Palavra do leitor
- 15 de novembro de 2007
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Vistos, grana e missões
Quando Jesus, certa vez, precisou de um "visto" para entrar em Samaria aquela pequena vila, com seus primitivos instrumentos e critérios, decidiu negar-lhe a entrada, "porque o seu aspecto era como de quem ia a Jerusalém". Como os planos se frustraram os discípulos pensaram rapidamente com base bíblica em um mecanismo cruel de controle: "Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?" Jesus por sua vez aproveitou aquela situação para controlar em que pé estavam seus discípulos, que evidentemente exageravam na dose: "Vós não sabeis de que espírito sois". E o Senhor soberano mudou (temporariamente) seus planos: "E foram para outra aldeia" (Lc 9.51-56).
Enquanto estamos no plano subjetivo nossa fé individual nos basta. O problema é quando entramos no mundo objetivo, quando compartilhamos com outros as experiências individuais e a fé começa a se transformar em crenças da coletividade. Já é difícil termos total controle em nossos mundinhos particulares, mas quando entramos no plano social aí é que perdemos mesmo o controle da situação.
Assim todo grupo e toda sociedade tem seus mecanismos de controle. O controle é parte intrínseca de uma boa administração, juntamente com as funções de planejamento, organização e direção.
Mas quem controla afinal as igrejas evangélicas? A resposta simplista de que Deus tem tudo sob controle e podemos deixar tudo correr solto é só escapismo. E ditadura eclesiástica é crime.
Penso que a melhor forma de controle está na comunicação franca, no auto exame e boas amizades. Antes de vir como missionário para Europa tratei de conversar com outras pessoas fora de nossa denominação. Uma delas, um querido pastor holandês, meu amigo e antigo chefe, me contou sua própria experiência com visto no Brasil, em uma época de ditadura, quando "gringos" não eram tão bem vindos e me alertara para as questões legais de visto na Europa. Outra, o cônsul austríaco me chamou a atenção para não trabalhar ilegalmente. Busquei então sempre manter a legalidade e evitar ao máximo usar a arma mais fatal que nós brasileiros temos: o nosso jeitinho. E isso me colocou em uma situação não confortável e angustiante. Que teve seu ponto crucial quando o serviço de imigração inglesa me negou o visto de estudante me dando 24 horas para juntar meus badulaques e deixar o país.
Embora eu trabalhasse as horas permitidas em um hotel próximo a Estação Vitória e estivesse matriculado regularmente em uma escola inglesa o Home Office não quis que eu ficasse, pois eu não tinha em minha conta bancárias Libras suficientes para provar autonomia financeira. Normalmente o Mister Imigrante junta dinheiro com os amigos deposita na conta, tira um extrato bancário manda para a imigração e depois devolve o dinheiro. Coisa que eu não fiz, pelas razões acima explicadas. E o controle me pegou.
A propósito questão financeira e envio missionário, eu separo bem os dois momentos da empreitada apostólica. O primeiro onde por razões didáticas é necessário e desejável deixar o apóstolo (enviado) experimentar a providência divina. (1) Nesse momento um sustento financeiro pode estragar o aprendizado. Mas há um segundo momento (2) quando o missionário já aprendeu a lição aí devido aos riscos de uma missão mais ousada é necessário um apoio e compromisso maior da igreja ou agência que o envia. Deixá-lo sem um sustento digno seria fatal e um erro crasso.
Na minha situação tive uma tremenda dor de cabeça pra mim e minha então noiva. O fato é que a Tânia tinha acabado de conseguir de forma miraculosa um trabalho em Rochester, a cidade natal do famoso escritor inglês Charles Dickens. E já estava tudo preparado para mudar para a Inglaterra, onde queríamos nos casar.
Mas como eu não poderia permanecer em Londres retornei para a Alemanha. E decidimos dar entrada lá mesmo nos papéis de casamento. No cartório era preciso ter um tradutor. E por graça e misericórdia divinas tinha exatamente naquele dia uma brasileira casando com um alemão que falava português o qual gentilmente foi o meu tradutor. Tentei me informar em consulados e embaixadas, brasileiras e inglesas sobre como poderia resolver aquela situação. Alguém mencionou alguma coisa sobre um visto de noivado, que eles mesmos não souberam explicar como funciona... Decidimos então por falta de opção arriscar.
Um mês mais tarde no dia de meu aniversário estávamos atravessando de carro o canal da mancha. Na imigração, em Dover, fomos detidos por horas de interrogatório em salas separadas. E vimos mais uma vez a mão milagrosa de Deus, que me presenteava com um visto de visitante na Grã-Bretanha apesar de eu já ter em meu passaporte um visto rejeitado.
