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Palavra do leitor

Somos ritualistas ou discipuladores?

A igreja evangélica, particularmente, em nossas terras com seus matizes e vicissitudes históricas e culturais, perfaz a trajetória de um movimento intenso de cristãos afeita a uma versão da graça voltada a sua esfera privada e nada mais. Basta observarmos a pletora de programas evangelísticos disseminados pelos meios de comunicação midiática, aberta ou fechada, de ordem massiva, e percebermos a inclinação preponderante de um discurso aportado a si mesmo.

Nessa enxurrada de discursos e ênfases sobre a busca de um denominado bem – estar, aqui e agora, por meio da Cruz de Cristo, vale de tudo. Não por menos, as massas se aglomeram, se espremem, se extasiam e se enveredam nos mais diversos descalabros a fim de lograr a tão e aclamada vida desvencilhada de tensões, de ambiguidades, de dúvidas, de incertezas, como se a criação tivesse sido feita na mais completa ausência de risco.

Vamos adiante, o misticismo adentrou com impetuosidade e composiciona os meandros do cenário evangélico atual. Vale de tudo, água benta, rosa, lenço, foto e por ai vai. Lastimavelmente, lá no fundo, até evocamos um Deus absoluto, mas na verdade, contemplamos um ídolo adaptado a nossa vontade egoísta, manipuladora, hedonista e narcisista. Deveras, estufamos o peito e pontuamos sermos livres; no entanto, olvidamo – nos de sermos seres de decisões e responsáveis.

Quantos de nós construímos uma história de destempero com nosso corpo, com nossa alma, com nossos relacionamentos e exigimos de Deus que desça do seu trono e faça uma concomitância de arremedos e se não fizer, ah, meus amigos, aí o bicho vai pegar. Outrora, as pessoas iam as mães e pais de santo para amarrar amores, destruir vínculos, encontrar vias céleres de ascensão social. Hoje, em cada esquina, deparamo – nos com ícones pastorais na mesma função e a diferença de nos oferecer o céu.

Eis os ritualistas, sempre sedentos pelas novidades espraiadas por um contexto espiritual órfão do Reino de Deus. Sem titubear, o ritualista aprecia ardorosamente a coqueluche de bênçãos, migram pra lá e cá a procura de um Deus ou ídolo mais pujante, mais eficiente, mais eficaz, mais benéfico, mais complacente. O ritualista se amolda a uma espiritualidade sem o próximo, veste as indumentárias da predestinação (de estar acima dos outros), transfere para certos escolhidos a competência de ouvir, de servir e de confessar.

Tão somente, dirige – se a igreja, santa, escuta e retorna para sua vida. Deve ser observado, o ritualista, em si mesmo, configura um universo de tendência e paradigmas. Os ritualistas ojerizam o discipulado da parceria, o serviço da participação nas realidades dos marginalizados (nas kracolândias, nas esquinas de prostituição, nas mulheres violentadas e assassinadas, nas crianças estigmatizadas por abusos sexuais, nas questões de suma relevância com relação a vida), a confissão partilhadora (por onde aprendemos, apreendemos e compreendemos que ninguém consegue ser humano se não estiver com pessoas e isto açambarca enfrentar os atritos, abrir os olhos e discernir o quanto a decepção prefigura a condição para o lapidar das relações interpessoais e interativas).

Cumpre salientar, os ritualistas concebem missões, como algo destinado para poucos e que devem se virar para perpetrá – la; deliberam por uma caridade medíocre, são contumazes acusadores e execradores. Os ritualistas podem ser munidos de uma ortodoxa milenar, ou de um arcabouço teológico pós – liberal, ou de uma encíclica pastoral banhado nos mais abissal relativismo. Ora, em direção oposta, o discípulo reconhece, a priori e a posterior, o quanto depende de alinhar sua vontade a Cristo e partir para a aceitação dos inaceitáveis, para a Graça que acolhe pecadores (como eu), para a confissão como sinônimo de uma confluência e submersão na comunhão espiritual e não idílica ou irreal.

Evidentemente, poderia tecer miríades de colocações sobre os discipuladores, mas creio ser desnecessário. Deveras, as bem – aventuranças objetivam permear e plasmar os discipuladores que não se restringem as estolas de um poder eclesiástico, ou permanecem nas barras da saia de uma espécie de arquétipo evangelical para atender suas perfunctórias demandas.

Os discipuladores trilham pelas vias dos erros, dos equívocos, das falhas, das derrocadas, das falências, das limitações, dos momentos de um declínio da fé, do ensejo de permanecer na comunhão, de ouvir a palavra, de levantar as mãos e dar glória a Deus, de considerar os mandamentos não tão válidos e proeminentes assim, de não aceitar tudo o que vem do púlpito e etc.

Devo salientar, os discipuladores se abrem para o irmão, franqueiam as perversões do coração, aceitam o abraço do recomeço e de maneira alguma se escondem em máscaras ritualistas. Muitas vezes, interpretamos um discípulo farsante e que não passa de um ritualismo manipulador de vidas, cerceador da liberdade e, por conseguinte, solapador da responsabilidade por sermos livres.
São Paulo - SP
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