Palavra do leitor
- 26 de janeiro de 2011
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Rubem Alves não sabia onde Deus estava
Começo este texto com algumas confissões. Gosto do Rubem Alves. Não o classifico nas categorias nas quais costuma ser citado por seus leitores: ora como pedagogo, ora como psicanalista e ainda há quem goste dele pelos seus antigos escritos teológicos. Gosto de como trata o texto, da busca incessante de significados e histórias em coisas "simples", o que normalmente produz insights bastante interessantes. Gosto como cutuca a religião e os religiosos. Quase sempre concordamos.
Minha segunda confissão é enviesada. Não sou palmatória do mundo, logo não tenho vocação para endireitar as entordaduras que existem aos montes. Porém, há coisas que nos soam tão disparatadas que só a custo conseguimos reprimir uma reação. É o caso do recente texto do Rubem Alves na Folha, jornal no qual escreve às terças-feiras.
Em "Onde está Deus?", seu último artigo, Rubem acusa Deus de ser o culpado ou de, no mínimo, estar ausente na hora em aconteceu o que ele chama de “tsunami nas montanhas” do Rio de Janeiro. Veio-me à mente a ironia de Elias com os profetas de Baal que se flagelavam pedindo um sinal ao seu deus e o profeta os fustigava a gritar mais alto porque, quem sabe, o deus estivesse em viagem ou dormindo.
No final de sua fala, Rubem relembra um editorial do “The New York Times” quando da queda das torres gêmeas. O título repetia a frase – dita por amargurados judeus massacrados – que ficou tristemente famosa nos campos de concentração: “Onde estava Deus quando isso aconteceu?” Importa mesmo saber?
O texto rubeniano começa como sempre, falando de algo que é, digamos, banal. Ele acorda e liga a televisão para se informar. Depara-se com o horror. Deplora, de certo modo, que uma mulher carregue na camisa um “sou feliz” ao qual ele acrescenta: “quem está com Deus é feliz”. Assim ele arrasta Deus para dentro do apocalipse, pois nem estava lá, ele supõe. Pobre mulher enganada.
O texto dá saltos. Nos parágrafos seguintes fala da mesma televisão, mas agora como uma caixinha mágica que transforma a realidade, pois mostra-lhe um mundo indílico de compras e pessoas felizes, inclusive os pobres que podem comprar, digo eu, em duzentas vezes, os bens de consumo do mundo capitalista. Um salto maior ainda e Rubem sapeca o salmo 91. Mil cairão à tua direita... Ele, leitor, está à salvo, mais porque habita quase no esconderijo do Altíssimo, afinal está no 11º andar. Os demais, desafortunados, cita Rubem, debaixo da lama, longe dos verdes pastos para os quais o Pastor conduz suas ovelhas (Salmo 23). E conclui, ele está protegido, o salmo de algum modo funciona para ele, não para os mortos.
Nada faz sentido. Rubem está aparvalhado pela desgraça que é inominável. Isso faz sentido. A ironia continua, não como Elias, mas como alguém que pelas costas de outro afirma coisas sobre Ele apenas para cobrar: e de que vale tanta onipresença, onipotência e onisciência se não usa? E aí Rubem, sem ter mais que diga, introduz o já citado título do jornal americano, faz dele a mesma pergunta.
A mesma televisão, nos telejornais que Rubem não assistiu e que não se cansa de mostrar e falar sobre a hecatombe, trouxe sobeja informação sobre as causas. Também nos comparou com outros lugares que agora mesmo sofrem com desastres naturais e que, ao contrário, tiveram poucas mortes, trataram o cidadão com atenção, avisaram com antecedência e acudiram prontamente.
As pessoas que construíram suas casas nos cocorutos dos morros, não são culpadas, são vítimas da incúria, da irresponsabilidade, da falta de respeito dos governantes brasileiros: prefeitos, governador e presidente. Pior ainda, quase todos sabiam dos perigos. A metereologia avisou sobre o volume extraordinário das chuvas que, aliás, é fenômeno natural, cíclico. Me ajude, Rubem, a entender, onde Deus senta no banco dos réus aqui?
No deserto da tentação, o diabo diz a Jesus a certa altura. “Se és Filho de Deus, joga-te para baixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a seu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra’”. É fácil usar a Bíblia para acusar a Deus, Rubem, até o diabo faz isso. O que ele não sabia é que tentar a Deus, é o mesmo que querer manipular as palavras, fatos e até os acontecimentos, para obrigá-lo a agir de certo modo só porque em algum lugar da Escritura está dito. É como se tivéssemos todas as variáveis da equação e a Deus, encurralado, só restasse fazer o que mandamos. Rubem, isso fazem todos os dias, na televisão, a galera da teologia da prosperidade com seus decretos e determinações. Todos os dias eles pegam um deus pelo colarinho e o esbofeteiam, e o ridicularizam e lhe chutam o traseiro com suas ordens e a nós afirmam: faça o mesmo ou você não tem fé. Eu entendo, você está triste e com raiva, né Rubem?
