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Palavra do leitor

Saudades de um Brasil que quase existiu

Nunca imaginei ler uma coisa dessas, muito menos que eu mesmo estaria escrevendo tal absurdo. Acontece que o mundo da voltas e a cada giro as coisas saem do lugar rapidamente. Se não vejamos. Tenho sido consumido por um tipo de saudade muito esquisita. Eu sei que saudade é uma maneira especial de conservarmos nossa própria história. Ocorre que meu saudosismo foi contaminado por um vírus muito perigoso. Identifico-o como 665 (por pouco). A cada dia essa bactéria destaca e aumenta desconfortavelmente recordações, eu diria, um tanto esdrúxulas. Diga-me se isso é normal?

Sinto saudades do tempo em que a diretoria do colégio era um santuário. Havia temor de colocar os pés ali. Os professores eram admirados e respeitados como sacerdotes. Em casa, a comunicação funcionava silenciosamente. Hoje fingimos que há diálogo como forma de criticar o passado, minimizar nosso desespero pelo que nos aguarda e despistar nossa incapacidade de lidar com o desafio de ser pai/mãe de uma geração ingrata.

Saudades da “baratinha”, um fusca de cores fortes que garantia a segurança do estado de SP. Quanta saudade... Tempinho bom aquele em que éramos assaltados sim, mas por ladrões menos estressados. Havia barbaridades de quando em quando é claro. O problema é que hoje em dia não se mata para roubar, mas para treinar os menores infratores.

Quem diria, saudade da censura. Aqueles sim foram os melhores momentos da musica popular brasileira. A censura cerceia a liberdade? Depende do que se entende por liberdade. Quando pesquisamos as músicas produzidas na ditadura militar perdemos a lógica obvia da resposta pronta. O talento transpunha qualquer restrição imposta. Hoje... Quanto lixo. A censura potencializava o censo crítico de criação genial dos comediantes. A gente aprendia a pensar vendo programas humorísticos da época. Hoje... Lixo, lixo e lixo. Quem assistiu o Faustão no passado recente, percebe o quanto ele precisou abrir mão das verdadeiras “rápidas tiradas”, uma espécie de gancho veloz de “esquerda” na “direita” (esquerda inteligente – saudosa também). Triste vê-lo passar horas e horas no domingo feito um robô quebrado dizendo o tempo todo “Ôoolokomeu”.

Por fim, sinto-me obrigado a confessar que os efeitos dessa variação chegou ao fundo do poço ao ponto de me fazer pensar que estava lá para ouvir as doces palavras de um profeta pagão.

O General Ernesto Geisel (1974/1979) declarou: “Se é vontade do povo brasileiro eu promoverei a Abertura Política no Brasil. Mas chegará um tempo que o povo sentirá saudade da Ditadura Militar. Pois muito desses que lideram o fim da ditadura não estão visando o bem do povo, mas sim seus próprios interesses”.

Cá estou, pouco afim de “sociologar” a respeito, apenas com o coração cheio de saudades dos bons tempos menos ruins. Um texto sagrado dos cristãos, adaptado aos geniais dribles dos compositores da MPB diante da censura, une ironicamente os dois momentos históricos. O passado e o presente numa mesma letra/sagrada/mpbzada, “Pai afasta de mim este cálice”. Um texto que a qualquer momento pode se voltar justamente contra aos que nele creem. Hoje, Se eu quiser falar com Deus, devo tomar todo o cuidado com a nova censura, pois agora até dizer no que se acredita é quase um crime. Velha e saudosa ditadura, bons tempos menos ruins.
São Paulo - SP
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