Apesar de toda a chatice que isto foi, confesso que toda essa burocracia tem suas vantagens. A principal dela é saber que não vivemos num caos social e que Deus está acima das leis e das falhas humanas (seja de crentes ou não crentes) e tem tudo sob controle.
(1) Mateus 10.9; Marcos 6.8; Lucas 9.3, 10.4, 22.35
(2) Lucas 22.35-36
http://www.fraternus.de
Enquanto estamos no plano subjetivo nossa fé individual nos basta. O problema é quando entramos no mundo objetivo, quando compartilhamos com outros as experiências individuais e a fé começa a se transformar em crenças da coletividade. Já é difícil termos total controle em nossos mundinhos particulares, mas quando entramos no plano social aí é que perdemos mesmo o controle da situação.
Assim todo grupo e toda sociedade tem seus mecanismos de controle. O controle é parte intrínseca de uma boa administração, juntamente com as funções de planejamento, organização e direção.
Mas quem controla afinal as igrejas evangélicas? A resposta simplista de que Deus tem tudo sob controle e podemos deixar tudo correr solto é só escapismo. E ditadura eclesiástica é crime.
Penso que a melhor forma de controle está na comunicação franca, no auto exame e boas amizades. Antes de vir como missionário para Europa tratei de conversar com outras pessoas fora de nossa denominação. Uma delas, um querido pastor holandês, meu amigo e antigo chefe, me contou sua própria experiência com visto no Brasil, em uma época de ditadura, quando "gringos" não eram tão bem vindos e me alertara para as questões legais de visto na Europa. Outra, o cônsul austríaco me chamou a atenção para não trabalhar ilegalmente. Busquei então sempre manter a legalidade e evitar ao máximo usar a arma mais fatal que nós brasileiros temos: o nosso jeitinho. E isso me colocou em uma situação não confortável e angustiante. Que teve seu ponto crucial quando o serviço de imigração inglesa me negou o visto de estudante me dando 24 horas para juntar meus badulaques e deixar o país.
Embora eu trabalhasse as horas permitidas em um hotel próximo a Estação Vitória e estivesse matriculado regularmente em uma escola inglesa o Home Office não quis que eu ficasse, pois eu não tinha em minha conta bancárias Libras suficientes para provar autonomia financeira. Normalmente o Mister Imigrante junta dinheiro com os amigos deposita na conta, tira um extrato bancário manda para a imigração e depois devolve o dinheiro. Coisa que eu não fiz, pelas razões acima explicadas. E o controle me pegou.
A propósito questão financeira e envio missionário, eu separo bem os dois momentos da empreitada apostólica. O primeiro onde por razões didáticas é necessário e desejável deixar o apóstolo (enviado) experimentar a providência divina. (1) Nesse momento um sustento financeiro pode estragar o aprendizado. Mas há um segundo momento (2) quando o missionário já aprendeu a lição aí devido aos riscos de uma missão mais ousada é necessário um apoio e compromisso maior da igreja ou agência que o envia. Deixá-lo sem um sustento digno seria fatal e um erro crasso.
Na minha situação tive uma tremenda dor de cabeça pra mim e minha então noiva. O fato é que a Tânia tinha acabado de conseguir de forma miraculosa um trabalho em Rochester, a cidade natal do famoso escritor inglês Charles Dickens. E já estava tudo preparado para mudar para a Inglaterra, onde queríamos nos casar.
Mas como eu não poderia permanecer em Londres retornei para a Alemanha. E decidimos dar entrada lá mesmo nos papéis de casamento. No cartório era preciso ter um tradutor. E por graça e misericórdia divinas tinha exatamente naquele dia uma brasileira casando com um alemão que falava português o qual gentilmente foi o meu tradutor. Tentei me informar em consulados e embaixadas, brasileiras e inglesas sobre como poderia resolver aquela situação. Alguém mencionou alguma coisa sobre um visto de noivado, que eles mesmos não souberam explicar como funciona... Decidimos então por falta de opção arriscar.
Um mês mais tarde no dia de meu aniversário estávamos atravessando de carro o canal da mancha. Na imigração, em Dover, fomos detidos por horas de interrogatório em salas separadas. E vimos mais uma vez a mão milagrosa de Deus, que me presenteava com um visto de visitante na Grã-Bretanha apesar de eu já ter em meu passaporte um visto rejeitado.
Apesar de toda a chatice que isto foi, confesso que toda essa burocracia tem suas vantagens. A principal dela é saber que não vivemos num caos social e que Deus está acima das leis e das falhas humanas (seja de crentes ou não crentes) e tem tudo sob controle.
(1) Mateus 10.9; Marcos 6.8; Lucas 9.3, 10.4, 22.35
(2) Lucas 22.35-36
http://www.fraternus.de
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