Palavra do leitor
- 05 de janeiro de 2011
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Surpreenda-me, Deus.
Aqui estou eu olhando esta ficção temporal que chamamos 2011 a se estender diante de mim. Também tenho meus planinhos, um ou dois sonhos que, ora mais claros ora menos, antevejo sua realização. Sei, entretanto, que a vida indomável caminhará por caminhos que agora sequer imagino. Acalento-me com referenciais mais ou menos estáveis como quem tateia a casa conhecida na escuridão. Sei que no final, como no ano que passou, terei motivos de gratidão até pelo que não esperei.
A terra fez sua translação e então voltou ao ponto de partida. Este movimento, associado a sua rotação, nos ajuda a contar a grandeza física chamada tempo. Com este moto perpétuo circular ou nem tanto, criamos fórmulas para registrar o tempo e chamamos a uma parte dele de dia, ao intermediário, pouco mais que um ciclo lunar, chamamos mês e ao maior deles, denominamos ano. Associamos a estes nomes e números a memória, os planos, as esperanças, expectativas e nos lançamos num rodopiar espaço afora que está dentro de outros infindáveis rodopios cósmicos.
Domado o tempo, passamos às tarefas de registro. Quanto olhamos para trás, chamamos história. Se olhamos para frente, dizemos futuro. Ao presente apelidamos de rotina, não raras vezes, tédio. Isso porque esta passagem de tempo, grãozinhos de areia que caem um após o outro, tantas vezes sem significação – é duro dar significado permanente às coisas sem que façamos, quase de forma ininterrupta, avaliações, medidas, críticas – é uma maçada. Rápido caímos no ramerrame da repetição dos atos, palavras e relações. Não me entendam mal, uma boa e velha rotina faz um bem danado. Menos quando estamos nela.
Mas no início de outro ciclo temos a sensação de que tudo é ou será novo e nos animamos com isso. Somos contagiados pelos demais, companheiros de giro, que se lançam a fazer projetos sofregamente e nos cobram se não os seguimos. Logo estamos fazendo planos, estabelecendo metas, renovando promessas antes não cumpridas, mas que agora, por artes deste estado de sentimento, há certeza cristalina, serão realizadas. Em algum lugar em nós, uma leve desconfiança nos diz que procastinaremos até que demos outra volta e, num suposto novo ponto de partida, repitamos tudo outra vez.
O tempo escorre continuamente e ao dar nomes a partes dele, esquartejá-lo em pedaços grandes como o faria Jack e depois em menores até proporções atômicas, temos convicção, nós o dominamos. Mas diante do espelho ou pior ainda, no espelho do rosto do outro que nos acompanhou a história efêmera, desacostumados com suas rugas, vincos, cabelos brancos, pele flácida, espantamo-nos horrorizados: Meu Deus, faz 40 anos! Como passou rápido!
Nós, provisórios, precisamos do que é permanente. Então, acima de tudo, apego-me a Deus que, diz a Escritura, é imutável. Mas Ele costuma ser arredio aos nossos scripts. Desculpem, tenho ojeriza aos pedidos detalhados como quem faz lista de supermercado e o repassa ao estafeta para adquiri-lo para nós. Já sei, já sei, sem explicações, isto caso apareça alguém que me queira fazer atravessar a rua por me supor cego, só porque me vê parado e de óculos escuros quererá fazer sua boa ação como bom cristão.
Lembro-me agora do filme Ratatouille. Anton Ego, o crítico implacável, capaz de destruir a fama de um restaurante com apenas uma linha escrita, visita o restaurante de que todos estão falando. Uma nova direção, supostamente melhor ainda que o antigo chef Gusteau. Ao comer a comidinha banal, dos pobres, o tal ratatouille, é capturado por lembranças de uma infância difícil. Aquela comida lhe transporta ao amor da mãe dedicada e protetora. Muitas reviravoltas depois, num recomeço promissor, agora fã do ratinho chef Remy, Anton, um homem feliz, espera para ser servido. Perdeu a armadura e a agressividade, apenas desfruta o ambiente. Num dado momento, dirige-se a Remy que agora comanda a cozinha por direito e talento extraordinário e diz: Me surpreenda! Agora eu diria a Deus, sem nada pedir: Surpreenda-me, Senhor.
