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Palavra do leitor

Ser crente: ainda vale a pena?

"de nada adianta ser Igreja para o mundo, quando não conseguimos ser dentro dela e muito menos no nosso íntimo"...

-Olha, cuidado, ele é crente e não aprecia impropérios ou palavrões!
-Tudo bem, o Sr. pode levar, confio na palavra de crente!
-Nem chama, crente não participa dessas festas mundanas!

Sou do tempo e não faz muito tempo, em que ser crente, aqui devemos conotar ser cristão, representava muitos conceitos e preceitos. Muito embora, as pilhérias ocorressem, ser crente personificava uma mudança e reorientação expressiva do caráter.

A postura adquiria foros de primazia e relevância. A honestidade e o compromisso com a justiça. O inconformismo com as facetas múltiplas do pecado. A decidida inserção numa inter-relação de práxis comunitária. A simplicidade e singeleza de partir para uma identificação aberta e transparente com Cristo.

Sou do tempo, sou dos domingos nas igrejas com os seus corais, com cânticos regidos pela palavra-mestra, com a prédica fulcrada no epicentro da vida do crente.

Sou, sim e sim, do tempo das irmãs de cabelos branquíssimos como alavancas dos círculos de oração, dos grupos de jovens e adolescentes, da mocidade, do evangelismo, da manifestação dos dons a fim de inocular a genuína esperança, das manifestações retumbantes da Graça nos convalidos e infortunados.

Ah, sem qualquer nostalgia, longínquo de urdir um discurso idílico, devo reconhecer os erros, as ambiguidades, as rupturas institucionais, as dissenções ministeriais e outros pormenores. Malgado tudo isso, ser crente servia de fronteira entre a proposta de um estilo de vida relativista, diluído no niilismo, enxovalhado por uma liberdade informe, subjugado por uma filosofia utilitarista e coisificadora do ser humano.

Em outras, palavras, ser crente trazia á baila uma alternativa, uníssona e unipolarizadora, Cristo Jesus, o DEUS-ser humano, amigo e companheiro. Isto engendrava e eclodia o diferencial dentro de um contexto social, cujas conjunturas e superestruturas urbanas eram o espelho de um mundo sem valores salutares e profícuos. Ora, essas palavras tem um quê de nostalgismo, um pulsar de melancolia e até sanha, não e nem vou refutar.

Ultimamente, estamos diante de uma avalanche de rótulos, invólucros, estilos, paradigmas, verbetes e mutações. Deveras, ser chamado de crente significava uma injúria, um denegrir da moral e dos bons costumes. Opostamente, temos o gospel, o cristianismo pós-moderno, os ditos contestadores inexoráveis da Igreja, os apologistas de mudanças e reformas nos seios da Igreja, mas, tetricamente, nada procedem no tocante a trabalharem por tais mudanças.

Cumpre salientar, soterramos o ser crente, o ser entranhado ao Deus da fé lúdica, do amor da convivência, da justiça criativa, da Graça abarcadora de todas as matizes da existencialidade humana.

Para piorar os meandros desse presente Século XXI, do pós-informacionismo e adaptacionismo, deparamo-nos com um Cristo pauperizado, esgarçado por crendices e sincretismos, transformado em algo aberrante e funesto. Ou seja, a guisa de todas essas colocações, falo do evangelho das prateleiras, das opções em cada esquina, de um Cristo adstrito a elidir os meus problemas e só. Em nenhuma hipótese aceitamos o confronto, a alma despida, o ethos invadidos pela candura e melifluídade das boas-novas.

Tornamo-nos protagonistas de um cristianismo de máscaras, de pessoas abarrotadas nos templos e mantendo um estilo de vida furtivo e escuso. Vou mais além, templos, consagramos e enaltecemos artistas de púlpito, pastores-ícones e por ai vai. Ninguém aceita mais o servir ao próximo, a ser partícipe de uma vida comunitária e de interdependência, de parar de ficar a procura de expedientes do tão e vestusto jargão - irmão ora por mim.

É de bom alvitre ressaltar, ser crente implica ser consciente e a par das fragilidades, vulnerabiliades e debilidades da sua história; ser crente contrói a ponte de amizades solidárias e fraternas, de se importar com o irmão ao seu lado, de pertencer a uma dimensão comunitária regida e sob a égida de Cristo; de objetar os discursos perniciosos de ser igreja no anonimato, na surdina, na massa atomizada, no faz de conta; de parar um pouco e aceitar o fato do quão dantesco e peripatético configura ser um cristão voltado aos seus próprios interesses.

Desde já, peço escusas, ser crente tem a coragem e audácia de ponderar nas palavras, quando firmar comentários, muita vezes, infames e insípidos, no tocante aos nossos irmãos de outras vertentes cristãs. É, ser crente é crer, submergir-se no açude da Graça, Cristo Jesus, é ser consubstanciado pela alegria e pelo viço de imagem e semelhança de Deus, ser humano, alma, poesia, abraço, coração, razão, estética, cultura, ética e todos os demais arcos constituidores da vida.

Por ora, estimados leitores e elucubradores dessa ínclita Revista Ultimado, irmãos(ãs) em Cristo, devemos perguntar: sou crente, sou díscipulo de Cristo?
São Paulo - SP
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