Palavra do leitor
- 30 de junho de 2008
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Reclamar e coçar...
Andaram três dias deserto adentro. Faltou água. O povo inquieto queixou-se, lamentou-se por sorte tão miserável. Viram um exército poderoso ser derrotado sem darem uma flechada sequer e morreriam de maneira ignóbil. A sede andava em matilhas à espera dos mais fracos. É possível imaginar que animais já haviam morrido numa sinistra demonstração do que estava para vir.
Haviam chegado a um lugar em que havia água. Esta era a boa notícia. A má notícia é que a água era amarga de doer. Um ou outro mais afoito e sedento atirou-se dentro dela só para alertar aos demais em seguida para que não bebessem. Água amarga é quase sinônimo de estar envenenada. A alegria de encontrar o precioso líquido desvaneceu-se em queixume generalizado. A decepção dentro de um quadro de aperto, quando algo momentaneamente representa um desafogo, é mais devastadora do que qualquer coisa. A esperança que se adia, diz o autor de Provérbios, faz adoecer o coração. (Pv 13.12 – ARA)
Ao lugar de águas amargas deram o nome Mara. Mara era sua alma, seus sonhos que se desvaneciam. A liberdade cobrava seu preço.
Eles imaginavam – imaginamos nós – que novas condições de vida, a liberdade, a autonomia, implica em fazer o que se quer, e ver realizado tudo aquilo que de forma desenfreada sonhamos sem sopesar qualquer dificuldade. Mas isso está mais para contos de fada e a realidade teima em trazer-nos para o rasteiro amargor das águas. Relacionar um rio inteiro de que dispunham, mas sob a tirania da escravidão, e aquele arremedo de água amarga num lugar seco, mas em liberdade, foi a primeira coisa que fizeram. Todos temos nossos dias da síndrome da mulher de Ló. “Nunca pergunte: “Por que será que antigamente tudo era melhor?” Essa pergunta não é inteligente.” (Ec 7:10 – NTLH)
Moisés apega-se com Deus, era sua primeira experiência com um povo revoltado e lamurioso. Deus ensinou-lhe que certa árvore ali perto tinha a propriedade de tornar as águas amargas em doces. Às vezes, penso que andam escassos estes que aprendem com Deus para ensinar ao povo a usar a árvore que adoça as águas. Não é engraçado que a solução estivesse ali ao lado, mas que a ignorância impedia a todos de lançar mão dela? Deus nunca nos salvará da dificuldade, Ele nos dará orientação nela, afinal, ele é quem sabe que árvore muda o sabor dos amargores.
Uma primeira lição foi estabelecida. Apeguem-se a Deus, obedeçam-no e, bem... haverá problemas, mas nada como aqueles que os egípcios enfrentaram. Um mês depois estavam num lugar chamado Elim, que significa árvores, havia ali setenta palmeiras e doze fontes de água.
Pergunto-me se o povo não foi tomado de intensa euforia. Alguém comentou: Nossa caminhada começou meio esquisita, faltou água, Deus nos deu uma solução, mas era uma situação precária em que estávamos. Agora chegamos aqui e há fartura de água. A coisa está indo de vento em popa. Outro deve ter dito. Não seria melhor ficarmos por aqui? Para quê avançar por este deserto? Com certeza os egípcios estão tão acabrunhados que nunca virão nos pegar.
Uns dias em Elim e era necessário partir. A liberdade deve ser construída. Maturidade exige experiência e esta só nasce em confrontos com dificuldades, privações. No segundo mês da partida do Egito estavam num lugar, à beira do grande deserdo do Sinai. Agora faltou comida. Novamente as pessoas olham para o passado, tão pouco tempo antes, a despeito de intensos sofrimentos, humilhações, morte e dor, parecia agora meio que atraente. Melhor teria sido se Deus nos tivesse matado lá no Egito mesmo. Para quê esta libertação? Lá nós sentávamos à roda de uma panela de carne, comíamos pão até entalar. Mas fomos dar ouvidos a estes dois doidos que nem sabiam para onde nos levar. Vai morrer o povo todo de fome neste deserto, é isso que vai acontecer. O resmungar incendiou o povo de raiva e descontentamento.
