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Palavra do leitor

Um Caso Bem Pensado de Adultério

Mulher formosa, sétima filha ou filha de um juramento, chamaria a atenção de qualquer um. Do alto ele a viu se banhando. Se nos jardins do palácio ou em a residência dela não se sabe ao certo.

O fato era a atração fortíssima que o olhar da beleza trazia às suas retinas. Belo, rico, famoso, bom partido e de sangue azul, era ele mesmo o próprio encanto e charme. Ela, era, porém, mulher casada, e seu marido não era um ‘joão-ninguém’.

Nada justificaria seu comportamento, fosse ele Comandante em Chefe, ou mandando indagar quem era aquela encantadora mulher. Afinal, quando a beleza feminina se encontra diante de um olhar másculo profundamente interesseiro, o coração de um homem, em geral, não dá muita bola para questões de ética e moralidade, sobretudo quando o desejo é a métrica para a decisão a ser tomada. Às favas as convenções sociais e religiosas, reagirão muitos!

O que rolou em seguida, talvez por uma boa temporada, cercado de todos os percalços, afinal, ele não era qualquer um, o marido dela idem, e o que estava em jogo era um trono, pouco se sabe. Mas com certeza ao imaginário é permitido toda sorte de artimanhas para convir a moldura do romance.

Sedução, morte e intrigas palacianas marcaram os anos que se seguiram ao momento em que o rei de Israel vislumbrou de sua janela uma jovem banhando-se numa casa vizinha.

Deliberadamente, os dois foram para a cama. Cruéis, ambos, se se puder assim pensar, a narrativa aponta para uma mudança radical na vida de ambos, do reino e também da história.

Pode-se imaginar que até o marido poderia ter aceitado o jogo imposto pelo Chefe com uma promoção a Marechal-de-Campo, visto que ao final a narrativa toma um rumo onde o erro se transforma num acerto típico de uma Cinderela com final feliz, não sem algumas tragédias ao longo do relato, todavia.

Entre reis, rainhas, reinos e plebeus, domínio de reinos, guerras, impérios e a consolidação da coroa e reinado, tudo isso deve compor, ao longo da história dos homens, pela via da picardia de romances, por vezes sórdidos, e brutalizados mil, um entendimento da história religiosa também, que não justifica a sordidez, mas incendeia relatos e narrativas, indicando como certos acontecimentos têm o condão de alterar radicalmente o rumo das coisas.

O romance que começou com um olhar e, numa sequência incrível e dramática, digna de um Romeu e Julieta, consumou-se mais tarde num ato típico de adultério consentido de ambas as partes, e, na sequência, criou-se um império nascente, é, por vezes, lido de trás para frente.

Quando o reinado de Salomão alcança toda a sua pompa e circunstância, bem poderia ter ele pensando, homem chegado que foi ao encanto de mil mulheres, se o encontro furtivo da sacada dos aposentos de seu pai e à distância, sua mãe, banhando ao longe, não teriam, naquele ato de amor impudico, dado razão à existência de seu reino e, se se desejar, alcançar até as franjas da história neo-testamentária.

Mas aí é muita teologia metida em sujeiras de adultério a justificar comportamentos vis.

A monarquia encabeçada por David e Salomão é uma construção, ainda que não se possa construir com Henrique VIII um paralelismo, comparável à invenção da Igreja da Inglaterra. E o ponto em que ambos se tocam, é exatamente esse traço muito humano, mesmo onde toda sorte de ações tidas como aberrantes compõem o relato magnífico de conquistas e realizações.

A tentativa de desmistificar ou sanitizar, fazer uma ‘re-leitura’ da história e das narrativas que a compõe, de passar o pente fino nos atos mais escabrosos e escandalosos entre homens e mulheres de bem para fazer uma leitura moralista, torcendo e obrigando a narrativa da história a curvar-se para um ponto como em as narrativas de EL CID e, ao final, compor com esse uma mística de glórias e conquistas, é o que o livro de Francine Rivers (editora Mundo Cristão) faz em BATE-SEBA - MULHERES NA LINHAGEM DE JESUS. Lixo!

Uma das coisas que mais impressiona o leitor da Bíblia, diferente de uma leitura do Alcorão, é observar que as narrativas de muito do que está ali é sórdida, típica de muito do que compõe o gênio humano.

O recontar teológico, dos fatos narrados em cima dessas narrativas cruas, dolorosas, execráveis é diferente, porém. O olhar de supostos autores que ‘recontaram’ os fatos dando-lhes uma interpretação e um colorido, pode ser 'kerigmática'. Mas o material é sórdido.

Recordo-me de uma visita que fiz anos atrás a Jerusalém. Nos primeiros dias, ouvindo o guia, impressionei-me e senti-me parte da história de uma cidade de milhares de anos de existência, contrastando à narrativa livresca que eu fizera ao longo de meus anos de estudo.

O encantamento mágico, porém, cedeu lugar ao realismo quando me vi diante do que parecia ser vestígios arqueológicos de uma via romana, tal qual, nos tempos de Cristo, cerca de uns 15 metros solo abaixo de uma igreja!

Resumindo: consigo, sim, imaginar David, Bate-Seba e até o próprio Jesus como querem Leonardo da Vinci e Dan Brown.
P - RN
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