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Palavra do leitor

Uma espiritualidade sem marcas [1]

‘’Uma espiritualidade sem marcas nos abre para o fluir das lágrimas lúdicas das boas notícias, para o influir do próximo (através do serviço, do discipulado e da confissão, num autêntico processo de catarse e osmose comunitária, centrado no Cristo Ressurreto) e para o confluir dos recomeços (regido pela inspiração do amor, pela preservação da justiça e pelo mover do ânimo); tem a coragem para não se valer do falatório e do palavrório inútil, hipócrita e leviano dos cabrestos legalistas; não foge das contingências e muito menos impõe o caudilho ditatorial de um Messias manipulador.''

Sempre ouvimos, seja através dos sermões e das conversas entre os cristãos, que Deus é espírito e, assim sendo, deve ser adorado – ‘’em espírito e verdade.

Parto dessas ponderações e lanço, de imediato, a pergunta sobre o que vem a ser, então, uma pessoa espiritual?

Muito embora tivesse decidido por uma relação com o Cristo Ressurrecto, aos dezesseis anos de idade, desde a tenra infância, já me encontrava inserido num contexto familiar evangélico e me deparava com caricaturas voltadas a demonstrar uma autêntica espiritualidade, ou seja, pessoas pressupostamente espirituais.

Ouvia habitualmente duas frases, as quais prenunciavam um homem ou mulher de Deus, a saber:

- Ai vem uma mulher cheia do Espírito de deus, uma pessoa espiritual (diga – se de passagem, principalmente pelos trejeitos, pelo estereotipo, pela aversão ao mundo, por uma sensação de ser predestinada para revelar as últimas boas novas)!

- Eis aqui um homem de Deus (na trilha de adotar uma postura de ser o eixo direto, entre o Criador e nós, reles mortais)!

Até hoje parece tão cristalino, quando estava nas reuniões de oração de minha póstuma avó e olhava para essas caricaturas denominadas como legítimas, genuínas e contundentes pessoas espirituais e, caso não viessem, ou não fossem colocadas no pedestal de ícones da reunião, parecia haver uma retirada de Deus, um interromper das bênçãos e das revelações.

Nesse vaivém de abordagens, comecei a observar o quanto ser espiritual vinha atrelado a feitos e efeitos sobrenaturais, a êxtases místicos, a revelações apocalípticas, a arrebatamentos sobre o fim do mundo, a descobertas constrangedoras da vida do próximo, em público, para patentear a veracidade e autoridade desses mediadores e representantes divinos.

Ora, sou um ácido apologista com relação a repudiar manifestações sobrenaturais?

Digo, taxativamente, não!

Agora, algo me intrigava e me acoçava os sentidos, ou seja, como reconhecer e identificar uma espiritualidade sem marcas, sem cabrestos, viva e criativa, livre e com uma intensa intimidade com Deus?

Eis os malogros, as desistências e as subversões de muitos que decidiram jogar a toalha, fugir de qualquer réstia de experiência tida como espiritual, de sentir calafrios diante de línguas estranhas ou revelações.

Lamentavelmente, muitos acabaram vitimados por uma espiritualidade mais compromissada a exaltar e elevar, gente (como eu e você), a oráculos, a serem visto como conexões diretas com o Criador.

Ainda hoje, quantos não correm tresloucadamente atrás dessas conexões para obter respostas, conseguir realizar seus sonhos de consumo, fazer seu pé de meia e por ai vai.

Lá no fundo, essa espiritualidade de marcas coloca o Cristo Ressurrecto, como algo desnecessário.

De certo, não é de hoje, porque na época de Cristo vamos identificar movimentos espirituais, ao qual eram os retratos das marcas do sectarismo, das ufanias teocráticas, dos messianismos disformes, de uma pregação fragmentada.

Em outras palavras, uma espiritualidade de marcas fragmentadas, esquizofrênicas, sem equilíbrio e sentido, comprometidos a ser ocupar, tão somente, com um aspecto da vida e nada mais.

Deixo ser mais claro, uma espiritualidade por onde uns enfatizam o Verbo sem a Carne; por onde outros partem para a Carne sem o Verbo. Vou ser mais direto ainda, uns se alojam em guetos doutrinários, numa absoluta postura de repúdio ao mundo alderedor (basta atentar para comunidade isolada da secularidade, como os hueritas, por exemplo, nos Estados – Unidos).

Infelizmente, acreditam que ser igreja não envolve existir para os outros, para o mundo e para o próximo.

Noutro lado do rio, há a ala militante e engajada a apresentar um Cristo ideal e propagador de ideais, como o salutar antídoto para as mazelas entranhadas na política, na economia, na sociedade, nas nações.

Em meio a esse universo de uma espiritualidade com tantas marcas, desato as cordas e aceito navegar pela história de um peremptório candidato a reprovação de ser uma pessoa espiritual.

Falo de Enoque e o quanto sua história provoca uma reviravolta, em todos os nossos preconceitos sobre a questão do vem a ser uma pessoa espiritual. Indo ao texto de Gênesis 05. 18 a 24, nada mais e nada menos, encontramos a afirmação de que Enoque andou com Deus.
São Paulo - SP
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