O Houaiss diz que um dos sentidos de murmurar é dizer coisas impublicáveis em voz baixa. Mas imagino que eles não pediam segredo de sua insatisfação. Peguei-me em certo momento, num círculo vicioso de murmúrio. Quanto mais falava, mais queria dar vazão à minha ira, meu desconforto, minha incapacidade de entender. Dei-me conta, porém, que o amargor distribuído à esmo, invadiu os que estavam mais próximos de mim, não queria aquilo, mas quando me dava conta, desandava no vício. Como sair de um quadro em que a mínima mudança nas circunstâncias desencadeava um processo de maldizer que nada mais é que frustração em carne viva? Dei-me uma moratória por tempo determinado. Naquele período calaria, engoliria em seco, não que não tivesse nada para dizer, tinha e muito, mas se não pudesse levantar-me e agir ou falar algo que fosse proveitoso, nada diria. Poucos dias depois já sentia um alívio enorme. Não leitores, o problema não passou, mas eu certamente tornei meu espaço ecológico emocional mais habitável.
De volta à saga do povo que atravessava o deserto. Estavam lá, engolfados em maldizência. É Deus quem toma a iniciativa desta vez. Mandou que Moisés dissesse aos maldizedores que à tardinha teriam carne. Pela manhã teriam pão. Choveu codorniz sobre o acampamento. Coalhou pão na manhã seguinte sobre o deserto, do que foi chamado maná. Agora era aprender que Deus seria o sustento diário. Cada dia cada qual pegaria a porção suficiente para si. Nada de guardar. Alguns guardaram, o maná apodreceu, deu bichos, fedeu. Era uma questão de confiança, que só se aprende quando nos arriscamos. Novamente apelo para o Houaiss: Confiança é: crença na probidade moral, na sinceridade afetiva, nas qualidades profissionais, etc, de outrem, que torna incompatível imaginar um deslize, uma traição, uma demonstração de incompetência de sua parte; crédito, fé.
A fé de ontem foi útil lá no que se viveu. A de hoje precisa ser autenticada diante das águas amargas, na falta de pão, de carne, nas contas que se avolumam, nos desgostos. É assim, a fé só serve para hoje. Amanhã precisarei renová-la, sempre naquEle que se não responde como espero ou peço, nunca pode falhar.
Haviam chegado a um lugar em que havia água. Esta era a boa notícia. A má notícia é que a água era amarga de doer. Um ou outro mais afoito e sedento atirou-se dentro dela só para alertar aos demais em seguida para que não bebessem. Água amarga é quase sinônimo de estar envenenada. A alegria de encontrar o precioso líquido desvaneceu-se em queixume generalizado. A decepção dentro de um quadro de aperto, quando algo momentaneamente representa um desafogo, é mais devastadora do que qualquer coisa. A esperança que se adia, diz o autor de Provérbios, faz adoecer o coração. (Pv 13.12 – ARA)
Ao lugar de águas amargas deram o nome Mara. Mara era sua alma, seus sonhos que se desvaneciam. A liberdade cobrava seu preço.
Eles imaginavam – imaginamos nós – que novas condições de vida, a liberdade, a autonomia, implica em fazer o que se quer, e ver realizado tudo aquilo que de forma desenfreada sonhamos sem sopesar qualquer dificuldade. Mas isso está mais para contos de fada e a realidade teima em trazer-nos para o rasteiro amargor das águas. Relacionar um rio inteiro de que dispunham, mas sob a tirania da escravidão, e aquele arremedo de água amarga num lugar seco, mas em liberdade, foi a primeira coisa que fizeram. Todos temos nossos dias da síndrome da mulher de Ló. “Nunca pergunte: “Por que será que antigamente tudo era melhor?” Essa pergunta não é inteligente.” (Ec 7:10 – NTLH)
Moisés apega-se com Deus, era sua primeira experiência com um povo revoltado e lamurioso. Deus ensinou-lhe que certa árvore ali perto tinha a propriedade de tornar as águas amargas em doces. Às vezes, penso que andam escassos estes que aprendem com Deus para ensinar ao povo a usar a árvore que adoça as águas. Não é engraçado que a solução estivesse ali ao lado, mas que a ignorância impedia a todos de lançar mão dela? Deus nunca nos salvará da dificuldade, Ele nos dará orientação nela, afinal, ele é quem sabe que árvore muda o sabor dos amargores.
