Palavra do leitor
- 03 de fevereiro de 2009
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Transição de transitórios
O filho perguntou ao pai: o que é transição? O pai repondeu: transição significa passagem de uma situação ou estado, para outro. Quer um exemplo? Sim, disse o menino. Você está vivendo um momento de troca dos dentes. Até perder todos os dentes de leite, estará em transição. Entendeu? Entendi, respondeu a criança.
A conversa, entretanto, despertou algo. Nada sobre uma pergunta infantil, mas sobre a vida. É que ocorreu ao pai algo maior sobre esta palavra. Não simplesmente que ela explica um processo, mas que define mesmo o próprio estado de ser de cada um dos seres humanos. De algum lugar lhe veio a lembrança da fala de um homem que experimentou a dor e por ela aprendeu a tornar-se permanente porque entendeu que era passageiro: “O homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação. Nasce como a flor e murcha; foge como a sombra e não permanece;” (Jó 14:1, 2 – ARA).
Pensou sobre a dor do homem. O que seria? A doença e suas consequências funestas de deterioração do corpo? A perda dos filhos e bens? Isso também era componente da dor, mas em nenhum momento de sua experiência ele fala disso. Isso é revelador. Suas palavras derramam-se em angústias porque ele não entende mais seu mundo e ainda mais grave, Deus a quem servia. Até aquele momento uma máxima subjazia à sua fé: o bom é recompensado e o mau punido. Mas ele se sentia punido, apesar de que se via – sem orgulho, me parece – um homem bom. A vida à beira do precipício por dias e dias, o abandono, a depressão, o sentimento de nada no qual sua alma cascavilhava à procura de alento. Eis a dor deste homem.
Parece que na bonança a impermanência é algo difuso, não perceptível. Somente a dor revela a transitoriedade. Mas há um lado bom nisso. Ela nos tira da ilusão, ela nos traz à realidade, ela mostra tal como somos. Ensina, como diz o salmista, a contar nossos dias com um coração sábio. Quem se pensa permanente, desperdiça seus dias com bobagens.
A certeza de ser transitório instiga o sentimento de urgência, ajuda a valorizar cada momento como se fosse o último. Certo que não devemos e nem conseguimos pensar assim o tempo inteiro, mas convém gerar este comportamento como um hábito, de ver em cada instante como parte irrepetível de uma paisagem, especialmente em nossas relações com aqueles a quem amamos, na viagem que tem apenas um sentido.
Um poeta diz assim: “Quanto ao homem, os seus dias são como a relva; como a flor do campo, assim ele floresce; pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar.” (Sl 103.15, 16 – ARA) Lembro de uma pequena praça de meus recordos infantis. Os canteiros eram cheios de onze-horas de várias cores. Ao meio dia, quando voltava da escola, elas formavam um imenso tapete multicolorido. No final da tarde, sua beleza efêmera havia murchado. Aquilo era incompreensível, pois imaginava haver uma forma de mantê-las todo tempo lindas. Não havia. Não há.
Eu não tinha a capacidade de entender que aquele dia era o dia daquelas flores. No dia seguinte, outras estariam em seu lugar. Cada qual, em seu dia, havia dado toda a beleza que lhes caracterizava. Deram as cores com toda sua força sem mesquinharia, pois era tudo que tinham. Perdemos tempo sofrendo, digo os mais sensíveis de nós, sobre seu estado transitivo. Outros sabem disso e ignoram. Lacônicos, dizem para fugir desta dor: morreu, acabou-se. Não há quem fique imune a este pouco durar. A permanência, entretanto, se materializa naquele exato momento em que se vive. Preenche-se um espaço vazio como quem pinta uma tela, antes branca. Até podem pintar algo por cima, mas se raspar a camada, lá estará nossa obra/vida. A questão é, quanto de significado ela conterá?
