Palavra do leitor
- 24 de maio de 2011
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O ódio terceiro e (por enquanto) último: contra os gays
Agora que você não pode mais contar piadas que ridicularizem os negros, agora que sua chefe ganha mais do que você, os preconceitos embasados no conceito das ordens da criação escolheram novos alvos.
São alvos mais fragéis e inesperados, e portanto mais adequados à predação neste momento da história. Hoje em dia, quando acenam com o argumento das ordens da criação, os cristãos estarão fatalmente condenando a conduta homossexual ou asseverando o seu direito de explorar os recursos do planeta.
Quando o relato de Gênesis deixa claro que Deus criou a mulher para o homem, o que pode haver de mais contrário à disposição inicial das coisas do que a união sexual entre pessoas do mesmo sexo? Se Jesus disse do divórcio que "no princípio não era assim", o que teria dito do casamento entre homossexuais?
Numa instância paralela, as ordens da criação são mencionadas pelos protestantes norte-americanos como credencial para explorarem até o sumo os recursos naturais da terra. Quem irá levantar-se para denunciar os abusos do homem contra a natureza, quando Gênesis assegura que Deus lhe conferiu pleno domínio sobre a terra? Como condenar os desmatamentos, a extinção escandalosa das espécies e o aquecimento global, quando a narrativa da criação esclarece que o homem foi criado para colocar o planeta sob sujeição?
Pelo que lêem em Gênesis, Deus não apenas deu ao homem carta branca para violentar a terra; deu-lhe essa missão.
A proliferação da união homossexual é vista como uma ameaça formidável à instituição da família – e a família é a ordem da criação por excelência, a unidade essencial que mantém no lugar os fundamentos do cosmos. Violar essa ordem primordial das coisas é tido como a forma mais abominável de rebelião; não apenas contra Deus (como se não bastasse), mas contra o próprio universo.
Como propõe Edward H. Schroeder em sua análise sobre a questão da ordenação feminina: se Deus permanece sendo o Deus Criador, como não concluir que as mudanças sociais ocorridas no tempo que nos separa de Paulo, mudanças que acabaram possibilitando o status igualitário da mulher, são obra do mesmo Criador? Como não concluir que foram mudanças sopradas na humanidade pelo exemplo singular e subversivo de Cristo? A obra do evangelho não estará derramando sobre o mundo seus inesperados desdobramentos?
“A consequência clara do evangelho,” observa Schroeder, “é que as ordens da criação são impermanentes. Com o tempo acabarão passando, juntamente com ‘o céu e a terra’”. A igreja não deve temer essa impermanência, porque “a própria igreja veio à existência através de um ato de violação.”
A escandalosa verdade é que a liga que sustenta o universo não é a família ou o casamento, mas a misericórdia, soprada por Deus e manifesta pelos homens. De um modo transversal o próprio Jesus demonstrou esse princípio quando explicou que “no princípio não era assim, mas o divórcio foi instituído por causa da dureza do coração de vocês”. Em outras palavras, ele está revelando que o divórcio foi instituído, incrivelmente, por uma vitória da misericórdia contra a ordem da criação. Está longe de ser uma solução ideal e não estava prevista na ordem original das coisas, mas é uma resposta da graça diante da irreversível complexidade da condição humana.
Desde a cruz a condição humana imergiu em muitas camadas adicionais de complexidade. Porém a misericórdia tem continuando a violar, de forma sistemática e sempre escandalosa, as ordens da criação. Quando a sua obra estará concluída? Talvez no momento em que cumprir-se por completo a profecia de Paulo, e em Cristo não houver mais judeu e grego, civilizado e bárbaro, escravo e livre, homem e mulher.
Pois o apego irresistível às ordens da criação é, essencialmente, o apego dos seres humanos (especialmente os do sexo masculino) às formas de dominação, como alternativa ao medo e ao sentimento de inadequação. Porque é sabido que os homens, que escreveram até recentemente toda a história, sentem que devem provar continuamente o seu valor, que pensam ser a mesma coisa que sua masculinidade. Se lutavam para manter o estado de coisas por meio de sexismo, do racismo e do nacionalismo é por que temiam instintivamente a competição das mulheres, dos homens de outras etnias e de outras nações. É pelo mesmo motivo que recusam-se a trocar o seu Hummer, que epitomiza tão adequadamente a sua masculinidade, por uma scooter ou um carro mais econômico. E, porque não querem ver a sua própria masculinidade de alguma forma colocada em cheque, lutam por um mundo em que não precisem testemunhar o beijo apaixonado de dois barbados ou (talvez pior) de duas mulheres. As ordens da criação acenam com um mundo seguro, em que todas as coisas tem o seu lugar, e é apavorante imaginar que possa ser diferente.
