Opinião
- 08 de maio de 2019
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2019: Ano Internacional das Línguas Indígenas
Por Héber Negrão
O ano de 2019 foi escolhido pela UNESCO para ser comemorado o Ano Internacional das Línguas Indígenas. Segundo a organização, que lançou um site oficial para esta comemoração, cerca de 7 mil línguas são faladas hoje em dia no mundo inteiro e 97% da população mundial fala apenas 4% dessas línguas enquanto que apenas 3% da população mundial são falantes de 96% das línguas existentes1. A maior parte destas, são línguas minoritárias e estão desaparecendo em um ritmo alarmante. Em vista disso a UNESCO tem o objetivo de conscientizar o mundo inteiro sobre esta triste realidade focalizando cinco objetivos estratégicos:
- Aumentar a compreensão, a reconciliação e a cooperação internacional.
- Criar condições favoráveis para o compartilhamento de conhecimento e para a disseminação de boas práticas com relação às línguas indígenas.
- Integrar as línguas indígenas na configuração padrão de comunicação.
- Empoderamento através da capacitação.
- Crescimento e desenvolvimento através da elaboração de novos conhecimentos.
Como missionário que trabalha com Tradução das Escrituras para uma dessas línguas minoritárias e como membro da Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM), uma organização cujo principal foco é tornar as Escrituras compreensíveis para diversas línguas, devo dizer que esta iniciativa me alegrou muito. Diariamente lidamos com a ameaça às línguas indígenas no país e sabemos que as línguas maternas de cada povo não são importantes apenas para comunicação diária. Elas moldam os valores, a maneira de pensar e a forma como um determinado povo vê o mundo.
Michel Kenmogne, Diretor Executivo do Summer Institute of Linguistics, SIL Internacional, foi convidado pela UNESCO para um pronunciamento na abertura oficial do Ano Internacional das Línguas Indígenas. Em seu discurso ele destacou a forte ênfase que a comunidade global tem dado à perda da biodiversidade no planeta, no entanto, segundo ele, a maior ameaça da humanidade nos dias de hoje é a perda da diversidade linguística no mundo inteiro. Uma vez que as línguas humanas estão fortemente ligadas às emoções e identidade dos povos, a perda linguística vai gerar, necessariamente, uma redução na qualidade da vida humana. “Quando falamos de línguas, não estamos falando de sinais e símbolos, estamos realmente falando de pessoas”, conclui Kenmogne. Kirk Franklin, Diretor Executivo da Aliança Global Wycliffe, vai ainda mais longe. Para ele, a língua de um povo é um “direito fundamental do ser humano e um aspecto essencial do Ser criado à imagem de Deus”.
O Departamento de Assuntos Indígenas e o Departamento de Pesquisas da Associação de Missões Transculturais do Brasil lançaram o Relatório Indígenas do Brasil 2018 com informações atualizadas sobre a atuação missionária entre este segmento no país2. No Brasil há cerca de 150 línguas indígenas atualmente e dos 340 povos indígenas presentes no país somente 25 deles têm mais de 5 mil falantes de línguas tradicionais3.
O Relatório 2018 identificou 99 etnias que são consideradas Povos Não Engajados4. Cerca de 49 desses povos falam somente o Português, o que já configura uma grande perda linguística em nosso país, confirmando os temores da UNESCO. Aproximadamente 23 povos são bilíngues ou trilíngues e somente 8 ainda falam exclusivamente a língua tradicional.
Quanto à tradução das Escrituras, o Relatório 2018 aponta que hoje a Bíblia completa está traduzida para 7 línguas indígenas no país, que existem 37 Novos Testamentos traduzidos e apresenta ainda a clara necessidade de tradução para outras 11 línguas. Sobre o tema, Lusineide Moura, Secretária Executiva da ALEM, acertadamente afirma que a igreja brasileira, mais do que qualquer outro segmento da sociedade, “deve estar consciente da sua responsabilidade na preservação dessas línguas e deve ser sua prioridade fazer com que a mensagem do Senhor, chegue a todos os povos em suas diferentes línguas”.