A terra fez sua translação e então voltou ao ponto de partida. Este movimento, associado a sua rotação, nos ajuda a contar a grandeza física chamada tempo. Com este moto perpétuo circular ou nem tanto, criamos fórmulas para registrar o tempo e chamamos a uma parte dele de dia, ao intermediário, pouco mais que um ciclo lunar, chamamos mês e ao maior deles, denominamos ano. Associamos a estes nomes e números a memória, os planos, as esperanças, expectativas e nos lançamos num rodopiar espaço afora que está dentro de outros infindáveis rodopios cósmicos.
Domado o tempo, passamos às tarefas de registro. Quanto olhamos para trás, chamamos história. Se olhamos para frente, dizemos futuro. Ao presente apelidamos de rotina, não raras vezes, tédio. Isso porque esta passagem de tempo, grãozinhos de areia que caem um após o outro, tantas vezes sem significação – é duro dar significado permanente às coisas sem que façamos, quase de forma ininterrupta, avaliações, medidas, críticas – é uma maçada. Rápido caímos no ramerrame da repetição dos atos, palavras e relações. Não me entendam mal, uma boa e velha rotina faz um bem danado. Menos quando estamos nela.
Mas no início de outro ciclo temos a sensação de que tudo é ou será novo e nos animamos com isso. Somos contagiados pelos demais, companheiros de giro, que se lançam a fazer projetos sofregamente e nos cobram se não os seguimos. Logo estamos fazendo planos, estabelecendo metas, renovando promessas antes não cumpridas, mas que agora, por artes deste estado de sentimento, há certeza cristalina, serão realizadas. Em algum lugar em nós, uma leve desconfiança nos diz que procastinaremos até que demos outra volta e, num suposto novo ponto de partida, repitamos tudo outra vez.
O tempo escorre continuamente e ao dar nomes a partes dele, esquartejá-lo em pedaços grandes como o faria Jack e depois em menores até proporções atômicas, temos convicção, nós o dominamos. Mas diante do espelho ou pior ainda, no espelho do rosto do outro que nos acompanhou a história efêmera, desacostumados com suas rugas, vincos, cabelos brancos, pele flácida, espantamo-nos horrorizados: Meu Deus, faz 40 anos! Como passou rápido!
Nós, provisórios, precisamos do que é permanente. Então, acima de tudo, apego-me a Deus que, diz a Escritura, é imutável. Mas Ele costuma ser arredio aos nossos scripts. Desculpem, tenho ojeriza aos pedidos detalhados como quem faz lista de supermercado e o repassa ao estafeta para adquiri-lo para nós. Já sei, já sei, sem explicações, isto caso apareça alguém que me queira fazer atravessar a rua por me supor cego, só porque me vê parado e de óculos escuros quererá fazer sua boa ação como bom cristão.
Lembro-me agora do filme Ratatouille. Anton Ego, o crítico implacável, capaz de destruir a fama de um restaurante com apenas uma linha escrita, visita o restaurante de que todos estão falando. Uma nova direção, supostamente melhor ainda que o antigo chef Gusteau. Ao comer a comidinha banal, dos pobres, o tal ratatouille, é capturado por lembranças de uma infância difícil. Aquela comida lhe transporta ao amor da mãe dedicada e protetora. Muitas reviravoltas depois, num recomeço promissor, agora fã do ratinho chef Remy, Anton, um homem feliz, espera para ser servido. Perdeu a armadura e a agressividade, apenas desfruta o ambiente. Num dado momento, dirige-se a Remy que agora comanda a cozinha por direito e talento extraordinário e diz: Me surpreenda! Agora eu diria a Deus, sem nada pedir: Surpreenda-me, Senhor.
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