Palavra do leitor
- 07 de março de 2011
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Simão Bacamarte, o evangélico machadiano
Conhecido entre seus pares como um grande médico, Simão Bacamarte criou um hospício com o propósito de realizar experimentos de natureza cientifica: loucura e juízo deveriam ser cientificamente estudados.
A idéia era boa, mas o resultado uma tragédia: as duas coisas se misturaram e Bacamarte não conseguira saber o que era normalidade.
Qualquer desvio de comportamento que suspeitasse diferente da maioria, a pessoa era internada. O povo aplaudira, mas desconfiou quando pessoas normais foram internadas. Revolta geral.
1. Diferente do Alienista em Machado de Assis, o evangélico não é louco, mas definirá sua 'normalidade' em relação ao 'outro'. O outro lhe apavora, angustia. A Bíblia para o evangélico não é liberdade, é zona de conforto e região para se esconder.
Em um primeiro momento foram internados aqueles que manifestavam hábitos ou atitudes discutíveis, mas tolerados pela sociedade; idem para os sem opiniões próprias, mentirosos, falastrões, poetas que viviam escrevendo versos bombásticos e os vaidosos.
Aconteceu, porém, o impensável: o Dr. Bacamarte um belo dia soltou todo mundo do hospício, adotou novos critérios para a loucura, e reconhecendo a si próprio como o único louco existente, fechou-se na instituição que ele próprio criara.
2. O evangélico, todas as cores, texturas e graus maiores ou menores de normalidade, precisam de uma ‘instituição’. Em geral a igreja. Mas a palavra instituição aqui tem sentido outro. Lutero cantava ‘Castelo Forte’ como centro de liberdade; o evangélico, em geral, precisa de um castelo para esconder a liberdade. Ela lhe apavora.
O livro encerra a crítica de Machado de Assis à sociedade de sua época: quem eram os loucos? O que era loucura? Se a ciência (médica) da época era a resposta para muitas indagações humanas, qual seria pergunta? O Alienista não oferece nenhuma nem outra resposta. Descreve.
O Dr. Bacamarte tornara-se a síntese completa do sujeito que mostrara o ser humano como impotente. Bacamarte é que era o campeão da razão e cometera com ela toda sorte de equívocos e tragédias. Além, claro, de injustiças.
Simão Bacamarte não tivera energia moral, amor à ciência, acúmen e constância? Não, insiste Machado de Assis. Suas características além aparências, eram de um verdadeiro bruto. Ele era o cara! O louco, o insano. Internou-se na Casa Verde, no mesmo estado em que julgara os outros.
3. Até fins da década de 70 a maior parte de nós compraria um carro de um evangélico de olhos fechados. A partir daí, não.
Em O Alienista o escritor virá no médico Bacamarte a dificuldade da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal da mente humana, daí a proposta do médico: ortodoxia de procedimento profissional (diferente da esposa dele, doce, meiga e crível no marido, toda emoção) como símbolo de uma ciência fria, toda baseada na razão, fechada e sem frestas para a intuição ou a poesia, como caminho de conhecimento e da cura.
4. Habita no evangélico a estranha combinação de racionalismo, uma espécie de ascese mental medida pela ortodoxia, e um desequilíbrio emocional: ele é capaz de descer às minúcias de uma confissão de fé e se desmanchar em cânticos melódicos de cortar o coração de um delegado de polícia.
Machado pintara o Dr. Simão inteiramente dedicado aos estudos, enfronhado em autores célebres, acatando receitas científicas como dogmas de fé científico, ao mesmo tempo em que o revelaria como personagem alegórica, secundária.
5. ‘Homem da modernidade’ é meu colega advogado-evangélico. Enfrentá-lo em juízo é difícil. Atualizadíssimo, vive cercado de parafernália tecnológica. Aos domingos, porém, esse evangélico-advogado se metamorfoseia e pouca diferença há entre o homem moderno da semana e uma figura medieval no domingo; tanto no pensar quanto na aparência.
No mais, o conto é o desfile de tipos humanos, do novo-rico ao orador de superficialidade estéril.
O que se lê ao longo de poucas páginas do conto é uma dose cavalar de imprevistos e equívocos do Dr. Bacamarte, propiciando uma exibição de covardia moral e fraquezas que poderiam vicejar na sombra, se a comoção social e ele não abortassem o mundo inventado.
6. Uma das coisas mais assustadoras do evangélico típico do meu imaginário é a sua capacidade de caracterizar o ‘outro’ pela via do pecado. Se há uma palavra que literalmente cobre toda a panóplia da pessoa e seu universo, terá que ser ela. Não há mais nada definidora. Até a GRAÇA é definida por meio do pecado!
Bacamarte é a figura que tenta fixar-se na crença da personalidade incorruptível, completa. Após muita reflexão e conversas com pessoas públicas da cidade, principalmente o padre, também internado por ele, tranca-se sozinho na Casa Verde para o resto da vida. É o único louco.
