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Palavra do leitor

O perdão fora do casulo

"Queres me perdoar?
Diga-me:
- Com o quê?

Nada tendes,
senão delírios!

O espelho,
reflexo lacerado,
perdido nos cômodos
de uma alma
em gotas, sobras e prantos!...

Ao abrir o armário,
o comum, as paixões,
as ambiguidades e os labirintos.

A foice disferida,
ninguém sabe dizer:
- por quem!

Os olhos resignados,
recitam manuscristos,
cultivam o ópio,
inebriam-se com o absinto
do cálice adoecido.

A inocência pervertida,
o falso amém,
a aridez da fé,
o solilóquio da ressurreição
e o bolor da esperança.

Perdão, perdoar, perdoado....

Não depende de nossas mãos,
nem dos nossos veredictos.

De nada adianta tolerar a dor,
as inclemências e penitências.

Quem sabe, aceitar o convite
do enigmático e simplório amigo
e ir ao reduto das lágrimas, do sorriso, da vida!..."



A palavra perdão nos convida a perfazer os caminhos de uma encruzilhada.

Negar isso seria uma estapafúrdia. Além de uma insolência.

Afinal de contas, absorvermos dos púlpitos o mandamento inexorável sobre a importância de perdoar e do perdão.

Muitos são os livros. As palestras fartas. Os aconselhamentos são covidativos. Entretanto, lá no fundo, passamos, simplesmente, um verniz no tema.

Devo considerar, eficientes e providenciais, as estratégias utilizadas a fim de não enfrentarmos a dificuldade do perdão e da importância de desmistíficá-lo.

Em outras palavras, gastamos o vernáculo, valemo-nos dos mais variados sinônimos e prosseguimos num beco sem saída.

Falar do perdão, enquanto não nos alcança se torna cômodo e fácil. Agora, como nos posicionamos diante de uma moça violentada ou estuprada; de uma mãe que presenciou a morte do filho; quando pessas indefesas são mortas, por causa da intolerância religiosa e cultural e por ai vamos.

As comunidades indígenas dizimadas. As marcas vexatórias infligidas aos negros, no período da escravidão. Os milhões de judeus desumanizados nos campos de concentrações nazista.

As crises no cenário económico desencadeados pelo cupidez e desrespeito de uns, colocando em detrimento famílias, em todo o mundo.

Então, por favor, diga-me:

- Há alguma legitimidade para não considerarmos a dificuldade de muitos em repudiarem o perdão?

Quantos namoros, casamentos, amizades, sonhos e expectativas sucumbiram.

Por mais altruísta, aderido as práticas filantrópicas, as causas humanitárias e aos ensinamentos do evangelho, sejamos sinceros, o perdão, deveras, nos desafia.

Destarte, tem que ser tirado do casulo, desmistificado e ancorado ao autêntico propósito da Graça.

O texto de I João 3. 09 nos convida a irmos ao aconhego da Graça, do Deus-ser humano, amigo e compenheiro Jesus Cristo. Tão somente em Cristo alcançamos a alforria do fato de não conseguir enfrentar o perdão.

Não há outra via, em Cristo a dimensão psicológica, espiritual e humana logra sentido, destino e motivação.

Neste itinerário, o Deus-ser humano, amigo e companheiro nos chama para adentrarmos na perspectiva do recomeçar, do perdão sem cobranças.

Eis a tônica do perdão, lançamos o nosso ser em Cristo, fixarmo-nos Nele, aceitarmos o seu toque de grandeza e candura.

O tempo e espaço da minha, da sua e nossa vida talvez não necessite desse perdão fora do casulo de tantas considerações e atenuantes?

Ademais, em Cristo recebemos o convite de não despediçarmos o recomeçar, a oportunidade de degustar o perdão e saborear a vida (II Coríntios 6. 02).
São Paulo - SP
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