Enquanto isso o Filho do Homem, que morreu virilmente na cruz e procura nos atrair incessantemente para a mesma posição, divulga sem pausa o escândalo e a boa nova de que não há absolutamente o que temer.
São alvos mais fragéis e inesperados, e portanto mais adequados à predação neste momento da história. Hoje em dia, quando acenam com o argumento das ordens da criação, os cristãos estarão fatalmente condenando a conduta homossexual ou asseverando o seu direito de explorar os recursos do planeta.
Quando o relato de Gênesis deixa claro que Deus criou a mulher para o homem, o que pode haver de mais contrário à disposição inicial das coisas do que a união sexual entre pessoas do mesmo sexo? Se Jesus disse do divórcio que "no princípio não era assim", o que teria dito do casamento entre homossexuais?
Numa instância paralela, as ordens da criação são mencionadas pelos protestantes norte-americanos como credencial para explorarem até o sumo os recursos naturais da terra. Quem irá levantar-se para denunciar os abusos do homem contra a natureza, quando Gênesis assegura que Deus lhe conferiu pleno domínio sobre a terra? Como condenar os desmatamentos, a extinção escandalosa das espécies e o aquecimento global, quando a narrativa da criação esclarece que o homem foi criado para colocar o planeta sob sujeição?
Pelo que lêem em Gênesis, Deus não apenas deu ao homem carta branca para violentar a terra; deu-lhe essa missão.
A proliferação da união homossexual é vista como uma ameaça formidável à instituição da família – e a família é a ordem da criação por excelência, a unidade essencial que mantém no lugar os fundamentos do cosmos. Violar essa ordem primordial das coisas é tido como a forma mais abominável de rebelião; não apenas contra Deus (como se não bastasse), mas contra o próprio universo.
Como propõe Edward H. Schroeder em sua análise sobre a questão da ordenação feminina: se Deus permanece sendo o Deus Criador, como não concluir que as mudanças sociais ocorridas no tempo que nos separa de Paulo, mudanças que acabaram possibilitando o status igualitário da mulher, são obra do mesmo Criador? Como não concluir que foram mudanças sopradas na humanidade pelo exemplo singular e subversivo de Cristo? A obra do evangelho não estará derramando sobre o mundo seus inesperados desdobramentos?
“A consequência clara do evangelho,” observa Schroeder, “é que as ordens da criação são impermanentes. Com o tempo acabarão passando, juntamente com ‘o céu e a terra’”. A igreja não deve temer essa impermanência, porque “a própria igreja veio à existência através de um ato de violação.”
A escandalosa verdade é que a liga que sustenta o universo não é a família ou o casamento, mas a misericórdia, soprada por Deus e manifesta pelos homens. De um modo transversal o próprio Jesus demonstrou esse princípio quando explicou que “no princípio não era assim, mas o divórcio foi instituído por causa da dureza do coração de vocês”. Em outras palavras, ele está revelando que o divórcio foi instituído, incrivelmente, por uma vitória da misericórdia contra a ordem da criação. Está longe de ser uma solução ideal e não estava prevista na ordem original das coisas, mas é uma resposta da graça diante da irreversível complexidade da condição humana.
Desde a cruz a condição humana imergiu em muitas camadas adicionais de complexidade. Porém a misericórdia tem continuando a violar, de forma sistemática e sempre escandalosa, as ordens da criação. Quando a sua obra estará concluída? Talvez no momento em que cumprir-se por completo a profecia de Paulo, e em Cristo não houver mais judeu e grego, civilizado e bárbaro, escravo e livre, homem e mulher.
Pois o apego irresistível às ordens da criação é, essencialmente, o apego dos seres humanos (especialmente os do sexo masculino) às formas de dominação, como alternativa ao medo e ao sentimento de inadequação. Porque é sabido que os homens, que escreveram até recentemente toda a história, sentem que devem provar continuamente o seu valor, que pensam ser a mesma coisa que sua masculinidade. Se lutavam para manter o estado de coisas por meio de sexismo, do racismo e do nacionalismo é por que temiam instintivamente a competição das mulheres, dos homens de outras etnias e de outras nações. É pelo mesmo motivo que recusam-se a trocar o seu Hummer, que epitomiza tão adequadamente a sua masculinidade, por uma scooter ou um carro mais econômico. E, porque não querem ver a sua própria masculinidade de alguma forma colocada em cheque, lutam por um mundo em que não precisem testemunhar o beijo apaixonado de dois barbados ou (talvez pior) de duas mulheres. As ordens da criação acenam com um mundo seguro, em que todas as coisas tem o seu lugar, e é apavorante imaginar que possa ser diferente.
Enquanto isso o Filho do Homem, que morreu virilmente na cruz e procura nos atrair incessantemente para a mesma posição, divulga sem pausa o escândalo e a boa nova de que não há absolutamente o que temer.
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