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Palavra do leitor

Propósitos ou pessoas?

"Substituir pessoas por propósitos, ou torná-los na idéia fundamental da trajetória cristã, denota aceitarmos uma relação com Deus mediada por um Cristo abstrato e aportado numa teologia de caricaturas."

A rotina cotidiana de uma parcela expressiva do evangelho tem sido moldado ao termo propósitos.

Vale notar, uma profusão de jargões alcunham a dialética de um movimento considerado, por muitos, revolucionário.

Ora, quem nunca ouviu algumas dessas frases, a saber:

- Estou num propósito!

- Tenho lido uma igreja com propósitos!

- Fiz um propósito com Deus!

Embora em hipótese nenhuma seja um eco de aversão e escárnio a trilharmos em direção a uma existência de sentido, destino e motivação.

Isto, inclusive no seio da Igreja de Cristo.

Sem titubear, devemos, sim e sim, pelejar por uma condição profícua, exponencial e promissora no tocante a disseminar ''Cristo'', em todos os ninchos, guetos, vilarejos, albergues, periferias, condomínios e outros âmbitos configuradores de aglomeração humana.

Agora, vejo com receio, quando me deparo com uma espécie de caudilho ditatorial dos propósitos.

Para piorar a situação tornar-se dantesca, em virtude observar propósitos como a tônica de uma imensurabilidade de arraiais evangélicos.

Lamentavelmente, as vezes, ouço certos eventos evangélicos e extraío a retórica pragmática de delimitar e demarcar a relação com Deus sobre a ótica dos propósito.

Lá no fundo, percebe-se notoriamente um jogo de interesses e trocas com a divindade.

Neste itinerário voltado a estabelecer um vínculo estranho com a Graça, acabamos por adentrar numa espécie de espiritualidade mesquinha e utilitária.

Basta observarmos o teor dos nossos propósitos. Via de regra, sempre antenados a atender as demandas de consumidores inveterados pela coqueluche de bênçãos e mais bênçãos.

Cumpre salientar, os ecos em prol de uma vida de oração e séria reflexão pautada na palavra, de uma decisão cristã de viver em comunhão (ou seja, o servir, o ouvir e tolerar), de uma fé lúdica e lenitiva (que não exclui os falidos, os convalidos, os fracassos, os frustrados, aqueles que não se encaixam em um dos paradigmas do sucesso propagado por ai), de uma fé também humanizada, amiga, de sangue, de uma adoração de discípulos e servos deve ser uma alvo a ser perseguido pela igreja, eu e você.

Deveras, aceitamos a pericliante aparição de um Deus colocado na berlinda de ter que provar e demonstrar a sua soberania.

Para isso, valemo-nos de frases de impacto e de uma grotesca arrogância de inverter os papeis.

Evidentemente, novamente reitero, sem qualquer dicotomia, defendo a versão dos propósitos direcionados a servirem como meios instrumentais para alcançarmos pessoas.

Negar seria uma estupidez e um desatino, afinal de contas, Deus enseja pessoas e não púlpitos, corais, grupos, palestrantes e outros elementos, tetricamente, contemplados por muitos, mas deveriam ser vistos de forma secundária.

Por ora, talvez seja necessário repensarmos no que toca a nossa caminhada cristã e se, realmente, termos sido servos, discípulos e amigos ou apenas culturadores de ritualismos e ideologias travestidas de um Cristo sem sabor.
São Paulo - SP
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