PS. O evangélico é cada vez mais de um tipo só: fala do mesmo jeito, pensa do mesmo jeito e repudia a diversidade do mesmo jeito, sendo ele o referencial da mesmice. A diversidade e a riqueza ficam só na aparência. Simão Bacamarte é o evangélico Machadiano.
A idéia era boa, mas o resultado uma tragédia: as duas coisas se misturaram e Bacamarte não conseguira saber o que era normalidade.
Qualquer desvio de comportamento que suspeitasse diferente da maioria, a pessoa era internada. O povo aplaudira, mas desconfiou quando pessoas normais foram internadas. Revolta geral.
1. Diferente do Alienista em Machado de Assis, o evangélico não é louco, mas definirá sua 'normalidade' em relação ao 'outro'. O outro lhe apavora, angustia. A Bíblia para o evangélico não é liberdade, é zona de conforto e região para se esconder.
Em um primeiro momento foram internados aqueles que manifestavam hábitos ou atitudes discutíveis, mas tolerados pela sociedade; idem para os sem opiniões próprias, mentirosos, falastrões, poetas que viviam escrevendo versos bombásticos e os vaidosos.
Aconteceu, porém, o impensável: o Dr. Bacamarte um belo dia soltou todo mundo do hospício, adotou novos critérios para a loucura, e reconhecendo a si próprio como o único louco existente, fechou-se na instituição que ele próprio criara.
2. O evangélico, todas as cores, texturas e graus maiores ou menores de normalidade, precisam de uma ‘instituição’. Em geral a igreja. Mas a palavra instituição aqui tem sentido outro. Lutero cantava ‘Castelo Forte’ como centro de liberdade; o evangélico, em geral, precisa de um castelo para esconder a liberdade. Ela lhe apavora.
O livro encerra a crítica de Machado de Assis à sociedade de sua época: quem eram os loucos? O que era loucura? Se a ciência (médica) da época era a resposta para muitas indagações humanas, qual seria pergunta? O Alienista não oferece nenhuma nem outra resposta. Descreve.
O Dr. Bacamarte tornara-se a síntese completa do sujeito que mostrara o ser humano como impotente. Bacamarte é que era o campeão da razão e cometera com ela toda sorte de equívocos e tragédias. Além, claro, de injustiças.
Simão Bacamarte não tivera energia moral, amor à ciência, acúmen e constância? Não, insiste Machado de Assis. Suas características além aparências, eram de um verdadeiro bruto. Ele era o cara! O louco, o insano. Internou-se na Casa Verde, no mesmo estado em que julgara os outros.
3. Até fins da década de 70 a maior parte de nós compraria um carro de um evangélico de olhos fechados. A partir daí, não.
Em O Alienista o escritor virá no médico Bacamarte a dificuldade da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal da mente humana, daí a proposta do médico: ortodoxia de procedimento profissional (diferente da esposa dele, doce, meiga e crível no marido, toda emoção) como símbolo de uma ciência fria, toda baseada na razão, fechada e sem frestas para a intuição ou a poesia, como caminho de conhecimento e da cura.
4. Habita no evangélico a estranha combinação de racionalismo, uma espécie de ascese mental medida pela ortodoxia, e um desequilíbrio emocional: ele é capaz de descer às minúcias de uma confissão de fé e se desmanchar em cânticos melódicos de cortar o coração de um delegado de polícia.
Machado pintara o Dr. Simão inteiramente dedicado aos estudos, enfronhado em autores célebres, acatando receitas científicas como dogmas de fé científico, ao mesmo tempo em que o revelaria como personagem alegórica, secundária.
5. ‘Homem da modernidade’ é meu colega advogado-evangélico. Enfrentá-lo em juízo é difícil. Atualizadíssimo, vive cercado de parafernália tecnológica. Aos domingos, porém, esse evangélico-advogado se metamorfoseia e pouca diferença há entre o homem moderno da semana e uma figura medieval no domingo; tanto no pensar quanto na aparência.
No mais, o conto é o desfile de tipos humanos, do novo-rico ao orador de superficialidade estéril.
O que se lê ao longo de poucas páginas do conto é uma dose cavalar de imprevistos e equívocos do Dr. Bacamarte, propiciando uma exibição de covardia moral e fraquezas que poderiam vicejar na sombra, se a comoção social e ele não abortassem o mundo inventado.
6. Uma das coisas mais assustadoras do evangélico típico do meu imaginário é a sua capacidade de caracterizar o ‘outro’ pela via do pecado. Se há uma palavra que literalmente cobre toda a panóplia da pessoa e seu universo, terá que ser ela. Não há mais nada definidora. Até a GRAÇA é definida por meio do pecado!
Bacamarte é a figura que tenta fixar-se na crença da personalidade incorruptível, completa. Após muita reflexão e conversas com pessoas públicas da cidade, principalmente o padre, também internado por ele, tranca-se sozinho na Casa Verde para o resto da vida. É o único louco.
PS. O evangélico é cada vez mais de um tipo só: fala do mesmo jeito, pensa do mesmo jeito e repudia a diversidade do mesmo jeito, sendo ele o referencial da mesmice. A diversidade e a riqueza ficam só na aparência. Simão Bacamarte é o evangélico Machadiano.
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