Palavra do leitor
- 28 de fevereiro de 2011
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O pecado que não tem perdão (2)
Um amigo questionou-me sobre a legitimidade da hermenêutica de meu último texto (O pecado que não tem perdão). Entendo seu zelo, embora não seja mais partidário de tão rígida escola. Aliás este é o ponto central do artigo: a necessidade de deixarmos a rigidez de nossas próprias regras.
"Muitos preferem um inferno conhecido do que um paraíso duvidoso". Twitou providencialmente há poucos minutos Carpinejar, e ele tem toda razão. O paraíso será inevitavelmente algo duvidoso e desconhecido, em contrapartida o inferno é um velho conhecido desse nosso mundo. O que nos impede então de darmos o tal passo, o salto, rumo ao desconhecido, ao paraíso?
Pois bem, embora prefira, a todo custo, evitar o apego demasiado a versículos bíblicos, e mais ainda a penalizar algum leitor (e também você meu amigo) com textos longos, tentarei me aventurar a um exame um pouco mais detalhado das passagens citadas.
Vamos primeiro a parábola:
“Qual de vocês que, tendo um servo que esteja arando ou cuidando das ovelhas, lhe dirá, quando ele chegar do campo: ‘Venha agora e sente-se para comer’? Ao contrário, não dirá: ‘Prepare o meu jantar, apronte-se e sirva-me enquanto como e bebo; depois disso você pode comer e beber’? Será que ele agradecerá ao servo por ter feito o que lhe foi ordenado? Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: ‘Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever’ ”. – Lc 17:7-10
Um exame superficial nos levará a exaltar a obediência e a humildade: o modo imperativo dos verbos, a voz de comando do senhor exige obediência por parte do servo; além de obedecer o servo deverá se rebaixar, reconhecendo seu lugar, enxergando-se inútil.
Se porém adentrarmos em pontos abertos que o texto nos deixa poderemos enxergar outra realidade:
Por que afinal de contas seria o servo inútil se cumpriu todo seu útil dever?
Se Jesus chama seus discípulos de amigo por que estaria agora colocando-os como servos, e servos inúteis?
Qual afinal é o contexto imediato dessa parábola e quais temas a ela se relaciona?
Veremos que no início do capítulo 17 Jesus está falando de alguns temas desconfortáveis: os escândalos, a necessidade de perdão e o exercício miraculoso da fé. Teria esses temas algo a ver com a parábola que ele em seguida conta?
Vejo esses temas em uma perfeita cadeia lógica.
Partindo do perigo ou gravidade do dano causado pelos escândalos que, segundo Jesus, serão inevitáveis, Ele deixa um alerta e um mecanismo imunológico para que esse mal não ataque os discípulos. O alerta é bem claro, seria melhor que tal pessoa, que traz escândalos, fosse antes morta. O mecanismo imunológico está na necessidade de relacionamentos autênticos com confrontação do pecado, arrependimento, e perdão. Não importando quantas vezes esse ciclo se repita, quantas vezes tenha que se perdoar em um só dia.
Diante de tamanha generosidade, a reação imediata dos discípulos é: haja fé!
Sem fé, sem a crença (até mesmo ilógica) na graça, redenção e etc., seria impossível tal liberalidade. Tal fé porém não precisa ser grande, ou explicável, mas precisa somente ser praticada. Ainda que pequena, surtirá efeito como uma semente.
Daí partimos para o encadeamento lógico da parábola: se cumprirmos apenas nosso dever seremos servos inúteis.
Desde Abraão Deus revela-nos que quer amigos, e não servos. Ele quer alguém com quem se relacionar de igual para igual e não alguém em quem mandar e controlar. Essa é a ênfase também dada por Jesus, “os amigos sabem o que fazem o seu senhor”, eles participam da vida, do coração, dos sentimentos do senhor, eles se tornam amigos.
Mas se o senhor não nos chama a mesa, e nos manda cumprir nossos deveres, como adentrar à sua intimidade?
Eis o desafio da fé, a necessidade do salto!
Ante a esse desafio também se viram judeus acostumados com a Torá, se viram gregos presos à lógica. Nosso problema hoje é que amarramos a lógica à Torá e não conseguimos abraçar a escandalosa loucura da cruz. Estamos presos aos deveres e ficamos só neles.
A Palavra de Deus, todavia, que produz fé (ainda que do tamanho de um grão de mostarda) não nos dá uma lista de deveres, não nos chama à obediência, mas nos convida cavalheirescamente ao “algo mais”, ao inédito.
Foi sua fé, que levou Raabe a abrigar os espias. Não um ato de obediência, mas uma possibilidade inédita de preservar sua vida. Uma chance de trocar um inferno conhecido por um paraíso duvidoso.
O mesmo fez Abraão ao trazer Isaac a Moriá. Ele não estava ali obedecendo uma ordem divina. Em última instância, ele estava adorando seu Deus, de uma forma até comum naquela época, com o sacrifício de seu filho – o qual ele sabia, por fé, uma certa certeza em “algo mais”, que até mesmo das cinzas Isaac poderia ressurgir.
