Palavra do leitor
- 16 de setembro de 2008
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O impulso de oferecer flores
Normalmente as pessoas pensam que um cristão não pode ser gay. Elas dão crédito àquilo que elas escrevem desde que ela siga uma cartilha moral que bata com suas crenças.
Já teve uma época remota em que eu ficaria até meio que ofendido se alguém me perguntasse se eu era homossexual! Mas não, não sou gay.
Percebi desde minha adolescência que se um homem, que eu nunca vi na vida, de repente me oferecesse flores (ou no mínimo fosse gentil e puxasse conversa), isso não era impulse[*]!
A coisa estava clara na minha mente: ou o cara era gay ou crente. Naquela época, pelos idos dos anos 80, era difícil imaginar um crente gay, ou um gay crente. E evitava tanto estes como aqueles (por razões óbvias).
Mas como ambos sempre mostravam a mesma gentileza, quase que esbarrando na ingenuidade (características próprias dos sedutores profissionais), nutria certa compaixão com aqueles sujeitos. Independentes de suas intenções, eu sabia que eles tinham o mesmo problema, carência emocional e afetiva.
A solução para o gay era para mim, a mais fácil. Afinal não era nenhuma tarefa difícil convencer meus colegas de rua e escola das vantagens incomparavelmente superiores da atratividade nata do corpo de uma mulher. Então, mais cedo ou mais tarde o cara cairia na real. Como estava "convicto de minhas convicções" a conversa girava em torno de outros assuntos e qualquer que fosse a hipótese o meu amigo desconhecido era (para mim) um homem heterossexual como eu e deveria ser assim tratado.
Com o crente já era diferente... Não conhecia muito ou quase nada sobre os evangélicos - acho que esse termo ainda nem existia. Mas sabia que se um se aproximasse e puxasse assunto, a coisa mais cedo ou mais tarde terminaria numa pregação. O que não era necessariamente ruim, afinal de contas também era um cristão. E jogávamos no mesmo time. Então tentava me solidarizar com o crente. Acho que nunca pensei que eles precisassem se converter ao “meu” catolicismo, simplesmente queria que eles entendessem que eu também não precisaria me converter ao “seu” ‘crentinismo’.
Mas um dia me converti. E os preconceitos desmoronaram-se. E lá estava eu, de repente, pela rua, pela escola, pelo trabalho, no ônibus oferecendo flores para gente que eu nunca tinha visto antes: para homens, para mulheres e também para gays.
De lá pra cá, o termo crente deturpou-se. Mas evangélico também. Normalmente prefiro o rótulo de cristão. Ainda que este último tornou-se há muito, algo bem vago. Mas preferi nesse texto usar "crente", pois era o contexto da época além do mais ele possui um significado intrínseco bonito e fundamental: aquele que crê, que tem fé. Na Alemanha ele ainda é usado sem conotação pejorativa: "gläubig".
Sim, concordo com você, leitor: Ao pé da letra, dar flores pra macho é estranho. Oferecer flores é somente uma hipérbole, para expressar gentileza e graça. Coisas que as mulheres fazem melhor em uma sociedade machista como a nossa.
Mas se pensarmos bem, até que dar e receber flores de machos não é nada de mais: veja bem, quando vou ao Brasil, já acostumado com o padrão Europeu, tenho muito mais medo de receber uma bala, uma ameaça ou qualquer agressão do que flores. Não por simples medo ou preconceito, mas já morei por essas bandas e acho que as estatísticas só pioraram de lá pra cá.
Quem dera se o filme brasileiro que ganhou o urso de ouro em Berlim versasse sobre as ONGs e uma crescente mudança de hábito na sociedade brasileira no trato com seu próximo. Ou se o avanço do evangelicalismo fosse atrelado à “não violência” como arma de uma população injustiçada na conquista de seus direitos civis.
