Palavra do leitor
- 26 de junho de 2011
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O Juiz, o sal e o Plasil
O STF, no início de junho de 2011, reconheceu as uniões homoafetivas como equivalentes às heterossexuais, estendendo a elas uma centena de direitos antes não reconhecidos, como herança, benefícios previdenciários, inclusão em planos de saúde e adoção. Os desdobramentos detalhados da decisão ainda não são previsíveis, e nem todos os pontos são consenso, como no caso da adoção.
Poucos dias após, um juiz de Goiás, contrariando a decisão, ordenou aos cartórios sob sua responsabilidade que não registrassem as uniões homoafetivas. Sua decisão foi saudada por alguns como heroica, e mais constitucional que a proferida por aquela corte. Logo após, ela foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado. Fato já esperado, o juiz recebeu, no último dia 22, o apoio de integrantes da bancada evangélica da Câmara dos Deputados. Um deles, Anthony Garotinho, disse inspirado pela "desobediência santa" do magistrado.
O que é particularmente estarrecedor é o fato do juiz, por ser também pastor evangélico (Assembleia de Deus Madureira), ter declarado "Deus me incomodou, como que me impingiu a decidir". Até este momento, minha reação ao mesmo era desprovida de maiores paixões; após esta, e outras declarações a ele atribuídas, comovo-me.
Até então era um magistrado anônimo, "um astro em busca de luz própria", como diz um amigo. Mas a evolução da história mostra que é um irmão profundamente equivocado - na melhor das hipóteses.
Jeronymo Villas Boas coloca sobre Deus a responsabilidade de sua ação. Não me parece haver interpretação alternativa, pelos dados extraídos dos jornais. Como servo obediente, ele apenas cumpre o mandamento. Será verdade?
O ramo protestante do cristianismo rejeita a infalibilidade de quem quer que seja, exceto a das Escrituras. Rejeita qualquer ensino que não possa ser confirmado pelas mesmas. Desconhece qualquer revelação individual que não as ressoe. Portanto, quando o juiz-pastor disse ser constrangido por Deus a agir, fala de uma convicção própria, impossível de ser verificada independentemente. Contrasta com a reação de Lutero frente ao imperador Carlos V, do Sacro Império Romano-Germano. Instado a renegar suas obras até então escritas, não lançou sobre Deus a responsabilidade de sua decisão, mas a um frio exame das evidências: "Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão, porque não acredito nem no Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável."
O juiz-pastor desejou revestir-se de autoridade que nem mesmo os reformadores julgaram ter. Não há heroísmo no seu ato: que risco correu? Mesmo que processado administrativamente e afastado da magistratura, perderá o salário?
Não há repercussão prática de sua desobediência, vista que ela foi anulada rapidamente. Portanto, qual foi o seu objetivo? Nenhuma união deixou de ser registrada - o que ele ganhou, a não ser um rápido holofote da mídia?
Se há um arrazoado legal, teológico ou filosófico, nem ele nem seus defensores o divulgaram. Apenas o juiz que age sob as ordens divinas aparece. Houvesse um conjunto de argumentos bem tecido, a sociedade ganharia, o Poder Judiciário poderia ver novas razões para rever a decisão tomada, o Evangelho seria verdadeiramente testemunhado.
Jeronymo não agiu como João Batista, que desapareceu para que apenas o Filho do Homem aparecesse. Tão pouco pode lançar mão da justificativa de ser inspirado pelo profeta Daniel, ou pelos apóstolos que optaram por obedecer a Deus e não aos homens.
Ele optou por cerrar fileiras entre aqueles que julgam ser necessário ao Reino que as normas do Sermão da Montanha sejam impostas à força sobre a sociedade, no estilo do falecido ex-presidente, João Figueiredo: "quem for contra a abertura, eu prendo e arrebento". Optou não por converter as massas pela força do raciocínio e do argumento, deixando que o Espírito Santo atue, mas pela imposição de um comportamento.
