Palavra do leitor
- 05 de março de 2014
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Tempo e Relevância
Acabou o carnaval e, se bem me recordo, desde sábado não ponho os pés na rua, acabrunhei por aqui com uma contabilidade trágica: virose, chuva, frio, sinusite e tres derrotas seguidas no xadrez novo, um tabuleiro lindo de acrílico que todos juram ser de vidro; esse tabuleiro tem se tornado meu campo de concentração, literalmente.
Falando em contabilizar eu percebi algo curioso durante esses dias festivos lá fora e mesmíssimos aqui dentro: minhas tarefas, embora variadíssimas fossem, eram tarefas que eu deveria ter feito nos dias anteriores, coisas que fui adiando e por fim, em tempos de descanso, trabalhei nelas. Com a montanha de papéis e listas de afazeres preferi aproveitar o tempo livre pra me ocupar; impressionantemente me gastei no feriado organizando minha rotina.
Desde arrumar o depósito de alimentos a escrever relatórios eternamente pela metade, produzir cartas de agradecimentos, consertar o esgoto, lecionar o estudo do livro de Josué (vivia prometendo, cumpri), assistir junto com os internos o filme da Charlize Theron (Uêba!) e terminar os trabalhos acadêmicos; ver TV sem nada pra ver e vagabundear pela rede. Dias assim deveriam ser riscados.
A sensação de irrelevância é imensa, uma completa inutilidade por conta da minha arrogante mania de pregar para outros sobre a disciplina que dificilmente me lembro de onde guardei; sobre remir o tempo nos dias ruins, mas eu próprio gasto o feriado em tarefas dos dias úteis.
Li. Li muito sobre política, segui uma dica do instinto e li Mises, depois li Maquiavel, li sobre poesia e li poesia (óbvio que li Bandeira, sendo tristemente apaixonado por ele) e por fim, cheio de letras e completamente vazio de mim fui catar algum conforto na minha Bíblia nova com anotações de Lutero, linda, cheiro bom de livro novo.
Folheio, folhas farfalham e corro os olhos pelos livros até me concentrar na carta de São Paulo aos Filipenses, é um texto rico e ágil, bom de ler: “Andemos de acordo com aquilo que temos alcançado”, outra vez a sensação de irrelevância, de inutilidade me acomete, numa clara frustração de fazer muito sem entender o motivo.
Lembro-me de quando atravessava os dias ruins da abstinência, a aridez do organismo me fazia querer desistir por ser doloroso demais e solitário demais e longo demais os processos de volta, dias iguais e igualmente detestáveis com rotina massacrante de tratamento médico. Repetir até ser saudável, o calvário da fisioterapia nunca foi tão doído como quando precisei reaprender a andar e movimentar os dedos das mãos. Mas reaprendi, superei e segui em frente, buscando entender o valor e o sentido do que faço.
Há em mim uma angústia velha, chamo de “Síndrome de Servo Inútil”, crer quase sempre ter feito menos do que sei e poderia; se é vaidade ou excesso de zelo, não sei dizer, mas o fato de parar logo após o carnaval com minhas tarefas de ontem colocadas em dia por pura falta do que fazer ou pura falta de prazer no que deveria estar fazendo e me questionar a respeito já é fruto novo de atitude nova.
De quando em vez me apaixono por assuntos e coisas, músicas e livros, pessoas; outro dia Zé Ramalho cantando “Canção Agalopada” ,numa gravação da década de 70 me lembrou de que nos tempos das drogas eu tentara, sem sucesso algum parar, mudar e descobrir o motivo daquilo tudo, da droga, da violência, da solidão por opção, da anarquia sentimental, da devassidão poética, da lucidez etílica; descubro que ainda é assim, que as coisas que hoje faço nem sempre fazem sentido ou não tem o sentido que eu espero ou necessito pra continuar, entretanto eu continuo com a mesma densidade do começo.
Viver e morar aqui por vezes me deixa tenso e triste e com saudades não sei de quê, mas viver e morar aqui me traz pro centro da vontade amorosa do Pai, me deixa de frente pra minha real condição de homem renascido, e no final é o que buscamos, respostas acompanhadas de certezas velhas, que provoquem novas perguntas. Tomara que seja dessa forma que eu chegue ao final dos meus dias, me gastando inconformado com essa tal vida sem pouso.
