Palavra do leitor
- 13 de junho de 2007
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O perigo da espiritualidade narcisista
O objetivo desse artigo é promover uma reflexão sobre a relação dos arquétipos da espiritualidade contemporânea com a insígnia narcisista na liderança eclesiástica brasileira. Numa perspectiva transcendental, a espiritualidade é o relacionamento de Deus com o ser humano permeado de implicações subjetivas e objetivas. Enquanto o narcisismo se identifica pelo relacionamento do ser humano consigo mesmo, de maneira egoísta e solitária. Dessa forma, evidenciar as semelhanças, diferenças e os riscos existentes entre esses dois relacionamentos é contribuir para a prática de uma liderança responsável.
Participamos de uma sociedade sistemática. As diversas organizações e os relacionamentos interpessoais estão imersos em normas, regras, conceitos e preconceitos. Lourenço Stelio (Wagner, 2003) afirma, que no âmbito eclesiástico, essa tendência pragmática se deve à influência dos missionários norte-americanos quando implantaram o evangelho aqui, em meados do século XIX. Atualmente é notória uma mudança de paradigma, pois a Igreja além do seu papel fundamental como organismo, tornou-se também uma organização. Contudo, parece que o processo de “institucionalização” não parou por aí, e assim como institucionalizaram a Igreja, querem fazer o mesmo com a espiritualidade dos fiéis.
Facilmente mecanismos são criados para identificar se a pessoa é espiritual ou não. Criam-se normas, formas e até mesmo “condutas” de comportamento para definir o ser espiritual. Mas, é um verdadeiro paradoxo aceitar que um relacionamento com questões tão subjetivas seja reprimido por exigências tão objetivas. E além do mais, essa pressão avaliadora de desempenho pode minar as iniciativas que buscam uma aproximação mais simples e real com Deus, provocando, com este modo de agir, uma ideologia voltada mais para os “vícios” do que para as “virtudes” de uma autêntica espiritualidade.
Por isso, devido ao contínuo crescimento da “normatização” espiritual, surge a necessidade de iniciar um processo de contra-cultura a essa cultura vigente, afinal, a idéia de que a espiritualidade pode ser sistematizada nunca conduzirá o ser humano para mais perto de Deus, pelo contrário, pode levá-lo para mais longe. Ao invés de tentar estabelecer critérios de desempenho e avaliação para medir o imensurável, deve-se olhar para o que é imprescindível, para o que realmente move a espiritualidade: nosso interior.
Entretanto, esse é um caminho bastante doloroso, pois não queremos ou ainda tememos olhar para nós mesmos e encontrar o mundo sombrio das nossas motivações. Por isso as pessoas fogem de um encontro pessoal; evitam o eu interior, e estão sempre dispostas a fantasiar a realidade da vida que levam. Dessa forma, torna-se difícil a existência da espiritualidade cristocêntrica, pois se cada um não conhece a si mesmo, como conhecerá a Deus?
Uma ação da espiritualidade cristocêntrica é conduzir o ser humano ao auto-conhecimento, a uma introspecção possível de causar mudanças na vida prática. E essa mudança é evidenciada na transformação de pensamentos, conduta e caráter. Todavia, esse poder transformador não é humano, mas é um poder Divino. É como o pensamento socrático, – “conhece-te a ti mesmo” – isto é, tornar-te consciente das tuas próprias limitações. E esse reconhecimento passa pelo entendimento convicto de quem somos nós e de quem Deus é, e que em seu poder Ele tem a capacidade de nos transformar.
A falta dessa consciência torna-se um problema crítico na liderança eclesiástica brasileira, pois é perceptível na vida dos líderes, suas predisposições a confiarem em si mesmos, acreditando que podem resolver problemas situacionais através das próprias experiências e habilidades. E pasmem, essa predisposição é conhecida também como uma prática narcisista disfuncional, onde o líder em si mesmo imagina que possui a capacidade de sanar os diversos problemas humanitários, chegando às últimas conseqüências para que esse imaginário seja realizado. Nesse ponto os dois movimentos se assemelham, pois, numa perspectiva teológica isso é denominado como espírito messiânico; mas para o estudioso em narcisismo, Kets de Vries (1997), esse processo é conhecido como o desenvolvimento do senso de auto-importância, sendo um indicador para reconhecer um narcisista disfuncional. E o mais grave ainda, é que o líder para fazer sucesso precisa “disfarçar sua verdadeira natureza; é necessária uma capacidade de atuação dramática para se encaixar no papel”, conforme ressalta o autor. Já São João da Cruz (1996) afirma, que pessoas assim “têm vergonha de dizer seus pecados claramente, e na acusação de suas culpas vão colorindo e disfarçando, de modo a dar-lhes aparência de menos grave”.
