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Palavra do leitor

Pecados de estimação

Duas décadas se passaram desde aquela noite de novembro. Um sujeito magro, sem graça nem rumo, à custa das drogas e das armas (que sempre tinha por perto), mantinha-se de pé.

Apocalipse 3:20 era o texto. O quadro com um coração e o coração com uma porta, era a história que ilustrava a pregação; era a primeira pregação a chamar a atenção. O pregador insistia com o fato que Jesus não era como o ladrão que vem sorrateiro, à noite, e arromba, e invade, e agride, e desarruma a casa e a vida das pessoas, não, Jesus está à porta, e bate e se, e tão somente se alguém ouvir a Sua voz e abrir, voluntariamente a porta é que Ele entrará e ceará com o sujeito.

Que coisa bonita pra se ouvir! Se quem estivesse ouvindo não fosse eu, o sujeito magro, sem graça e sem rumo, ladrão; mexi-me no banco, desconfortável e olhando pra porta da rua.

Suava, mas não era calor, tremia, mas não era frio, nem falta de drogas, tomara minha dose de reposição, não era comum; e a tal história de abrir a porta pelo lado de dentro, de convidar Jesus pra entrar, de chamar Jesus pra ser amigo.

Nem sei explicar, como eu, de uma hora pra outra fiquei vidrado, tudo que interessava era descobrir como me livrar daquela coisa toda, mas não me mexia, aliás, mexia sim, e foi tentando fugir é que fui parar no altar, sem convite nem apelo, doido varrido querendo aquele Jesus, batendo na porta.

Chorei tanto, e por tanto tempo que tive convulsões e vomitei na rua, não tinha pra onde ir, vaguei já sem a arma e sem as anfetaminas no bolso; era impossível ir pra qualquer lugar, vaguei noite afora, era um crente, até Bíblia eu tinha, apertava tanto a Bíblia que estragou o zíper, eu agora era crente, sem a menor idéia do que viria a seguir.

Jamais poderia imaginar que houvesse tantas pessoas boas andando por aí, na igreja era lotado de gente assim, eu só sabia ser cada dia mais feliz, chegava antes pra não perder nem o ensaio; depois de crente morei na rua, na pracinha perto da igreja, na igreja, morei até na casa de um irmão, com família e tudo.

Descobri muitas coisas novas e boas. Viver sem drogas foi uma delas. Já pensara em sair, tentei deixar, ou trocar de droga; “bola” mata ou endoida. O médico que cuidou de mim perguntou se eu tinha família, falou pra eu ir pra casa, prá morrer perto de alguém que se importasse.

Viver sem drogas, viver sem armas, viver sem violência, viver limpo e longe das ruas, eis minha luta, que tristemente tornou-se meu troféu.

Pensei que ser crente era coisa fácil, simples; parecia fácil, parecia simples. Olhava aquelas pessoas sempre dispostas, cada uma com uma palavra de incentivo para mim, o irmão que veio das ruas, o “ex” um monte de lixo.

Deixar as drogas e suas implicações não foi das tarefas a pior, era tanto amor, tanto zelo, tanta amizade dos crentes, que era até grosseiro pensar em drogas, em armas, em volta.

Difícil foi deixar os pecados com os quais ninguém se importa, foi entender que contar mentiras “brancas” ofendem a DEUS, que mentiras do bem não existem, que a fornicação é tão imunda quanto entrar na casa dos outros, armado e roubar as coisas que as pessoas demoraram tanto pra conquistar.

Difícil foi aprender o perdão, foi tratar o irmãozinho da favela como igual, difícil foi sair da roda dos queridinhos e respirar o cheiro das ruas atrás daqueles por quem Jesus morreu.

Deixar de andar armado foi fácil, difícil foi deixar de murmurar e escarnecer daqueles que não eram da minha turma; deixar de vender drogas, deixar de trabalhar como cão de guarda pra prostituta de luxo, deixar de fazer segurança em casa de bandido rico, de tudo isso o amor de DEUS naquelas pessoas me limpou, difícil foi parar de furtar o troco no serviço e afirmar pra mim mesmo que “se eu não levar, outro leva...” Difícil foi deixar de trair a namorada; era crente e acabava perdoando, afinal o “pobrezinho já sofreu tanto, já é tão vitorioso por vencer as drogas!”

É, depois de um tempo “EU” é que vencera as drogas, meu testemunho de “ex” cobria multidões de pecados, justificava até a namorada incrédula, prá preservar a namorada crente.

Enfim, foi por não compreender muito as coisas, ou melhor, foi por compreender tudo muito bem e dar uma de esperto, é que fui parar de novo nas ruas; pobre, só, triste e rondando a igreja todos os dias, quando o desespero inundava a alma.

Mas DEUS é bom, e de tão bom me concedeu uma espécie de última chance com o nome: MISSÃO VIDA. Sou “ex” de novo; ex-alcoólatra, ex-mentiroso, ex-ladrão, ex-mendigo.

Efésios 4 : 17 - 32

(ex-interno do centro de recuperação de mendigos da Missão Vida)
www.mvida.org.br
Londrina - PR
Textos publicados: 84 [ver]

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