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Palavra do leitor

Onde estão os outros nove?

Ele costumava assistir aos desfiles militares das centúrias romanas e apreciar sua harmonia, garbo e beleza. As espadas e escudos dos fortes soldados faziam o menino samaritano sonhar em um dia também poder usá-las como membro de um exército local e, assim, lutar contra o julgo e as garras daquele grande império que dominava toda a região bem como quase tudo que se podia enxergar, da Espanha à Palestina, da Inglaterra ao norte da África, passando pelo grande mediterrâneo. Talvez seu pai já acalentava esse sonho e talvez tenha batizado seu primogênito com o nome que, em hebraico, significava "homem de ferro".

Na ruas de Samaria, Barzilai (nome fictício) fez grandes amigos. Sua liderança nata o destacava entre seus pares. Sua alegria e disposição enchiam o coração de seus pais e irmãos de orgulho. Grande era a expectativa com relação ao futuro do menino. Mesmo que não fosse possível seu alistamento para uma futura possível força militar, outras profissões poderiam ser aprendidas facilmente por ele. Mas o destino havia-lhe preparado uma peça. O futuro não lhe seria propício. Seu corpo sofreria daquela que, à época, era a pior doença que um filho de Abraão poderia desenvolver. No início, apenas algumas manchas na sua pele bronzeada pelo forte sol que brilhava sobre o monte Hebrom, depois as lesões nas articulações e juntas indicavam algo muito grave. A lepra aos poucos tomava conta de todo seu corpo longo e esbelto e com ela a esperança de um grande futuro se esvaía.

Como todos os que sofriam desta doença terrível, Barzilai foi afastado de sua família e colocado em cavernas que ficavam nos arredores da cidade. Ali, com muitos outros leprosos, aguardava o fim de sua vida. Aquela enfermidade era incurável. Naquele ambiente, conviviam também muitos homens e mulheres acometidos de outras doenças. Juntos, eram a escória da sociedade. Ninguém ousava chegar perto deles. O mal cheiro e a fome eram seus únicos companheiros. Mas era a vergonha a maior das dores. Até aquele dia...Bendito dia aquele de poucas nuvens no céu, porém iluminado por raios que pareciam dizer que algo muito especial estaria por acontecer quando um rabino, já famoso por aquelas terras, passaria pela Galileia e aldeias de Samaria em direção à Jerusalém. E por onde ele passava, deixava um rastro de milagres.

Narra o médico Lucas que Jesus, ao cruzar aquela região, fora alcançado por um grupo de dez homens leprosos e que lhe imploraram por misericórdia. Ao ver o desespero daquelas criaturas com seus corpos cadavéricos, magras e tristes, compadecendo-se delas, as ordena que se dirijam ao sacerdote na sinagoga mais próxima. Durante o caminho, de maneira sobrenatural, a lepra as abandona e seus corpos são transformados pela ação milagrosa do mestre. Assim como em Ezequiel quando, a uma ordem dos céus, os ossos secos foram ajuntados e formaram novas vidas, aqueles indigentes tiveram a pele reconfigurada e suas feridas saradas. Alguns momentos se passam, e o grupo de Jesus observa, lá longe, que apenas um homem retorna. Com lágrimas nos olhos e um brilho no rosto agora restaurado, o jovem chega até Jesus, se ajoelha ante seus pés, agradece pela cura e o adora com as palavras do salmista: "Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, para que o meu coração cante louvores a ti e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te darei graças para sempre" (Sl 30.11-12). Era Barzilai. O samaritano que por tanto tempo caminhou cabisbaixo e sem esperança, perambulando pelas ruas empoeiradas das vielas e becos pedindo esmolas, comendo dos restos que lhe davam, agora sorria como fazia nos tempos de criança demostrando todo seu vigor. Para usar as palavras de C. S. Lewis, ele havia sido "surpreendido pela alegria". O nazareno o encara com um sorriso paternal e lhe faz uma pergunta, curta, porém, profunda: "não foram dez os que foram sarados? Onde estão os outros nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?" (Lc 17).

Assim aconteceu mais um encontro de alguém que aguardava seu terrível fim, numa fria e escura caverna, com o autor da vida. Apenas uma ordem deste fora suficiente para por fim a uma trajetória de dor e desesperança. E agora, um coração grato expressava, publicamente, o senhorio e a soberania do Messias, o "Esperado das Nações".

E nós? Quantas vezes retornamos para agradecer e adorar aquele que nos cura, nos toca, nos dá sentido existencial? O único que pode interceder ao Pai por nós e nos livrar de nossas lepras espirituais. O único que tem poder de dá ordem às forças da natureza e reverter o caminho da morte. Somos como Barzilai ou como os outros nove que, mesmo abençoados, acharam mais importante prosseguir seus próprios caminhos, seguir suas próprias agendas? Ou estariam eles desacostumados com o hábito da gratidão depois de tanto descaso e indiferença? Jamais saberemos!

Que tenhamos coração grato, quebrantado e disponível a uma vida de adoração e serviço a Deus e a seus filhos.

• Presb. Tony
Brasília - DF
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