Alguns de nós pensamos em permanecer por meio de certezas às quais se aferram como botes de náufragos. Mas no caminho, elas tendem a ser temporárias, momentâneas. Um olhar, passos adiante, e ela já não será tão certa assim. Mas tem como subproduto nos dar um pouco de identidade que ajuda a nos reconhecer no espelho e não pensar: ei, quem é este estranho de mim? As certezas nunca podem ser nossas. Quero dizer, produtos de nossa própria “enorme” experiência. Ela deve ser sempre produto do coletivo ancestral somadas às certezas que emanam de Deus. O sentimento de posse sobre nossas certezas tendem a gerar guerras.
Outros de nós, para vencer a precariedade da existência, constroem coisas, somam riquezas, acumulam poder. Todos eles sabem que estes artifícios são miseráveis, mas não têm nada melhor para por no lugar. Eles valorizam o ser destacados, mencionados. É como se cada vez que seu nome é pronunciado ou reconhecido eles se tornassem permanentes. Mas tudo isso dura milissegundos. Estão dependentes como drogados de crack.
A permanência não está em nós ou em qualquer artifício que criemos. Não existe, na face da terra, nada imperecível. Tudo muda. Tudo morre. Alguém poderia citar e eu até concedo o argumento. Mas o cara que construiu a pirâmide se perpetuou. Mas não queremos ser lembrados por quatro mil anos. Queremos a eternidade. Nada menos que isso basta. Esta fagulha que nos atrai para o eterno é a desculpa para encontrar Deus. Ele, sim, o Eterno que pode conferir um-sem-fim para aquele que a Ele se unir.
“Por acaso não é verdade que cinco passarinhos são vendidos por algumas moedinhas? No entanto Deus não esquece nenhum deles.” (Lucas 12:6 – NTLH) Esta é a única maneira de um ser humano jamais morrer. Estar na lembrança de Deus. Jesus fala disso em circunstâncias mais terrenas. As pessoas estavam preocupadas com sustento, vestimenta, a vida comum, enfim. Ele diz que Deus proveria, mas quer dizer também que Ele jamais se esquece de seus amigos. A lembrança de Deus sobre alguém é a existência em si mesma.
“Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor;” (1 Pe 1:24 – ARA)
A conversa, entretanto, despertou algo. Nada sobre uma pergunta infantil, mas sobre a vida. É que ocorreu ao pai algo maior sobre esta palavra. Não simplesmente que ela explica um processo, mas que define mesmo o próprio estado de ser de cada um dos seres humanos. De algum lugar lhe veio a lembrança da fala de um homem que experimentou a dor e por ela aprendeu a tornar-se permanente porque entendeu que era passageiro: “O homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação. Nasce como a flor e murcha; foge como a sombra e não permanece;” (Jó 14:1, 2 – ARA).
Pensou sobre a dor do homem. O que seria? A doença e suas consequências funestas de deterioração do corpo? A perda dos filhos e bens? Isso também era componente da dor, mas em nenhum momento de sua experiência ele fala disso. Isso é revelador. Suas palavras derramam-se em angústias porque ele não entende mais seu mundo e ainda mais grave, Deus a quem servia. Até aquele momento uma máxima subjazia à sua fé: o bom é recompensado e o mau punido. Mas ele se sentia punido, apesar de que se via – sem orgulho, me parece – um homem bom. A vida à beira do precipício por dias e dias, o abandono, a depressão, o sentimento de nada no qual sua alma cascavilhava à procura de alento. Eis a dor deste homem.
Parece que na bonança a impermanência é algo difuso, não perceptível. Somente a dor revela a transitoriedade. Mas há um lado bom nisso. Ela nos tira da ilusão, ela nos traz à realidade, ela mostra tal como somos. Ensina, como diz o salmista, a contar nossos dias com um coração sábio. Quem se pensa permanente, desperdiça seus dias com bobagens.
