Palavra do leitor
- 17 de março de 2008
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Propriedade exclusiva de Jesus (mas nem tanto)
A frase acima lhe deve ser familiar, exceto o que está em parênteses. É fácil topar com um carro em que o vidro traseiro sirva como outdoor para esta declaração inusitada. Uma similar a esta, mas com significado profissional, está nos carros governamentais: Uso exclusivo em serviço. Esta sugere uma boa administração pública. Aquele veículo não será usado pelos servidores em fins particulares. Isso, aparentemente, não vale para o judiciário em geral que ignora solenemente esta premissa. O que se vê de carro deste poder em supermercado, fila de escola carregando crianças, não é brincadeira. Mas deixemos estes vícios do serviço público para lá.
Não sei de onde veio a inspiração da frase para a qual os carros servem de placa ambulante. Uma espécie de marketing da fé do proprietário. É um trocadilho, suspeito, com aquela frase nos veículos públicos. Uso exclusivo em serviço, propriedade exclusiva de Jesus, tem algo a ver, né não? Uma coisa assim, parecida, entendeu? Não? Esquece.
Há, contudo, sempre a possibilidade de uma tortuosa inspiração bíblica, fruto daquelas teologias de fundo de quintal. Um não-sei-quem tem um estalo sobrenatural, vende (literalmente) a idéia e logo a coisa vira moda por meio de camisetas, livros, adesivos, igrejas e um sem número de badulaques que lotam as livrarias evangélicas.
Curioso, pesquisei na Bíblia, versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) – uma das mais utilizadas por evangélicos de todos os matizes – pelo termo “propriedade”. A palavra ocorre apenas sete vezes nos dois Testamentos. Quatro no AT e três no NT. No AT, a quase totalidade das vezes em que a palavra aparece refere-se à compra de coisas no contexto de uma história, exceto em Ex 19.5 que fala do povo israelita no sentido de algo valioso que pertence a Deus. Fala de gente, como se vê.
No NT, na carta aos Efésios, Paulo usa o termo propriedade (1.14) quando argumenta sobre o resgate daqueles que, tendo recebido o Espírito Santo como penhor da fé em Jesus, serão preservados para o resgate que este deles fará, posto que foram adquiridos mediante o sacrifício vicário. Fala, portanto, de pessoas.
Apenas em 1 Pedro (2.9) aproxima-se quase literalmente da frase em questão aqui. Na passagem se lê “propriedade exclusiva de Deus”, mas o alvo são aqueles que se tornaram membros da família de Deus, mediante a fé em Jesus, a quem Pedro descreve como “pedra angular, eleita e preciosa” em alusão a Isaías 28.16. Novamente, é de gente que se trata.
Nunca se sabe. A inspiração da frase pode vir da ênfase que se dá aos aspectos ritualísticos do Antigo Testamento hoje em dia. Por exemplo. Havia na época toda uma particular percepção de coisas que eram dedicadas a Deus. Tomo como modelo os utensílios nos templos. Antes destes, o Tabernáculo. Fiquemos com isso como argumento, considerando que as duas versões de santuários eram os lugares mais sagrados para a fé judaica. Espaço da manifestação de Deus, centro de adoração, lugar de culto. Não poderia haver objetos mais especiais, certo? Até o fogo que iluminava devia ser sagrado. Lembram dos filhos de Aarão? (Cf em Lv 10.1; Nm 3.4; 26.6). Então, o que significa aquela exclusividade da frase no título? De maneira estrambótica, seria um tipo de oração que obrigaria o Senhor a proteger o carro de acidentes, roubos e sei lá mais o quê, já que Ele é o dono? Não me tenham por antipático – aqueles que adotam este tipo de raciocínio –, mas isto não se choca com a frase em que o Senhor fala das raposas e pássaros, cada um com suas posses e, ele mesmo, nada teria?
Considerando estes tempos de fé literalizada, não vejo diferença entre um carro que é benzido em São José Ribamar e a frase em questão. Aquela frase revela uma relação mágica e pagã com a fé. Nela os objetos ganham status de meios pelos quais alguém expressa sua crença. Vejam se não acontece isso com inúmeras igrejas neopentecostais? Linguagem midiática e teatralizada como meio de, supostamente, fazer com que o fiel visualize ou pratique aquela opção religiosa. É uma crença idolátrica e/ou materialista. Dependendo da manifestação, cheira a animismo, tão presente nos cultos de origem africana nos quais árvores, bichos e coisas se tornam meios reais de relação com o sagrado ou a habitação dos deuses.