Outra semelhança da espiritualidade com o narcisismo encontra-se no intenso desejo de causar impacto na comunidade, a tentação de ser relevante, que na verdade é uma decorrência do “espírito messiânico”. Para o narcisismo, o ser relevante nada mais é do que o desejo ambicioso pelo triunfo. O próprio Jesus, na primeira tentação foi desafiado para ser relevante, no transformar de pedras em pão. Quantos líderes não desejam transformar pedras em pães, não para alimentar a multidão, mas para causar impacto. O modelo de Moisés é claro, quando na tentativa de mostrar para o povo que ele detinha o poder, feriu a rocha que simbolizava Cristo, e por isso sucumbiu antes de adentrar na terra prometida. Atitudes assim demonstram implicitamente a insígnia narcisista nos líderes, ferindo categoricamente o Senhorio de Cristo. Nouwen (1993) afirma que também já passou pelo processo de sedução do ego, para “realizar coisas, mostrar coisas, provar coisas e construir coisas”, e que foram necessárias algumas experiências para torná-lo vulnerável e consciente de sua irrelevância na obra de Cristo.
Saindo do campo das semelhanças e analisando as diferenças existentes, percebe-se que o narcisismo desenvolve uma introspecção com a finalidade no próprio ser humano, causando um processo de unicidade, onde o outro não tem importância na sua escalada de vida. Mas a espiritualidade cristocêntrica possibilita uma introspecção solidária e relacional com Deus, sendo percebida através de uma ação responsável na sociedade. Já os narcisistas “sentem-se superiores; acreditam merecer tratamento especial e que as regras válidas para os demais mortais não se aplicam a eles”, ressalta Kets de Vries (1997). Quando eles buscam a solução de problemas comunitários, na verdade não estão sendo solidários em sua plenitude, mas estão alimentando o senso de auto-importância que lhes é pertinente.
Concluindo, pode-se afirmar que as similaridades destacadas no texto, entre a espiritualidade contemporânea e o desenvolvimento narcisista, evidenciam um risco para a funcionalidade da liderança. Pois, ao que se parece, a atual espiritualidade desenvolvida em nossos ambientes eclesiásticos está mais para uma espiritualidade narcisista do que cristocêntrica, e isso poderá ser refletido num futuro bem próximo, onde a necessidade de líderes comprometidos não apenas consigo mesmo, mas, com Deus e o próximo, infelizmente poderá não ser suprida. Assim, uma liderança sem a praticidade de uma autêntica espiritualidade em seu contexto, conduz também o povo a uma atrofia espiritual e conseqüentemente a um estilo de vida indiferente às necessidades humanas.
Dessa forma, atuar no comprometimento com a espiritualidade cristocêntrica é se permitir idealizar uma verdadeira liderança responsável, distante de qualquer indício narcisista.
Bibliografia
CRUZ, São João da. Obras Completas. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
KETS DE VRIES, M. F. R. Liderança na empresa: como o comportamento dos líderes afeta a cultura interna. Sã Paulo: Atlas, 1997.
MUNDO CRISTÃO. Disponível em: .
Acesso em: 2005.
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do líder cristão no século XXI. São Paulo: Worship Produções, 1996
WAGNER, Glenn. Igreja S/A. São Paulo: Vida, 2003.
Participamos de uma sociedade sistemática. As diversas organizações e os relacionamentos interpessoais estão imersos em normas, regras, conceitos e preconceitos. Lourenço Stelio (Wagner, 2003) afirma, que no âmbito eclesiástico, essa tendência pragmática se deve à influência dos missionários norte-americanos quando implantaram o evangelho aqui, em meados do século XIX. Atualmente é notória uma mudança de paradigma, pois a Igreja além do seu papel fundamental como organismo, tornou-se também uma organização. Contudo, parece que o processo de “institucionalização” não parou por aí, e assim como institucionalizaram a Igreja, querem fazer o mesmo com a espiritualidade dos fiéis.
Facilmente mecanismos são criados para identificar se a pessoa é espiritual ou não. Criam-se normas, formas e até mesmo “condutas” de comportamento para definir o ser espiritual. Mas, é um verdadeiro paradoxo aceitar que um relacionamento com questões tão subjetivas seja reprimido por exigências tão objetivas. E além do mais, essa pressão avaliadora de desempenho pode minar as iniciativas que buscam uma aproximação mais simples e real com Deus, provocando, com este modo de agir, uma ideologia voltada mais para os “vícios” do que para as “virtudes” de uma autêntica espiritualidade.
Por isso, devido ao contínuo crescimento da “normatização” espiritual, surge a necessidade de iniciar um processo de contra-cultura a essa cultura vigente, afinal, a idéia de que a espiritualidade pode ser sistematizada nunca conduzirá o ser humano para mais perto de Deus, pelo contrário, pode levá-lo para mais longe. Ao invés de tentar estabelecer critérios de desempenho e avaliação para medir o imensurável, deve-se olhar para o que é imprescindível, para o que realmente move a espiritualidade: nosso interior.
Entretanto, esse é um caminho bastante doloroso, pois não queremos ou ainda tememos olhar para nós mesmos e encontrar o mundo sombrio das nossas motivações. Por isso as pessoas fogem de um encontro pessoal; evitam o eu interior, e estão sempre dispostas a fantasiar a realidade da vida que levam. Dessa forma, torna-se difícil a existência da espiritualidade cristocêntrica, pois se cada um não conhece a si mesmo, como conhecerá a Deus?