Uma iniciativa que deve ser destacada aqui é a do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI) que, juntamente com organizações parceiras, deram início ao curso de Tradutores Indígenas da Bíblia (TIB). Este curso visa capacitar indígenas para traduzirem as Escrituras em suas próprias línguas. O TIB teve início em 2012 e já está em sua 4ª edição, tendo capacitado aproximadamente 70 indígenas, falantes de 24 línguas. Edson Bakairi, um dos líderes do CONPLEI e coordenador do TIB, entende que a tradução das Escrituras tem sido forte aliada para a preservação das línguas indígenas e imprescindível para a transformação de vidas e para o crescimento de igrejas autóctones.
Outra ferramenta que também pode auxiliar no desenvolvimento de línguas minoritárias é o Guia de Planejamento Para o Futuro da Língua, um método de pesquisa criado por sociolinguistas da SIL Internacional. Ele auxilia comunidades minoritárias a identificarem a vitalidade de sua língua tradicional, a observarem o uso da língua majoritária e a planejarem sobre como querem lidar com ambas as línguas no futuro. Esse método é muito prático, visual e fácil de usar, podendo ser desenvolvido por representantes da própria comunidade.
Nós temos aplicado o método na comunidade onde trabalhamos e os resultados identificados pelos indígenas a respeito do uso de sua própria língua os tem deixado muito impactados. O Guia já está disponível em português e tem sido ensinado no Brasil, no curso de Fortalecimento das Línguas Minoritárias (FLiM), oferecido pela SIL Brasil5.
Nós, cristãos, temos a tendência de encarar a multiplicação das línguas na planície de Sinear como um castigo em decorrência do orgulho e da desobediência dos homens. Mas “Deus não se enganou quando confundiu as línguas em Babel” afirma Kelly David Smith, Diretor Regional da SIL no Brasil. Mesmo que o homem não tivesse pecado naquele episódio da torre, o crescimento populacional e a dispersão das famílias levaria inevitavelmente à criação de novas línguas faladas. “Nosso Deus é um Deus de unidade e amor, mas ele também valoriza a diversidade”, conclui.
O Criador de todas as pessoas e de todas as línguas escolheu tornar conhecido seu grandioso plano de Salvação através de um livro escrito. Ele próprio se identificou como o verbo encarnado que veio ao mundo para trazer reconciliação entre Deus e os homens. A Palavra veio restaurar uma comunicação que há muito havia sido quebrada; o Logos veio traduzir o ininteligível para que o pecador pudesse encontrar seu Salvador e o Senhor soberano pudesse ser adorado em todas as línguas faladas no mundo.
Notas
1. Segundo informações da UNESCO.
2. Solicite o Relatório 2018 no e-mail: indigena@amtb.org.br.
3. Segundo dados do Instituto Socioambiental.
4. Um povo não alcançado sem a presença de cristãos, igrejas, missionários ou Bíblia na língua materna e sobre o qual não há nenhuma iniciativa ou intenção de evangelização, interna ou externa.
2. Solicite o Relatório 2018 no e-mail: indigena@amtb.org.br.
3. Segundo dados do Instituto Socioambiental.
4. Um povo não alcançado sem a presença de cristãos, igrejas, missionários ou Bíblia na língua materna e sobre o qual não há nenhuma iniciativa ou intenção de evangelização, interna ou externa.
5. Para mais informações sobre o Guia e sobre o curso FLiM entre em contato com Kelly David Smith: director_brazil@sil.org.
• Héber Negrão, especialista em Etnoartes, é membro da ALEM e da MEIB. Juntamente com sua esposa Sophia e sua filha Thalita compõe a equipe de Tradução Oral das Escrituras para a língua Tembé.
Leia mais
» Indígenas no Brasil – um universo pouco conhecido
» Povos Não Alcançados no Brasil: A realidade indígena
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