Palavra do leitor
- 10 de julho de 2010
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O crime do goleiro
Um crime cruel, pessoas famosas envolvidas, um frenesi na imprensa que, parece, por falta de coisa melhor – o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de futebol – nos bombardeia dia e noite com o tema monocórdico. As mesmas informações repisadas à exaustão. Em alguns jornais, com discretas, porém enfáticas, tinturas mórbidas nos detalhes. É a maneira de se diferenciar dos concorrentes.
É claro que o papel da imprensa neste e em outros casos é fundamental. Não raro, o silêncio estimula a impunidade, especialmente se o(s) réu(s) pode(m) contratar bons advogados. O Código Penal costuma ser bastante útil em mãos hábeis e favorecer ao culpado com penas brandas e escapes de toda sorte.
A grande imprensa, por sua vez, meio cansada de repetir os mesmos atos do drama, envereda pelo caminho da modelagem dos casos à base de bem fundadas afirmações de especialistas de todo quilate. De advogados a juristas. De especialistas em segurança a sociólogos. Os que costumam causar maior frisson , entretanto, são os psiquiatras e/ou psicólogos. É a psicomedicalização dos crimes. E alguns profissionais nestas áreas não se furtam a falar o que lhe vem na telha ou o que melhor atende à gana dos repórteres que escarafuncham as razões mais bizarras.
Para utilizar a expressão de Hannah Arendt, a banalização do mal, ainda assim, mesmo acostumados à violência endêmica no país, alguns crimes sobrepassam este “razoável” a que se está calejado. Daí que, sem conseguir encaixá-lo nos parâmetros da barbárie comum, se manipulam explicações etéreas, subjetivas, até espirituais. Afinal, o diabo se presta bem para ser culpado nestes casos.
Atônitos ante as inescrutáveis razões que levam uma pessoa a perpetrar crimes hediondos, caminha-sepelos labirintos dos distúrbios mentais. Há de ter algum que contemple tamanha sanha, pensa-se. Especula-se, é o caso presente, que o goleiro Bruno teria sido abandonado pelos pais, fora criado por uma avó e, ao que parece, com vários problemas ao longo de seu desenvolvimento. A violência, ironicamente, até onde se sabe e teoriza, não figura no currículo do goleiro. Pelo menos até aqui, embora ele tenha argumentado em defesa do desastrado Adriano, companheiro de clube, que qualquer casal, de vez em quando, sai no braço. Há quem veja nisso o traço macabro de personalidade aflorando.
A pergunta clássica utilizada nestas situações é se haveria algum tipo de transtorno que explicaria a atitude daquele que comete crimes chocantes e com requintes de crueldade. Ora, é claro que há um sem número de razões, se utilizarmos qualquer das classificações de doenças – Catálogo Internacional de Doenças ( CID 10) ou o DSM IV –, basta achar os sintomas certos e voilá, encaixa-se quase qualquer atitude tresloucada. É, diria, um salvo conduto para o criminoso. Muitos não hesitam em lançar mão de tais meios para escapar da condenação, afinal, qualquer loucura é motivo para atenuar a pena. Nem sempre cola, como se sabe.