Enfim, ficaria feliz se as manchetes aqui e as reportagens sobre o Brasil fossem não sobre miséria e criminalidade, mas sobre uma moda entre os homens adultos de distribuir flores, justiça, gentileza e graça entre si.
http://teologia-livre.blogspot.com/
Já teve uma época remota em que eu ficaria até meio que ofendido se alguém me perguntasse se eu era homossexual! Mas não, não sou gay.
Percebi desde minha adolescência que se um homem, que eu nunca vi na vida, de repente me oferecesse flores (ou no mínimo fosse gentil e puxasse conversa), isso não era impulse[*]!
A coisa estava clara na minha mente: ou o cara era gay ou crente. Naquela época, pelos idos dos anos 80, era difícil imaginar um crente gay, ou um gay crente. E evitava tanto estes como aqueles (por razões óbvias).
Mas como ambos sempre mostravam a mesma gentileza, quase que esbarrando na ingenuidade (características próprias dos sedutores profissionais), nutria certa compaixão com aqueles sujeitos. Independentes de suas intenções, eu sabia que eles tinham o mesmo problema, carência emocional e afetiva.
A solução para o gay era para mim, a mais fácil. Afinal não era nenhuma tarefa difícil convencer meus colegas de rua e escola das vantagens incomparavelmente superiores da atratividade nata do corpo de uma mulher. Então, mais cedo ou mais tarde o cara cairia na real. Como estava "convicto de minhas convicções" a conversa girava em torno de outros assuntos e qualquer que fosse a hipótese o meu amigo desconhecido era (para mim) um homem heterossexual como eu e deveria ser assim tratado.
Com o crente já era diferente... Não conhecia muito ou quase nada sobre os evangélicos - acho que esse termo ainda nem existia. Mas sabia que se um se aproximasse e puxasse assunto, a coisa mais cedo ou mais tarde terminaria numa pregação. O que não era necessariamente ruim, afinal de contas também era um cristão. E jogávamos no mesmo time. Então tentava me solidarizar com o crente. Acho que nunca pensei que eles precisassem se converter ao “meu” catolicismo, simplesmente queria que eles entendessem que eu também não precisaria me converter ao “seu” ‘crentinismo’.
Mas um dia me converti. E os preconceitos desmoronaram-se. E lá estava eu, de repente, pela rua, pela escola, pelo trabalho, no ônibus oferecendo flores para gente que eu nunca tinha visto antes: para homens, para mulheres e também para gays.
De lá pra cá, o termo crente deturpou-se. Mas evangélico também. Normalmente prefiro o rótulo de cristão. Ainda que este último tornou-se há muito, algo bem vago. Mas preferi nesse texto usar "crente", pois era o contexto da época além do mais ele possui um significado intrínseco bonito e fundamental: aquele que crê, que tem fé. Na Alemanha ele ainda é usado sem conotação pejorativa: "gläubig".
Sim, concordo com você, leitor: Ao pé da letra, dar flores pra macho é estranho. Oferecer flores é somente uma hipérbole, para expressar gentileza e graça. Coisas que as mulheres fazem melhor em uma sociedade machista como a nossa.
Mas se pensarmos bem, até que dar e receber flores de machos não é nada de mais: veja bem, quando vou ao Brasil, já acostumado com o padrão Europeu, tenho muito mais medo de receber uma bala, uma ameaça ou qualquer agressão do que flores. Não por simples medo ou preconceito, mas já morei por essas bandas e acho que as estatísticas só pioraram de lá pra cá.
Quem dera se o filme brasileiro que ganhou o urso de ouro em Berlim versasse sobre as ONGs e uma crescente mudança de hábito na sociedade brasileira no trato com seu próximo. Ou se o avanço do evangelicalismo fosse atrelado à “não violência” como arma de uma população injustiçada na conquista de seus direitos civis.
Enfim, ficaria feliz se as manchetes aqui e as reportagens sobre o Brasil fossem não sobre miséria e criminalidade, mas sobre uma moda entre os homens adultos de distribuir flores, justiça, gentileza e graça entre si.
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