Uma primeira lição foi estabelecida. Apeguem-se a Deus, obedeçam-no e, bem... haverá problemas, mas nada como aqueles que os egípcios enfrentaram. Um mês depois estavam num lugar chamado Elim, que significa árvores, havia ali setenta palmeiras e doze fontes de água.
Pergunto-me se o povo não foi tomado de intensa euforia. Alguém comentou: Nossa caminhada começou meio esquisita, faltou água, Deus nos deu uma solução, mas era uma situação precária em que estávamos. Agora chegamos aqui e há fartura de água. A coisa está indo de vento em popa. Outro deve ter dito. Não seria melhor ficarmos por aqui? Para quê avançar por este deserto? Com certeza os egípcios estão tão acabrunhados que nunca virão nos pegar.
Uns dias em Elim e era necessário partir. A liberdade deve ser construída. Maturidade exige experiência e esta só nasce em confrontos com dificuldades, privações. No segundo mês da partida do Egito estavam num lugar, à beira do grande deserdo do Sinai. Agora faltou comida. Novamente as pessoas olham para o passado, tão pouco tempo antes, a despeito de intensos sofrimentos, humilhações, morte e dor, parecia agora meio que atraente. Melhor teria sido se Deus nos tivesse matado lá no Egito mesmo. Para quê esta libertação? Lá nós sentávamos à roda de uma panela de carne, comíamos pão até entalar. Mas fomos dar ouvidos a estes dois doidos que nem sabiam para onde nos levar. Vai morrer o povo todo de fome neste deserto, é isso que vai acontecer. O resmungar incendiou o povo de raiva e descontentamento.
O Houaiss diz que um dos sentidos de murmurar é dizer coisas impublicáveis em voz baixa. Mas imagino que eles não pediam segredo de sua insatisfação. Peguei-me em certo momento, num círculo vicioso de murmúrio. Quanto mais falava, mais queria dar vazão à minha ira, meu desconforto, minha incapacidade de entender. Dei-me conta, porém, que o amargor distribuído à esmo, invadiu os que estavam mais próximos de mim, não queria aquilo, mas quando me dava conta, desandava no vício. Como sair de um quadro em que a mínima mudança nas circunstâncias desencadeava um processo de maldizer que nada mais é que frustração em carne viva? Dei-me uma moratória por tempo determinado. Naquele período calaria, engoliria em seco, não que não tivesse nada para dizer, tinha e muito, mas se não pudesse levantar-me e agir ou falar algo que fosse proveitoso, nada diria. Poucos dias depois já sentia um alívio enorme. Não leitores, o problema não passou, mas eu certamente tornei meu espaço ecológico emocional mais habitável.
De volta à saga do povo que atravessava o deserto. Estavam lá, engolfados em maldizência. É Deus quem toma a iniciativa desta vez. Mandou que Moisés dissesse aos maldizedores que à tardinha teriam carne. Pela manhã teriam pão. Choveu codorniz sobre o acampamento. Coalhou pão na manhã seguinte sobre o deserto, do que foi chamado maná. Agora era aprender que Deus seria o sustento diário. Cada dia cada qual pegaria a porção suficiente para si. Nada de guardar. Alguns guardaram, o maná apodreceu, deu bichos, fedeu. Era uma questão de confiança, que só se aprende quando nos arriscamos. Novamente apelo para o Houaiss: Confiança é: crença na probidade moral, na sinceridade afetiva, nas qualidades profissionais, etc, de outrem, que torna incompatível imaginar um deslize, uma traição, uma demonstração de incompetência de sua parte; crédito, fé.
A fé de ontem foi útil lá no que se viveu. A de hoje precisa ser autenticada diante das águas amargas, na falta de pão, de carne, nas contas que se avolumam, nos desgostos. É assim, a fé só serve para hoje. Amanhã precisarei renová-la, sempre naquEle que se não responde como espero ou peço, nunca pode falhar.
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