Há algo, contudo, que as pessoas resistem em admitir. Um crime pode simplesmente ser fruto da maldade humana. A perversidade, diferente dos animais, é também o que nos separa deles, mas gostamos mais de elencar nesta comparação a inteligência. Acontece que os animais não constroem razões nem lutam por elas na tentativa de preservar interesses, sejam eles quais forem. De Jesus a Freud, ou que se inclua os maiores pensadores que a raça humana já produziu, especialmente os poetas, poucos não exprimem, até com desalento, a crua verdade: carregamos todos a maldade dentro da alma. De algum modo, temos nosso gen de Caim. Adélia Prado, a poetisa mineira, reconhecendo este nosso lado sombrio diz de si mesma: “Toda vez que alguém diz fariseu, acho que é comigo.” (Cacos para um vitral, p. 80). No “Poema em linha reta”, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) também diz de si mesmo: “Eu, que venho sido vil, literalmente vil,... Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Depois da enxurrada de informações às escancaras na tv, pode-se concluir algumas coisas que, naturalmente, dispensam, patologias, ainda que, sim, os comportamentos possam ser descritos pelo viés psicológico. A história da vítima é a mesma de um sem números de moças interesseiras, dispostas a tudo para se dar bem. Um jogador, nestes casos, é mais uma presa, do que propriamente um futuro marido. Disse ela a uma amiga que ora figura como testemunha, ainda na fase de gestação. “Vou ganhar um apartamento em Belo Horizonte.” Ou como explicar que corresse riscos tão grandes, mesmo depois de quase abortar a força? Nem se conte as humilhações e agressões sofridas.
Há quem diga que foi ingenuidade. Excesso de confiança. Afinal um homem importante pagará bem para evitar escândalos, ainda mais neste momento, quando o Flamengo enfileirou seus principais jogadores em visitas e explicações ao Ministério Público e à polícia. É possível. De qualquer modo, os meandros desta história sugerem relações vazias, sexo, interesse e dinheiro, cujo principal cheque, para a vítima, era o filho na barriga.
O goleiro tinha planos confessos de riquezas e mais fama. Preso, fala displicentemente que agora teria ido por água abaixo o sonho de jogar a copa de 2014. Considerando os anos futuros que teria de atividade profissional, até contas do montante a ser ganho foi feito. Este homem inescrupuloso tinha muito a perder, nem tanto quanto julgou. A mulher carregando aquele rebento, pretendia ou um compromisso ou dinheiro e este homem não estava disposto a dar nenhum dos dois. A violência, pelo que se percebe, foi subindo o diapasão, à medida da insistência da vítima. Cercado de amigos da mais baixa índole, ouvir a sugestão ou o próprio sugerir a estes comparsas uma solução final para o problema não é difícil. Eis o resumo de um assassinato.
Tiago, o apóstolo, diz que cada um é tentado por sua própria cobiça quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Este triste e verdadeiro dístico cabe aos dois.
É claro que o papel da imprensa neste e em outros casos é fundamental. Não raro, o silêncio estimula a impunidade, especialmente se o(s) réu(s) pode(m) contratar bons advogados. O Código Penal costuma ser bastante útil em mãos hábeis e favorecer ao culpado com penas brandas e escapes de toda sorte.
A grande imprensa, por sua vez, meio cansada de repetir os mesmos atos do drama, envereda pelo caminho da modelagem dos casos à base de bem fundadas afirmações de especialistas de todo quilate. De advogados a juristas. De especialistas em segurança a sociólogos. Os que costumam causar maior frisson , entretanto, são os psiquiatras e/ou psicólogos. É a psicomedicalização dos crimes. E alguns profissionais nestas áreas não se furtam a falar o que lhe vem na telha ou o que melhor atende à gana dos repórteres que escarafuncham as razões mais bizarras.
Para utilizar a expressão de Hannah Arendt, a banalização do mal, ainda assim, mesmo acostumados à violência endêmica no país, alguns crimes sobrepassam este “razoável” a que se está calejado. Daí que, sem conseguir encaixá-lo nos parâmetros da barbárie comum, se manipulam explicações etéreas, subjetivas, até espirituais. Afinal, o diabo se presta bem para ser culpado nestes casos.
Atônitos ante as inescrutáveis razões que levam uma pessoa a perpetrar crimes hediondos, caminha-sepelos labirintos dos distúrbios mentais. Há de ter algum que contemple tamanha sanha, pensa-se. Especula-se, é o caso presente, que o goleiro Bruno teria sido abandonado pelos pais, fora criado por uma avó e, ao que parece, com vários problemas ao longo de seu desenvolvimento. A violência, ironicamente, até onde se sabe e teoriza, não figura no currículo do goleiro. Pelo menos até aqui, embora ele tenha argumentado em defesa do desastrado Adriano, companheiro de clube, que qualquer casal, de vez em quando, sai no braço. Há quem veja nisso o traço macabro de personalidade aflorando.
