Palavra do leitor
- 12 de junho de 2015
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Os blasfemadores e os defensores de Deus
A imagem era chocante. Um corpo nu, vestido apenas numa calcinha vermelha, estendido num terreno baldio qualquer. O rosto estava borrado, talvez para disfarçar o estrago. O texto que o acompanhava começava assim: “A justiça de Deus não falha”. O autor, certo Bp. Eliseu, explicava que aquele corpo seria do transexual que aparecera na Parada Gay como se fosse Cristo crucificado. Ao final, estimulava as pessoas a compartilhar a demonstração de justiça divina. A imagem horrenda terminava dizendo: “Os outros que se preparem, a mão de Deus está pesando.”
Lembrei dos fariseus rasgando suas vestes, numa reação teatral de extremo zelo por Deus, pois ali havia quem o afrontasse. Posso ouvir o grito: blasfêmia! O dedo em riste, inquisitorial, a boca aberta, a baba escorrendo, os olhos injetados de indignação. O acusado passara de todas as medidas. Dizia ser filho do Altíssimo, mas não era. Um pregador louco. Um rabi agitador como tantos outros antes dele, mas impossível de ser enquadrado. A multidão de assistentes foi ao delírio.
Os verdadeiramente loucos-fanáticos também servem à causa religiosa. Eles são parte da fauna que pulula nos centros de peregrinação, nas portas das catedrais. São propagandas da fé e a alimentam com sua prédica e prática exagerada, insana, totalmente absorvidos pelos ritos e leis que enfeitam a religião. Mas precisam ser loucos mansos. Que se deixem domesticar. Que nunca questionem. Que nunca pensem. Que nunca enxerguem.
Imediatamente, alguns membros do grupo no whats se manifestaram num coro de aprovação e reafirmação de que a “moça” recebera o que plantara. Seu ultraje merecia algo parecido. Houve quem dissesse: “Com Deus ninguém brinca.” Viva o Deus guerreiro, sedento de sangue. Impulsivo em sua justiça, rápida como um raio. O corpo estirado no terreno baldio. Vilipendiado, exposto em sua nudez pecaminosa. Senti um frenesi nas falas. Era mais que concordância, era a alegria de ver que Deus age com a ira merecida, com os que contra Ele se levantam. Era um prazer mal disfarçado, uma compreensão torta, o abandono de qualquer laivo de misericórdia.
A maioria ali não se preocupou em saber se era verdade. Mas eis que alguém, talvez estranhado, fez algo básico: investigou se a tal história era verídica. Não era. Dividiu a informação com as pessoas, mas clamou no deserto. Ainda mencionou que a “moça” não só estava vivíssima, como até tripudiou de seus detratores cristãos: ressuscitei ao terceiro dia, disse ela em rede social.
As pessoas tinham dificuldade de perceber que Deus, de repente, não é tão sanguinário quanto gostariam. Que Ele, diferente deles, parecia não ligar para a própria imagem, que não se abespinhara com a ousadia ímpia, que não respondeu à altura do merecimento destes pecadores miseráveis e impenitentes.
Havia desconforto nas falas que se seguiram à descoberta de que a imitadora do Cristo crucificado estava bem e ainda desafiadora. Alguns mantiveram suas posições, outros calaram. Defender Deus é complicado e deveras pesado. Pois costuma ocorrer de seus aguerridos defensores se encontrarem lutando por sua honra e Ele, incompreensivelmente, agir como se não se importasse. Pedem raios e trovões, saraiva e catástrofes sobre os descrentes e Ele ainda diz que eles não sabem de que espírito são. Como assim?
Será que não se dão conta do ridículo de suas posições? Será que Deus precisa de defesa? Será que é tão leniente com sua imagem e coisas sagradas? Será que recebe afronta e, calado. Que quando o soco surge se agacha, acovardado, para longe da possibilidade do soco. Faz qualquer sentido vendê-lO nos cultos como fazedor disso e daquilo? Haverá resultado em ler que as nuvens são o pó de seus pés? Que montes se abalam e o mar espumeja diante dEle? Que os alicerces da terra tremem ante sua presença? Que Deus mofino é esse?
