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Palavra do leitor

O evangelho da criança mimada

Texto de 1 Coríntios: 3.1.

O homem, no desdobrar dos últimos quatro séculos, alcançou conquistas incontestáveis, ao derrubar toda uma sucessão de obstáculos da natureza e acredita, piamente, ser o seu destino não no porvir, não numa eternidade, não num novo oikos, mas dentro de uma dimensão espacial e temporal. Não por menos, os avanços da ciência trouxeram a ideia de um domínio sobre tudo, de que não há limites para desvendar os mistérios e a derrubada de todas as superstições. Na mesma linha de direção, as redes midiáticas e publicitárias geram a sensação de que se faz merecedor de tudo e todas suas reivindicações e direitos são validos e justificados. Eis a constatação de um homem entregue a ideia de que pode obter tudo o que quiser, submetido ao caudilho ditatorial dos desejos e mais desejos. Nada voltado a haver uma correlação entre esforço, dedicação, empenho, renuncia, entrega, partilhar e compartilhar, participar e colaborar. Nada de assuntos alinhados ao compromisso com valores superiores e um comprometer-se com ideias transformadoras e princípios sustentadores que sirvam como pontes para efetivas mudanças. Quem se opõe as idéias do evangelho da criança mimada, passa a ser visto como um carrasco, um opressor e um traiçoeiro que tenta impedir os seus anseios. Não por menos, o discurso dos púlpitos para as crianças mimadas destila as ideias de que são merecedores de recompensas e mais recompensas e quando são defrontados com a realidade, como ela é, com seus desafios, com suas vicissitudes, com suas perdas, com suas alterações e com suas frustrações, procuram um culpado. Destarte, a cruz da criança mimada se direciona a um evangelho acostumado a permanecer no raso, na superfície, a cultuar o supérfluo, a venerar o banal, a definir as bênçãos não como uma busca, mas sim como uma posse, como uma apropriação. Além disso, percebe-se um contexto de cristãos despreparados para lidar com as desilusões, com os ressentimentos, com as falhas e com os rancores de quem está nesse mundo. Os adeptos da cruz das crianças mimadas são seguidores de lideranças demagogas e com promessas idílicas ou irreais, por não serem levados a compreender os desafios e as surpresas da vida, pela postura infantilizada de sempre culpar outros, por suas escolhas e pelas escolhas da condição de ser humano, sujeita a decisões nem sempre louváveis. Tristemente, não se observa de muitos púlpitos, a intenção de formar gente séria e sincera com a Cruz do Ressurrecto, não se observa uma ministração engajada a preparar cristãos imbuídos de uma espiritualidade libertadora e cooptada a uma ética e a uma moralidade inquietadora: a moralidade das bem-aventuranças. São os cristãos da cruz da criança mimada, semelhante ao filho de pais indulgentes, condescendentes, que fazem vistas grossas, batem palmas para todo o tipo de bobagens e concebem pessoas indiferentes. Decerto, perseguem quem escancara a vulnerabilidade e a debilidade humana, quem demonstra sua rejeição as virtudes e aos valores superiores, o estado de esterilidade tanto de seu espírito quanto de sua alma. Nessa linha de consequências, estamos diante da comprovação de cristãos longes do senso de missão, de viver Jesus em cada centímetro da vida, sem fazer com que todas as suas potencialidades (como um ser de criação, de imaginação, de transcendência) sirvam para consubstanciar a restauração de valores superiores. Vale dizer, não há como negar, a fé, a transcendência, a responsabilidade por tudo ao nosso redor não são os benefícios do conforto, da tecnologia, do bem-estar, mas sim ir à direção de um outro mundo, de não permanecer atrelado ao mundo das transitoriedades, das efemeridades e do que se desvanece. Sem isso, a nossa crença adquire os contornos do pragmatismo, da satisfação, do olhar apenas para cá e com efeitos ineficazes, ineficientes e inúteis. Dou mais uma pinçada, viver sobre a dimensão de valores superiores e de uma visão de ser imagem e semelhança de Deus, expressamente, não são oriundas dos adeptos da cruz da criança mimada, porque preferem um evangelho sem qualquer preocupação com os discursos distantes do verdadeiro ensino de Jesus, o Cristo. Atentemos, o quanto valores superiores, caso da coragem e da generosidade, da gratidão e da misericórdia, da pacificação e da justiça são caminhos para se evitar a anulação do ser humano e de que o próprio ser humano possa anular o outro. Saliento, também, a cruz da criança mimada concebe a adesão a valores superiores como um ato de destruição e de malícia para desmoronar os seus propósitos. Ademais, será que não vivenciamos isso, em nossas realidades? Será que a cruz das crianças mimadas não tem sido os mosaicos de um evangelho, em sua parte, despedaçado, confuso e sem uma visão de disciplina, a qual nos proporciona vivenciar e experienciar os valores superiores da Graça do Ressurrecto?
São Paulo - SP
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