfatoriamente em qualquer postagem em redes sociais.
2. Obras de arte devem ser primariamente avaliadas em termos estéticos, e somente de forma secundária em termos morais, religiosos, etc. Portanto, a crítica deve ser mais informada sobre a qualidade estética da mostra. Eu vi poucas opiniões sobre o contexto estético das obras mais atacadas, o que deve ser considerado de forma séria e justa em tais discussões.
3. Obras de arte são obras humanas e, como tais, carregam em maior ou menor grau sentidos simbólicos e de interpretação da realidade que podem, sim, ser considerados e discutidos sob o ponto de vista normativo e cognitivo. Uma obra de arte pode ser justa ou injusta no tratamento de um tema, ser econômica ou esbanjadora, harmônica ou desarmônica, coerente ou incoerente, ter movimento ou ser estática, enfim, como uma entidade esteticamente qualificada a obra de arte participa de todos os aspectos da realidade, contendo substratos e superestratos que a colocam em contato com um universo além do puramente estético. Nesse sentido, pode-se analisar e discutir a legitimidade da presença de uma obra de arte em certos contextos e direcionada a certos fins.
4. A exposição “Queermuseu” do Santander, em uma primeira análise, parece apresentar obras com conteúdos inadequados à finalidade de um centro cultural que visa promover cultura e educação para a sociedade em geral (estes centros geralmente se declaram estatutariamente como instituições privadas com fins públicos para receberem isenções tributárias e subsídios como a Lei Rouanet, não sendo, assim, privados no sentido estrito). Portanto, cabe uma discussão pública sobre a plausibilidade de tal produção artística em tal contexto. Por exemplo, as mostras de centros culturais privados como o Santander são abertas a públicos infantis e de escolas em geral, devendo tal relação externa ser avaliada do ponto de vista de sua complexidade: é recomendável a certas idades, tem caráter educativo, pode receber patrocínio público, promove quais valores e práticas, etc?
5. Como vivemos em uma realidade social em que não existem instituições e contextos verdadeiramente plurais, onde a influência de certas crenças de comunidades em suas produções culturais seriam mais restritas aos aderentes de tais crenças e pertença comunitária, sempre é válida a discussão sobre o que certas produções, de certos grupos, pode acarretar no contexto da vida conjunta da sociedade mais ampla, pois que vive sobre um mesmo território e sob uma mesma estrutura estatal, com um conjunto de leis único. Ou seja, discutir a viabilidade jurídica de certas manifestações simbólicas não é incorrer na violação do direito de liberdade de crença, mas discutir responsavelmente sobre o que esta sociedade crê como valores e práticas a serem recompensadas pela legislação vigente, ou qual bem comum compartilhamos (o que é inevitável em contextos públicos comuns e plurais). A lei teria uma função pedagógica e comunitária, e não somente de garantir liberdades individuais.
6. A partir do ponto antecedente, o fato de a exposição ser patrocinada por dinheiro subsidiado pelo Estado (Lei Rouanet) passa a incluir pontos de discussão pública relevantes, pois como pode o Estado patrocinar uma arte que venha a ferir pontos caros a grande parte das comunidades que fazem parte de sua jurisdição, como na expressão de símbolos (no contexto específico, ponto 3) que reforçam práticas consideradas imorais e injustas como a zoofilia, a pedofilia, o assédio e indução à temas internos à ideologia de gênero direcionado a crianças, a práticas sexuais não naturais, a blasfêmia gratuita às crenças religiosas compartilhadas por grande parte da população, etc? Ao permitir tais subsídios o Estado estaria ferindo o princípio que lhe é próprio, de promover justiça pública, adotando uma espécie de nihilismo de princípios. Ora, se um Estado não visa promover justiça, até no âmbito de subsídio de arte, ele passa a carecer de legitimidade, e pode ser resistido pelas comunidades e seus integrantes sob sua jurisdição.
7. A partir dos pontos acima, creio que a atitude de denúncia da legitimidade e boicote de tal exposição artística, no contexto em que foi organizada e para a finalidade anunciada, com os recursos de origem estatal (público), é legítima e deve ser feita em um contexto de civilidade e racionalidade. O que não deve ocorrer, a meu ver, é qualquer forma de violência à liberdade das pessoas ou instituições que estão envolvidas no caso até que as instâncias apropriadas sejam responsabilizadas por tal, como uma delineação legal mais específica sobre o caso e uma conscientização mais ampla quanto aos danos que podem ser acarretados por tal exposição.
Como leitura sobre o tema sugiro dois livros de pensadores cristãos que discutem a natureza específica da arte (A Christian Critique of Art and Literature Paperback por Calvin Seerveld); e, a relação da arte com instâncias governamentais e critérios de patrocínio (Art in Public: Politics, Economics, and a Democratic Culture por Lambert Zuidervaart).
• Rodolfo Amorim Carlos de Souza, mineiro, presbítero da Igreja Presbiteriana do Buritis, em Belo Horizonte (MG), obreiro do L"Abri Brasil, especializado em gestão do Terceiro Setor e mestre em Sociologia. É um dos organizadores do livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea, da Editora Ultimato.
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