Centro de Recuperação de Mendigos
Falando em contabilizar eu percebi algo curioso durante esses dias festivos lá fora e mesmíssimos aqui dentro: minhas tarefas, embora variadíssimas fossem, eram tarefas que eu deveria ter feito nos dias anteriores, coisas que fui adiando e por fim, em tempos de descanso, trabalhei nelas. Com a montanha de papéis e listas de afazeres preferi aproveitar o tempo livre pra me ocupar; impressionantemente me gastei no feriado organizando minha rotina.
Desde arrumar o depósito de alimentos a escrever relatórios eternamente pela metade, produzir cartas de agradecimentos, consertar o esgoto, lecionar o estudo do livro de Josué (vivia prometendo, cumpri), assistir junto com os internos o filme da Charlize Theron (Uêba!) e terminar os trabalhos acadêmicos; ver TV sem nada pra ver e vagabundear pela rede. Dias assim deveriam ser riscados.
A sensação de irrelevância é imensa, uma completa inutilidade por conta da minha arrogante mania de pregar para outros sobre a disciplina que dificilmente me lembro de onde guardei; sobre remir o tempo nos dias ruins, mas eu próprio gasto o feriado em tarefas dos dias úteis.
Li. Li muito sobre política, segui uma dica do instinto e li Mises, depois li Maquiavel, li sobre poesia e li poesia (óbvio que li Bandeira, sendo tristemente apaixonado por ele) e por fim, cheio de letras e completamente vazio de mim fui catar algum conforto na minha Bíblia nova com anotações de Lutero, linda, cheiro bom de livro novo.
Folheio, folhas farfalham e corro os olhos pelos livros até me concentrar na carta de São Paulo aos Filipenses, é um texto rico e ágil, bom de ler: “Andemos de acordo com aquilo que temos alcançado”, outra vez a sensação de irrelevância, de inutilidade me acomete, numa clara frustração de fazer muito sem entender o motivo.
Lembro-me de quando atravessava os dias ruins da abstinência, a aridez do organismo me fazia querer desistir por ser doloroso demais e solitário demais e longo demais os processos de volta, dias iguais e igualmente detestáveis com rotina massacrante de tratamento médico. Repetir até ser saudável, o calvário da fisioterapia nunca foi tão doído como quando precisei reaprender a andar e movimentar os dedos das mãos. Mas reaprendi, superei e segui em frente, buscando entender o valor e o sentido do que faço.
Há em mim uma angústia velha, chamo de “Síndrome de Servo Inútil”, crer quase sempre ter feito menos do que sei e poderia; se é vaidade ou excesso de zelo, não sei dizer, mas o fato de parar logo após o carnaval com minhas tarefas de ontem colocadas em dia por pura falta do que fazer ou pura falta de prazer no que deveria estar fazendo e me questionar a respeito já é fruto novo de atitude nova.
De quando em vez me apaixono por assuntos e coisas, músicas e livros, pessoas; outro dia Zé Ramalho cantando “Canção Agalopada” ,numa gravação da década de 70 me lembrou de que nos tempos das drogas eu tentara, sem sucesso algum parar, mudar e descobrir o motivo daquilo tudo, da droga, da violência, da solidão por opção, da anarquia sentimental, da devassidão poética, da lucidez etílica; descubro que ainda é assim, que as coisas que hoje faço nem sempre fazem sentido ou não tem o sentido que eu espero ou necessito pra continuar, entretanto eu continuo com a mesma densidade do começo.
Viver e morar aqui por vezes me deixa tenso e triste e com saudades não sei de quê, mas viver e morar aqui me traz pro centro da vontade amorosa do Pai, me deixa de frente pra minha real condição de homem renascido, e no final é o que buscamos, respostas acompanhadas de certezas velhas, que provoquem novas perguntas. Tomara que seja dessa forma que eu chegue ao final dos meus dias, me gastando inconformado com essa tal vida sem pouso.
Centro de Recuperação de Mendigos
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