A certeza de ser transitório instiga o sentimento de urgência, ajuda a valorizar cada momento como se fosse o último. Certo que não devemos e nem conseguimos pensar assim o tempo inteiro, mas convém gerar este comportamento como um hábito, de ver em cada instante como parte irrepetível de uma paisagem, especialmente em nossas relações com aqueles a quem amamos, na viagem que tem apenas um sentido.
Um poeta diz assim: “Quanto ao homem, os seus dias são como a relva; como a flor do campo, assim ele floresce; pois, soprando nela o vento, desaparece; e não conhecerá, daí em diante, o seu lugar.” (Sl 103.15, 16 – ARA) Lembro de uma pequena praça de meus recordos infantis. Os canteiros eram cheios de onze-horas de várias cores. Ao meio dia, quando voltava da escola, elas formavam um imenso tapete multicolorido. No final da tarde, sua beleza efêmera havia murchado. Aquilo era incompreensível, pois imaginava haver uma forma de mantê-las todo tempo lindas. Não havia. Não há.
Eu não tinha a capacidade de entender que aquele dia era o dia daquelas flores. No dia seguinte, outras estariam em seu lugar. Cada qual, em seu dia, havia dado toda a beleza que lhes caracterizava. Deram as cores com toda sua força sem mesquinharia, pois era tudo que tinham. Perdemos tempo sofrendo, digo os mais sensíveis de nós, sobre seu estado transitivo. Outros sabem disso e ignoram. Lacônicos, dizem para fugir desta dor: morreu, acabou-se. Não há quem fique imune a este pouco durar. A permanência, entretanto, se materializa naquele exato momento em que se vive. Preenche-se um espaço vazio como quem pinta uma tela, antes branca. Até podem pintar algo por cima, mas se raspar a camada, lá estará nossa obra/vida. A questão é, quanto de significado ela conterá?
Alguns de nós pensamos em permanecer por meio de certezas às quais se aferram como botes de náufragos. Mas no caminho, elas tendem a ser temporárias, momentâneas. Um olhar, passos adiante, e ela já não será tão certa assim. Mas tem como subproduto nos dar um pouco de identidade que ajuda a nos reconhecer no espelho e não pensar: ei, quem é este estranho de mim? As certezas nunca podem ser nossas. Quero dizer, produtos de nossa própria “enorme” experiência. Ela deve ser sempre produto do coletivo ancestral somadas às certezas que emanam de Deus. O sentimento de posse sobre nossas certezas tendem a gerar guerras.
Outros de nós, para vencer a precariedade da existência, constroem coisas, somam riquezas, acumulam poder. Todos eles sabem que estes artifícios são miseráveis, mas não têm nada melhor para por no lugar. Eles valorizam o ser destacados, mencionados. É como se cada vez que seu nome é pronunciado ou reconhecido eles se tornassem permanentes. Mas tudo isso dura milissegundos. Estão dependentes como drogados de crack.
A permanência não está em nós ou em qualquer artifício que criemos. Não existe, na face da terra, nada imperecível. Tudo muda. Tudo morre. Alguém poderia citar e eu até concedo o argumento. Mas o cara que construiu a pirâmide se perpetuou. Mas não queremos ser lembrados por quatro mil anos. Queremos a eternidade. Nada menos que isso basta. Esta fagulha que nos atrai para o eterno é a desculpa para encontrar Deus. Ele, sim, o Eterno que pode conferir um-sem-fim para aquele que a Ele se unir.
“Por acaso não é verdade que cinco passarinhos são vendidos por algumas moedinhas? No entanto Deus não esquece nenhum deles.” (Lucas 12:6 – NTLH) Esta é a única maneira de um ser humano jamais morrer. Estar na lembrança de Deus. Jesus fala disso em circunstâncias mais terrenas. As pessoas estavam preocupadas com sustento, vestimenta, a vida comum, enfim. Ele diz que Deus proveria, mas quer dizer também que Ele jamais se esquece de seus amigos. A lembrança de Deus sobre alguém é a existência em si mesma.
“Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor;” (1 Pe 1:24 – ARA)
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