Não conseguiu agir como juiz, e nem foi sal. Desempenhou apenas mais um ato de irrelevância social, de rebaixamento dos padrões do Evangelho, de mau testemunho, de incapacidade de aproximar as pessoas do Jesus que salva e transforma. Dá pena...e seu retrato cercado por políticos que se dizem cristãos provoca-me náuseas.
Poucos dias após, um juiz de Goiás, contrariando a decisão, ordenou aos cartórios sob sua responsabilidade que não registrassem as uniões homoafetivas. Sua decisão foi saudada por alguns como heroica, e mais constitucional que a proferida por aquela corte. Logo após, ela foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado. Fato já esperado, o juiz recebeu, no último dia 22, o apoio de integrantes da bancada evangélica da Câmara dos Deputados. Um deles, Anthony Garotinho, disse inspirado pela "desobediência santa" do magistrado.
O que é particularmente estarrecedor é o fato do juiz, por ser também pastor evangélico (Assembleia de Deus Madureira), ter declarado "Deus me incomodou, como que me impingiu a decidir". Até este momento, minha reação ao mesmo era desprovida de maiores paixões; após esta, e outras declarações a ele atribuídas, comovo-me.
Até então era um magistrado anônimo, "um astro em busca de luz própria", como diz um amigo. Mas a evolução da história mostra que é um irmão profundamente equivocado - na melhor das hipóteses.
Jeronymo Villas Boas coloca sobre Deus a responsabilidade de sua ação. Não me parece haver interpretação alternativa, pelos dados extraídos dos jornais. Como servo obediente, ele apenas cumpre o mandamento. Será verdade?
O ramo protestante do cristianismo rejeita a infalibilidade de quem quer que seja, exceto a das Escrituras. Rejeita qualquer ensino que não possa ser confirmado pelas mesmas. Desconhece qualquer revelação individual que não as ressoe. Portanto, quando o juiz-pastor disse ser constrangido por Deus a agir, fala de uma convicção própria, impossível de ser verificada independentemente. Contrasta com a reação de Lutero frente ao imperador Carlos V, do Sacro Império Romano-Germano. Instado a renegar suas obras até então escritas, não lançou sobre Deus a responsabilidade de sua decisão, mas a um frio exame das evidências: "Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão, porque não acredito nem no Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável."
O juiz-pastor desejou revestir-se de autoridade que nem mesmo os reformadores julgaram ter. Não há heroísmo no seu ato: que risco correu? Mesmo que processado administrativamente e afastado da magistratura, perderá o salário?
Não há repercussão prática de sua desobediência, vista que ela foi anulada rapidamente. Portanto, qual foi o seu objetivo? Nenhuma união deixou de ser registrada - o que ele ganhou, a não ser um rápido holofote da mídia?
Se há um arrazoado legal, teológico ou filosófico, nem ele nem seus defensores o divulgaram. Apenas o juiz que age sob as ordens divinas aparece. Houvesse um conjunto de argumentos bem tecido, a sociedade ganharia, o Poder Judiciário poderia ver novas razões para rever a decisão tomada, o Evangelho seria verdadeiramente testemunhado.
Jeronymo não agiu como João Batista, que desapareceu para que apenas o Filho do Homem aparecesse. Tão pouco pode lançar mão da justificativa de ser inspirado pelo profeta Daniel, ou pelos apóstolos que optaram por obedecer a Deus e não aos homens.
Ele optou por cerrar fileiras entre aqueles que julgam ser necessário ao Reino que as normas do Sermão da Montanha sejam impostas à força sobre a sociedade, no estilo do falecido ex-presidente, João Figueiredo: "quem for contra a abertura, eu prendo e arrebento". Optou não por converter as massas pela força do raciocínio e do argumento, deixando que o Espírito Santo atue, mas pela imposição de um comportamento.
Não conseguiu agir como juiz, e nem foi sal. Desempenhou apenas mais um ato de irrelevância social, de rebaixamento dos padrões do Evangelho, de mau testemunho, de incapacidade de aproximar as pessoas do Jesus que salva e transforma. Dá pena...e seu retrato cercado por políticos que se dizem cristãos provoca-me náuseas.
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