Minha segunda confissão é enviesada. Não sou palmatória do mundo, logo não tenho vocação para endireitar as entordaduras que existem aos montes. Porém, há coisas que nos soam tão disparatadas que só a custo conseguimos reprimir uma reação. É o caso do recente texto do Rubem Alves na Folha, jornal no qual escreve às terças-feiras.
Em "Onde está Deus?", seu último artigo, Rubem acusa Deus de ser o culpado ou de, no mínimo, estar ausente na hora em aconteceu o que ele chama de “tsunami nas montanhas” do Rio de Janeiro. Veio-me à mente a ironia de Elias com os profetas de Baal que se flagelavam pedindo um sinal ao seu deus e o profeta os fustigava a gritar mais alto porque, quem sabe, o deus estivesse em viagem ou dormindo.
No final de sua fala, Rubem relembra um editorial do “The New York Times” quando da queda das torres gêmeas. O título repetia a frase – dita por amargurados judeus massacrados – que ficou tristemente famosa nos campos de concentração: “Onde estava Deus quando isso aconteceu?” Importa mesmo saber?
O texto rubeniano começa como sempre, falando de algo que é, digamos, banal. Ele acorda e liga a televisão para se informar. Depara-se com o horror. Deplora, de certo modo, que uma mulher carregue na camisa um “sou feliz” ao qual ele acrescenta: “quem está com Deus é feliz”. Assim ele arrasta Deus para dentro do apocalipse, pois nem estava lá, ele supõe. Pobre mulher enganada.
O texto dá saltos. Nos parágrafos seguintes fala da mesma televisão, mas agora como uma caixinha mágica que transforma a realidade, pois mostra-lhe um mundo indílico de compras e pessoas felizes, inclusive os pobres que podem comprar, digo eu, em duzentas vezes, os bens de consumo do mundo capitalista. Um salto maior ainda e Rubem sapeca o salmo 91. Mil cairão à tua direita... Ele, leitor, está à salvo, mais porque habita quase no esconderijo do Altíssimo, afinal está no 11º andar. Os demais, desafortunados, cita Rubem, debaixo da lama, longe dos verdes pastos para os quais o Pastor conduz suas ovelhas (Salmo 23). E conclui, ele está protegido, o salmo de algum modo funciona para ele, não para os mortos.
Nada faz sentido. Rubem está aparvalhado pela desgraça que é inominável. Isso faz sentido. A ironia continua, não como Elias, mas como alguém que pelas costas de outro afirma coisas sobre Ele apenas para cobrar: e de que vale tanta onipresença, onipotência e onisciência se não usa? E aí Rubem, sem ter mais que diga, introduz o já citado título do jornal americano, faz dele a mesma pergunta.
A mesma televisão, nos telejornais que Rubem não assistiu e que não se cansa de mostrar e falar sobre a hecatombe, trouxe sobeja informação sobre as causas. Também nos comparou com outros lugares que agora mesmo sofrem com desastres naturais e que, ao contrário, tiveram poucas mortes, trataram o cidadão com atenção, avisaram com antecedência e acudiram prontamente.
As pessoas que construíram suas casas nos cocorutos dos morros, não são culpadas, são vítimas da incúria, da irresponsabilidade, da falta de respeito dos governantes brasileiros: prefeitos, governador e presidente. Pior ainda, quase todos sabiam dos perigos. A metereologia avisou sobre o volume extraordinário das chuvas que, aliás, é fenômeno natural, cíclico. Me ajude, Rubem, a entender, onde Deus senta no banco dos réus aqui?
No deserto da tentação, o diabo diz a Jesus a certa altura. “Se és Filho de Deus, joga-te para baixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a seu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra’”. É fácil usar a Bíblia para acusar a Deus, Rubem, até o diabo faz isso. O que ele não sabia é que tentar a Deus, é o mesmo que querer manipular as palavras, fatos e até os acontecimentos, para obrigá-lo a agir de certo modo só porque em algum lugar da Escritura está dito. É como se tivéssemos todas as variáveis da equação e a Deus, encurralado, só restasse fazer o que mandamos. Rubem, isso fazem todos os dias, na televisão, a galera da teologia da prosperidade com seus decretos e determinações. Todos os dias eles pegam um deus pelo colarinho e o esbofeteiam, e o ridicularizam e lhe chutam o traseiro com suas ordens e a nós afirmam: faça o mesmo ou você não tem fé. Eu entendo, você está triste e com raiva, né Rubem?
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