Uma ação da espiritualidade cristocêntrica é conduzir o ser humano ao auto-conhecimento, a uma introspecção possível de causar mudanças na vida prática. E essa mudança é evidenciada na transformação de pensamentos, conduta e caráter. Todavia, esse poder transformador não é humano, mas é um poder Divino. É como o pensamento socrático, – “conhece-te a ti mesmo” – isto é, tornar-te consciente das tuas próprias limitações. E esse reconhecimento passa pelo entendimento convicto de quem somos nós e de quem Deus é, e que em seu poder Ele tem a capacidade de nos transformar.
A falta dessa consciência torna-se um problema crítico na liderança eclesiástica brasileira, pois é perceptível na vida dos líderes, suas predisposições a confiarem em si mesmos, acreditando que podem resolver problemas situacionais através das próprias experiências e habilidades. E pasmem, essa predisposição é conhecida também como uma prática narcisista disfuncional, onde o líder em si mesmo imagina que possui a capacidade de sanar os diversos problemas humanitários, chegando às últimas conseqüências para que esse imaginário seja realizado. Nesse ponto os dois movimentos se assemelham, pois, numa perspectiva teológica isso é denominado como espírito messiânico; mas para o estudioso em narcisismo, Kets de Vries (1997), esse processo é conhecido como o desenvolvimento do senso de auto-importância, sendo um indicador para reconhecer um narcisista disfuncional. E o mais grave ainda, é que o líder para fazer sucesso precisa “disfarçar sua verdadeira natureza; é necessária uma capacidade de atuação dramática para se encaixar no papel”, conforme ressalta o autor. Já São João da Cruz (1996) afirma, que pessoas assim “têm vergonha de dizer seus pecados claramente, e na acusação de suas culpas vão colorindo e disfarçando, de modo a dar-lhes aparência de menos grave”.
Outra semelhança da espiritualidade com o narcisismo encontra-se no intenso desejo de causar impacto na comunidade, a tentação de ser relevante, que na verdade é uma decorrência do “espírito messiânico”. Para o narcisismo, o ser relevante nada mais é do que o desejo ambicioso pelo triunfo. O próprio Jesus, na primeira tentação foi desafiado para ser relevante, no transformar de pedras em pão. Quantos líderes não desejam transformar pedras em pães, não para alimentar a multidão, mas para causar impacto. O modelo de Moisés é claro, quando na tentativa de mostrar para o povo que ele detinha o poder, feriu a rocha que simbolizava Cristo, e por isso sucumbiu antes de adentrar na terra prometida. Atitudes assim demonstram implicitamente a insígnia narcisista nos líderes, ferindo categoricamente o Senhorio de Cristo. Nouwen (1993) afirma que também já passou pelo processo de sedução do ego, para “realizar coisas, mostrar coisas, provar coisas e construir coisas”, e que foram necessárias algumas experiências para torná-lo vulnerável e consciente de sua irrelevância na obra de Cristo.
Saindo do campo das semelhanças e analisando as diferenças existentes, percebe-se que o narcisismo desenvolve uma introspecção com a finalidade no próprio ser humano, causando um processo de unicidade, onde o outro não tem importância na sua escalada de vida. Mas a espiritualidade cristocêntrica possibilita uma introspecção solidária e relacional com Deus, sendo percebida através de uma ação responsável na sociedade. Já os narcisistas “sentem-se superiores; acreditam merecer tratamento especial e que as regras válidas para os demais mortais não se aplicam a eles”, ressalta Kets de Vries (1997). Quando eles buscam a solução de problemas comunitários, na verdade não estão sendo solidários em sua plenitude, mas estão alimentando o senso de auto-importância que lhes é pertinente.
Concluindo, pode-se afirmar que as similaridades destacadas no texto, entre a espiritualidade contemporânea e o desenvolvimento narcisista, evidenciam um risco para a funcionalidade da liderança. Pois, ao que se parece, a atual espiritualidade desenvolvida em nossos ambientes eclesiásticos está mais para uma espiritualidade narcisista do que cristocêntrica, e isso poderá ser refletido num futuro bem próximo, onde a necessidade de líderes comprometidos não apenas consigo mesmo, mas, com Deus e o próximo, infelizmente poderá não ser suprida. Assim, uma liderança sem a praticidade de uma autêntica espiritualidade em seu contexto, conduz também o povo a uma atrofia espiritual e conseqüentemente a um estilo de vida indiferente às necessidades humanas.
Dessa forma, atuar no comprometimento com a espiritualidade cristocêntrica é se permitir idealizar uma verdadeira liderança responsável, distante de qualquer indício narcisista.
Bibliografia
CRUZ, São João da. Obras Completas. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
KETS DE VRIES, M. F. R. Liderança na empresa: como o comportamento dos líderes afeta a cultura interna. Sã Paulo: Atlas, 1997.
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Acesso em: 2005.
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do líder cristão no século XXI. São Paulo: Worship Produções, 1996
WAGNER, Glenn. Igreja S/A. São Paulo: Vida, 2003.
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