A pergunta clássica utilizada nestas situações é se haveria algum tipo de transtorno que explicaria a atitude daquele que comete crimes chocantes e com requintes de crueldade. Ora, é claro que há um sem número de razões, se utilizarmos qualquer das classificações de doenças – Catálogo Internacional de Doenças ( CID 10) ou o DSM IV –, basta achar os sintomas certos e voilá, encaixa-se quase qualquer atitude tresloucada. É, diria, um salvo conduto para o criminoso. Muitos não hesitam em lançar mão de tais meios para escapar da condenação, afinal, qualquer loucura é motivo para atenuar a pena. Nem sempre cola, como se sabe.
Há algo, contudo, que as pessoas resistem em admitir. Um crime pode simplesmente ser fruto da maldade humana. A perversidade, diferente dos animais, é também o que nos separa deles, mas gostamos mais de elencar nesta comparação a inteligência. Acontece que os animais não constroem razões nem lutam por elas na tentativa de preservar interesses, sejam eles quais forem. De Jesus a Freud, ou que se inclua os maiores pensadores que a raça humana já produziu, especialmente os poetas, poucos não exprimem, até com desalento, a crua verdade: carregamos todos a maldade dentro da alma. De algum modo, temos nosso gen de Caim. Adélia Prado, a poetisa mineira, reconhecendo este nosso lado sombrio diz de si mesma: “Toda vez que alguém diz fariseu, acho que é comigo.” (Cacos para um vitral, p. 80). No “Poema em linha reta”, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) também diz de si mesmo: “Eu, que venho sido vil, literalmente vil,... Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Depois da enxurrada de informações às escancaras na tv, pode-se concluir algumas coisas que, naturalmente, dispensam, patologias, ainda que, sim, os comportamentos possam ser descritos pelo viés psicológico. A história da vítima é a mesma de um sem números de moças interesseiras, dispostas a tudo para se dar bem. Um jogador, nestes casos, é mais uma presa, do que propriamente um futuro marido. Disse ela a uma amiga que ora figura como testemunha, ainda na fase de gestação. “Vou ganhar um apartamento em Belo Horizonte.” Ou como explicar que corresse riscos tão grandes, mesmo depois de quase abortar a força? Nem se conte as humilhações e agressões sofridas.
Há quem diga que foi ingenuidade. Excesso de confiança. Afinal um homem importante pagará bem para evitar escândalos, ainda mais neste momento, quando o Flamengo enfileirou seus principais jogadores em visitas e explicações ao Ministério Público e à polícia. É possível. De qualquer modo, os meandros desta história sugerem relações vazias, sexo, interesse e dinheiro, cujo principal cheque, para a vítima, era o filho na barriga.
O goleiro tinha planos confessos de riquezas e mais fama. Preso, fala displicentemente que agora teria ido por água abaixo o sonho de jogar a copa de 2014. Considerando os anos futuros que teria de atividade profissional, até contas do montante a ser ganho foi feito. Este homem inescrupuloso tinha muito a perder, nem tanto quanto julgou. A mulher carregando aquele rebento, pretendia ou um compromisso ou dinheiro e este homem não estava disposto a dar nenhum dos dois. A violência, pelo que se percebe, foi subindo o diapasão, à medida da insistência da vítima. Cercado de amigos da mais baixa índole, ouvir a sugestão ou o próprio sugerir a estes comparsas uma solução final para o problema não é difícil. Eis o resumo de um assassinato.
Tiago, o apóstolo, diz que cada um é tentado por sua própria cobiça quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Este triste e verdadeiro dístico cabe aos dois.
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