Os mesmos objetos sagrados utilizados nos cultos a Deus no Tabernáculo e nos Templos, quando o povo desobedeceu, perdeu a fé ou misturou-a com outros cultos, e a conseqüência veio na forma de invasão de outras nações e destruição, foram saqueados e depositados em templos pagãos, foram derretidos, perdidos e Deus não deixou de ser Deus nem a fé nEle mudou. Concluímos que as pessoas é que são importantes, seus atos, seu compromisso, sua entrega.
Qualquer coisa pode ser dedicada a Deus para seu serviço, desde que esta separação simbolize, antes, a santidade de quem o executa ou usa, do contrário, as orações, as imprecações, os banhos de sal, as repreensões, as bênçãos, de nada servirão. Algo pode ser dedicado ao serviço de Deus, desde que este algo esteja a serviço de pessoas, seu valor seja sempre relativizado em comparação com aqueles que dele são servidos e seja feito no mesmo espírito da lavagem de pés realizada pelo Senhor (Jo 13.4-9).
Pergunto-me se as pessoas de fato pensam a respeito daquilo que confessam. Toma-se emprestado algo dito no ambiente da igreja como certo sem julgar. Não se considera as implicações, repete-se como uma reza em outra língua. Não entende o que fala nem há intérprete. Quem deve ser exclusivo para Deus sou eu e você. E que luta diária não é manter-se fiel, íntegro. Que dizer de um objeto que tantas vezes só serve ao nosso prazer e conveniência pessoal, que deteriora, que caduca, que se torna obsoleto?
Vamos todos ler a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30 – 35). Eis uma lição de desprendimento, de bom uso dos bens para abençoar outros. Não digo que alguém não fez ou faz. Mas quantos dos que carregam a frase título recolheram um mendigo na rua em seu carro último tipo ou não?
Senhor, perdoa-nos. Às vezes nos empolgamos com coisas que parecem fazer sentido, mas quão distantes elas estão das boas obras nas quais devemos andar. Ajuda-nos. Sem perceber, praticamos uma religião pasteurizada, não encarnada, que não nos leva às últimas conseqüências em nosso compromisso. É que, às vezes, amedronta-nos, não os sacrifícios, (palavra também em moda hoje), mas parecer demais com o Senhor. Manquejamos quando temos que escolher prioridades. Usamos desculpas que são máscaras do nosso egoísmo e infantilidade na fé. Fazemos pouco caso da Graça com um legalismo troncho. Abre nossos ouvidos e faz ver nossos olhos. Por amor de Ti, dá-nos o Espírito que esclarece. Em nome de Jesus, amém.
Não sei de onde veio a inspiração da frase para a qual os carros servem de placa ambulante. Uma espécie de marketing da fé do proprietário. É um trocadilho, suspeito, com aquela frase nos veículos públicos. Uso exclusivo em serviço, propriedade exclusiva de Jesus, tem algo a ver, né não? Uma coisa assim, parecida, entendeu? Não? Esquece.
Há, contudo, sempre a possibilidade de uma tortuosa inspiração bíblica, fruto daquelas teologias de fundo de quintal. Um não-sei-quem tem um estalo sobrenatural, vende (literalmente) a idéia e logo a coisa vira moda por meio de camisetas, livros, adesivos, igrejas e um sem número de badulaques que lotam as livrarias evangélicas.
Curioso, pesquisei na Bíblia, versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) – uma das mais utilizadas por evangélicos de todos os matizes – pelo termo “propriedade”. A palavra ocorre apenas sete vezes nos dois Testamentos. Quatro no AT e três no NT. No AT, a quase totalidade das vezes em que a palavra aparece refere-se à compra de coisas no contexto de uma história, exceto em Ex 19.5 que fala do povo israelita no sentido de algo valioso que pertence a Deus. Fala de gente, como se vê.
No NT, na carta aos Efésios, Paulo usa o termo propriedade (1.14) quando argumenta sobre o resgate daqueles que, tendo recebido o Espírito Santo como penhor da fé em Jesus, serão preservados para o resgate que este deles fará, posto que foram adquiridos mediante o sacrifício vicário. Fala, portanto, de pessoas.
Apenas em 1 Pedro (2.9) aproxima-se quase literalmente da frase em questão aqui. Na passagem se lê “propriedade exclusiva de Deus”, mas o alvo são aqueles que se tornaram membros da família de Deus, mediante a fé em Jesus, a quem Pedro descreve como “pedra angular, eleita e preciosa” em alusão a Isaías 28.16. Novamente, é de gente que se trata.