Tanto Raabe, Abraão, Moisés, Paulo e todos os outros que temos como exemplo cumpririam seu dever em ficar quietos em seu mundo, em fazer tudo que lhes era ordenado. E todos seriam sem nenhuma utilidade para Deus. Mas eles foram além.
"Muitos preferem um inferno conhecido do que um paraíso duvidoso". Twitou providencialmente há poucos minutos Carpinejar, e ele tem toda razão. O paraíso será inevitavelmente algo duvidoso e desconhecido, em contrapartida o inferno é um velho conhecido desse nosso mundo. O que nos impede então de darmos o tal passo, o salto, rumo ao desconhecido, ao paraíso?
Pois bem, embora prefira, a todo custo, evitar o apego demasiado a versículos bíblicos, e mais ainda a penalizar algum leitor (e também você meu amigo) com textos longos, tentarei me aventurar a um exame um pouco mais detalhado das passagens citadas.
Vamos primeiro a parábola:
“Qual de vocês que, tendo um servo que esteja arando ou cuidando das ovelhas, lhe dirá, quando ele chegar do campo: ‘Venha agora e sente-se para comer’? Ao contrário, não dirá: ‘Prepare o meu jantar, apronte-se e sirva-me enquanto como e bebo; depois disso você pode comer e beber’? Será que ele agradecerá ao servo por ter feito o que lhe foi ordenado? Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: ‘Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever’ ”. – Lc 17:7-10
Um exame superficial nos levará a exaltar a obediência e a humildade: o modo imperativo dos verbos, a voz de comando do senhor exige obediência por parte do servo; além de obedecer o servo deverá se rebaixar, reconhecendo seu lugar, enxergando-se inútil.
Se porém adentrarmos em pontos abertos que o texto nos deixa poderemos enxergar outra realidade:
Por que afinal de contas seria o servo inútil se cumpriu todo seu útil dever?
Se Jesus chama seus discípulos de amigo por que estaria agora colocando-os como servos, e servos inúteis?
Qual afinal é o contexto imediato dessa parábola e quais temas a ela se relaciona?
Veremos que no início do capítulo 17 Jesus está falando de alguns temas desconfortáveis: os escândalos, a necessidade de perdão e o exercício miraculoso da fé. Teria esses temas algo a ver com a parábola que ele em seguida conta?
Vejo esses temas em uma perfeita cadeia lógica.
Partindo do perigo ou gravidade do dano causado pelos escândalos que, segundo Jesus, serão inevitáveis, Ele deixa um alerta e um mecanismo imunológico para que esse mal não ataque os discípulos. O alerta é bem claro, seria melhor que tal pessoa, que traz escândalos, fosse antes morta. O mecanismo imunológico está na necessidade de relacionamentos autênticos com confrontação do pecado, arrependimento, e perdão. Não importando quantas vezes esse ciclo se repita, quantas vezes tenha que se perdoar em um só dia.
Diante de tamanha generosidade, a reação imediata dos discípulos é: haja fé!
Sem fé, sem a crença (até mesmo ilógica) na graça, redenção e etc., seria impossível tal liberalidade. Tal fé porém não precisa ser grande, ou explicável, mas precisa somente ser praticada. Ainda que pequena, surtirá efeito como uma semente.
Daí partimos para o encadeamento lógico da parábola: se cumprirmos apenas nosso dever seremos servos inúteis.
Desde Abraão Deus revela-nos que quer amigos, e não servos. Ele quer alguém com quem se relacionar de igual para igual e não alguém em quem mandar e controlar. Essa é a ênfase também dada por Jesus, “os amigos sabem o que fazem o seu senhor”, eles participam da vida, do coração, dos sentimentos do senhor, eles se tornam amigos.
Mas se o senhor não nos chama a mesa, e nos manda cumprir nossos deveres, como adentrar à sua intimidade?
Eis o desafio da fé, a necessidade do salto!
Ante a esse desafio também se viram judeus acostumados com a Torá, se viram gregos presos à lógica. Nosso problema hoje é que amarramos a lógica à Torá e não conseguimos abraçar a escandalosa loucura da cruz. Estamos presos aos deveres e ficamos só neles.
A Palavra de Deus, todavia, que produz fé (ainda que do tamanho de um grão de mostarda) não nos dá uma lista de deveres, não nos chama à obediência, mas nos convida cavalheirescamente ao “algo mais”, ao inédito.
Foi sua fé, que levou Raabe a abrigar os espias. Não um ato de obediência, mas uma possibilidade inédita de preservar sua vida. Uma chance de trocar um inferno conhecido por um paraíso duvidoso.
O mesmo fez Abraão ao trazer Isaac a Moriá. Ele não estava ali obedecendo uma ordem divina. Em última instância, ele estava adorando seu Deus, de uma forma até comum naquela época, com o sacrifício de seu filho – o qual ele sabia, por fé, uma certa certeza em “algo mais”, que até mesmo das cinzas Isaac poderia ressurgir.
Tanto Raabe, Abraão, Moisés, Paulo e todos os outros que temos como exemplo cumpririam seu dever em ficar quietos em seu mundo, em fazer tudo que lhes era ordenado. E todos seriam sem nenhuma utilidade para Deus. Mas eles foram além.
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