Opinião
- 30 de janeiro de 2024
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160 anos da imprensa evangélica brasileira: uma longa trajetória
Por Alderi Souza de Matos
Há quase um século, o reverendo Vicente Themudo Lessa, incansável pesquisador do protestantismo brasileiro, escreveu excelente série de artigos para a Revista de Cultura Religiosa (1925-1926), sob o título “Anais da Imprensa Evangélica Brasileira”. Por um bom tempo ele vinha viajando extensamente pelo país e coletando periódicos das principais denominações, muitos dos quais estão, hoje, encadernados no recém-inaugurado Museu e Arquivo Histórico da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, em São Paulo. O levantamento feito pelo reverendo Lessa, estado por estado, revela que, àquela altura, após setenta anos de obra evangélica no país, era amplo o uso de periódicos, pequenos e grandes, de curta ou longa duração, como veículos de comunicação das igrejas entre si e com a sociedade brasileira.
O primeiro periódico evangélico em português foi Imprensa Evangélica, fundado no Rio de Janeiro pelo missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton e alguns colaboradores, que circulou por 28 anos (1864-1892). Apresentava estudos bíblicos e apologéticos, discutia as grandes questões políticas e sociais da época e dirigia a mensagem evangélica a um público interno e externo, sendo amplamente lido em todo o país. Foi sucedido, ainda entre os presbiterianos, por O Estandarte (1893) e O Puritano (1899), o primeiro dos quais circula até hoje, como órgão oficial da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). O segundo foi publicado até 1958, quando se uniu ao Norte Evangélico (1908) para dar origem ao atual Brasil Presbiteriano.
Em 1874, os presbiterianos lançaram em São Paulo O Púlpito Evangélico, periódico mensal de sermões. No ano seguinte, veio a lume em Recife o jornal Salvação de Graça, do pioneiro John Rockwell Smith. Em 1877, no Rio Grande do Sul, começou a circular O Pregador Cristão, do reverendo Emanuel Vanorden, e em 1889, na pequena Bagagem (atual município de Estrela do Sul), no Triângulo Mineiro, O Evangelista, do reverendo John Boyle, retomado mais tarde pelo reverendo Alva Hardie. Em 1887, veio à luz a valiosa Revista das Missões Nacionais, idealizada pelo reverendo Eduardo Carlos Pereira. Em 1895, os presbiterianos lançaram em Natal, RN, o jornal O Século, precursor do Norte Evangélico, mencionado acima.
As demais denominações também utilizaram amplamente esse valioso instrumento de propaganda, instrução e informação. O primeiro periódico metodista no Brasil, fundado pelo missionário John James Ransom, foi O Metodista Católico (1886), que no ano seguinte passou a denominar-se Expositor Cristão, até hoje o órgão oficial dessa denominação. No Pará, o combativo reverendo Justus H. Nelson publicou por duas décadas O Apologista Cristão Brasileiro (1890-1910). Os batistas estrearam na imprensa evangélica com O Eco da Verdade, publicado na Bahia, a partir de 1886, pelo reverendo Zachary Taylor. Foi um dos precursores de O Jornal Batista, lançado em 1901, que continua em circulação.
Os episcopais lançaram em 1893, em Porto Alegre, O Estandarte Cristão, que, sem o artigo definido, permanece como informativo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil até o presente. Em 1890, o célebre pastor Salomão Luiz Ginsburg, recém-chegado ao Brasil e então ligado aos congregacionais, lançou o jornal O Bíblia, nome pelo qual os evangélicos eram conhecidos. Dois anos mais tarde, foi substituído por O Cristão, atual informativo da União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil. Em 1922, o Exército de Salvação, que iniciava suas atividades no país, lançou o jornal Brado de Guerra, atual revista Rumo; em 1930, veio à luz Mensageiro da Paz, das Assembleias de Deus no Brasil.
Foram inúmeros os outros periódicos evangélicos que circularam no país até meados do século 20, alguns de natureza inspirativa e informativa, como A Pena Evangélica (1925), de Cuiabá, MT, Cruz de Malta (1927), Unum Corpus (1933), da Confederação Evangélica do Brasil, e Mocidade (1944), da juventude presbiteriana; outros de teor mais acadêmico e intelectual, como Revista de Cultura Religiosa (1921), Lucerna (1929), Sacra Lux (1935), Fé e Vida (1939) e Unitas (1946), só para mencionar exemplos mais conhecidos, além das publicações periódicas de instituições teológicas e organizações paraeclesiásticas.
Ao se aproximarem os 160 anos da imprensa evangélica brasileira, que irão transcorrer em 2024, há necessidade de uma profunda reflexão sobre o tema. Muita coisa se perdeu ao longo do tempo, mas o que foi preservado é fonte inestimável de informações históricas, de registros de uma caminhada, de testemunhos da evolução das agremiações religiosas no Brasil. As gerações passadas souberam, com mais ou menos eficiência, utilizar o recurso mais avançado de comunicação então existente, o que serve de inspiração e desafio numa época em que a troca de informações adquiriu uma rapidez e intensidade jamais vista. A revista Ultimato, nascida jornal, com mais de meio século de circulação, ocupa um lugar especial nesse complexo cenário, como elemento de aproximação e diálogo da comunidade evangélica, e de proclamação criativa e ousada da antiga e sempre nova história.
Artigo orginalmente publicado na edição 404 de Ultimato.
- Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e professor no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. É autor de Erasmo Braga, o Protestantismo e a Sociedade Brasileira; A Caminhada Cristã na História; Fundamentos da Teologia Histórica e Às Ciências Divinas e Humanas (150 anos do Instituto Presbiteriano Mackenzie). É colaborador da Igreja Presbiteriana de Vila Mariana, em São Paulo.
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