Nunca se sabe. A inspiração da frase pode vir da ênfase que se dá aos aspectos ritualísticos do Antigo Testamento hoje em dia. Por exemplo. Havia na época toda uma particular percepção de coisas que eram dedicadas a Deus. Tomo como modelo os utensílios nos templos. Antes destes, o Tabernáculo. Fiquemos com isso como argumento, considerando que as duas versões de santuários eram os lugares mais sagrados para a fé judaica. Espaço da manifestação de Deus, centro de adoração, lugar de culto. Não poderia haver objetos mais especiais, certo? Até o fogo que iluminava devia ser sagrado. Lembram dos filhos de Aarão? (Cf em Lv 10.1; Nm 3.4; 26.6). Então, o que significa aquela exclusividade da frase no título? De maneira estrambótica, seria um tipo de oração que obrigaria o Senhor a proteger o carro de acidentes, roubos e sei lá mais o quê, já que Ele é o dono? Não me tenham por antipático – aqueles que adotam este tipo de raciocínio –, mas isto não se choca com a frase em que o Senhor fala das raposas e pássaros, cada um com suas posses e, ele mesmo, nada teria?
Considerando estes tempos de fé literalizada, não vejo diferença entre um carro que é benzido em São José Ribamar e a frase em questão. Aquela frase revela uma relação mágica e pagã com a fé. Nela os objetos ganham status de meios pelos quais alguém expressa sua crença. Vejam se não acontece isso com inúmeras igrejas neopentecostais? Linguagem midiática e teatralizada como meio de, supostamente, fazer com que o fiel visualize ou pratique aquela opção religiosa. É uma crença idolátrica e/ou materialista. Dependendo da manifestação, cheira a animismo, tão presente nos cultos de origem africana nos quais árvores, bichos e coisas se tornam meios reais de relação com o sagrado ou a habitação dos deuses.
Os mesmos objetos sagrados utilizados nos cultos a Deus no Tabernáculo e nos Templos, quando o povo desobedeceu, perdeu a fé ou misturou-a com outros cultos, e a conseqüência veio na forma de invasão de outras nações e destruição, foram saqueados e depositados em templos pagãos, foram derretidos, perdidos e Deus não deixou de ser Deus nem a fé nEle mudou. Concluímos que as pessoas é que são importantes, seus atos, seu compromisso, sua entrega.
Qualquer coisa pode ser dedicada a Deus para seu serviço, desde que esta separação simbolize, antes, a santidade de quem o executa ou usa, do contrário, as orações, as imprecações, os banhos de sal, as repreensões, as bênçãos, de nada servirão. Algo pode ser dedicado ao serviço de Deus, desde que este algo esteja a serviço de pessoas, seu valor seja sempre relativizado em comparação com aqueles que dele são servidos e seja feito no mesmo espírito da lavagem de pés realizada pelo Senhor (Jo 13.4-9).
Pergunto-me se as pessoas de fato pensam a respeito daquilo que confessam. Toma-se emprestado algo dito no ambiente da igreja como certo sem julgar. Não se considera as implicações, repete-se como uma reza em outra língua. Não entende o que fala nem há intérprete. Quem deve ser exclusivo para Deus sou eu e você. E que luta diária não é manter-se fiel, íntegro. Que dizer de um objeto que tantas vezes só serve ao nosso prazer e conveniência pessoal, que deteriora, que caduca, que se torna obsoleto?
Vamos todos ler a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30 – 35). Eis uma lição de desprendimento, de bom uso dos bens para abençoar outros. Não digo que alguém não fez ou faz. Mas quantos dos que carregam a frase título recolheram um mendigo na rua em seu carro último tipo ou não?
Senhor, perdoa-nos. Às vezes nos empolgamos com coisas que parecem fazer sentido, mas quão distantes elas estão das boas obras nas quais devemos andar. Ajuda-nos. Sem perceber, praticamos uma religião pasteurizada, não encarnada, que não nos leva às últimas conseqüências em nosso compromisso. É que, às vezes, amedronta-nos, não os sacrifícios, (palavra também em moda hoje), mas parecer demais com o Senhor. Manquejamos quando temos que escolher prioridades. Usamos desculpas que são máscaras do nosso egoísmo e infantilidade na fé. Fazemos pouco caso da Graça com um legalismo troncho. Abre nossos ouvidos e faz ver nossos olhos. Por amor de Ti, dá-nos o Espírito que esclarece. Em nome de Jesus, amém.
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