Desconfio de todo defensor da honra divina. Tenho receio de todo discurso que propagandeia um Deus raivoso, impaciente, capataz de erros, intolerante. Tenho urticária ante a tara dos que se refestelam com as grandes e pequenas desgraças no mundo, pois para estes, elas são a certeza da mão divina castigando os ímpios.
Deus é o justo juiz, mas tenho cá comigo a leve certeza de que sua lei não reza por nossa cartilha.
Lembrei dos fariseus rasgando suas vestes, numa reação teatral de extremo zelo por Deus, pois ali havia quem o afrontasse. Posso ouvir o grito: blasfêmia! O dedo em riste, inquisitorial, a boca aberta, a baba escorrendo, os olhos injetados de indignação. O acusado passara de todas as medidas. Dizia ser filho do Altíssimo, mas não era. Um pregador louco. Um rabi agitador como tantos outros antes dele, mas impossível de ser enquadrado. A multidão de assistentes foi ao delírio.
Os verdadeiramente loucos-fanáticos também servem à causa religiosa. Eles são parte da fauna que pulula nos centros de peregrinação, nas portas das catedrais. São propagandas da fé e a alimentam com sua prédica e prática exagerada, insana, totalmente absorvidos pelos ritos e leis que enfeitam a religião. Mas precisam ser loucos mansos. Que se deixem domesticar. Que nunca questionem. Que nunca pensem. Que nunca enxerguem.
Imediatamente, alguns membros do grupo no whats se manifestaram num coro de aprovação e reafirmação de que a “moça” recebera o que plantara. Seu ultraje merecia algo parecido. Houve quem dissesse: “Com Deus ninguém brinca.” Viva o Deus guerreiro, sedento de sangue. Impulsivo em sua justiça, rápida como um raio. O corpo estirado no terreno baldio. Vilipendiado, exposto em sua nudez pecaminosa. Senti um frenesi nas falas. Era mais que concordância, era a alegria de ver que Deus age com a ira merecida, com os que contra Ele se levantam. Era um prazer mal disfarçado, uma compreensão torta, o abandono de qualquer laivo de misericórdia.
A maioria ali não se preocupou em saber se era verdade. Mas eis que alguém, talvez estranhado, fez algo básico: investigou se a tal história era verídica. Não era. Dividiu a informação com as pessoas, mas clamou no deserto. Ainda mencionou que a “moça” não só estava vivíssima, como até tripudiou de seus detratores cristãos: ressuscitei ao terceiro dia, disse ela em rede social.
As pessoas tinham dificuldade de perceber que Deus, de repente, não é tão sanguinário quanto gostariam. Que Ele, diferente deles, parecia não ligar para a própria imagem, que não se abespinhara com a ousadia ímpia, que não respondeu à altura do merecimento destes pecadores miseráveis e impenitentes.
Havia desconforto nas falas que se seguiram à descoberta de que a imitadora do Cristo crucificado estava bem e ainda desafiadora. Alguns mantiveram suas posições, outros calaram. Defender Deus é complicado e deveras pesado. Pois costuma ocorrer de seus aguerridos defensores se encontrarem lutando por sua honra e Ele, incompreensivelmente, agir como se não se importasse. Pedem raios e trovões, saraiva e catástrofes sobre os descrentes e Ele ainda diz que eles não sabem de que espírito são. Como assim?
Será que não se dão conta do ridículo de suas posições? Será que Deus precisa de defesa? Será que é tão leniente com sua imagem e coisas sagradas? Será que recebe afronta e, calado. Que quando o soco surge se agacha, acovardado, para longe da possibilidade do soco. Faz qualquer sentido vendê-lO nos cultos como fazedor disso e daquilo? Haverá resultado em ler que as nuvens são o pó de seus pés? Que montes se abalam e o mar espumeja diante dEle? Que os alicerces da terra tremem ante sua presença? Que Deus mofino é esse?
Desconfio de todo defensor da honra divina. Tenho receio de todo discurso que propagandeia um Deus raivoso, impaciente, capataz de erros, intolerante. Tenho urticária ante a tara dos que se refestelam com as grandes e pequenas desgraças no mundo, pois para estes, elas são a certeza da mão divina castigando os ímpios.
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