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Palavra do leitor

Mical, Bate – Seba e Tamar: encontros e desencontros!

‘’Pelejamos inexoravelmente por uma libertação periférica e nos esquecemos, além de incorremos na mais iníqua omissão, de tornar o centro livre das manchas da culpa e condenação!’’

A série Rei Davi apresenta as nuances de um personagem emblemático e peculiar. Não posso discordar, ao cotejarmos com as escrituras sagradas, indiscutivelmente, deparar – nos – emos com as interpretações e alterabilidades. Mesmo assim, o núcleo permanece incólume, ou seja, o tabuleiro de xadrez das conquistas, das perdas, dos malogros e das tensões, diga – se passagem, a flor da pele, vivenciadas pelo eterno pastor de ovelhas entretecido pelas vestes do soberano. Por ora, convido – lhes a firmar uma pausa e elucubrar nos meandros da história de Mical, de Bate – Seba e de Tamar. Sem titubear, vejo nessas três personagens os encontros e desencontros da vida, de situações, a priori, quiçá, desvencilhadas da rota. Em outras palavras, impactos ocorridos na beira do caminho e com consequências significativas. Nessa linha de especulações, desato as cordas e singro os oceanos de lágrimas não escoadas pela face e sim no silêncio do olhar de Mical. Desde o espertar de sua relação com Davi, Mical enfrentou os vaivens de, tão somente, permanecer de lado, ou de escanteio e carregar sobre si o estigma de ser um restolho da dinastia de Saul. Poderia dizer, algo a ser tolerado e suportado por Davi. Para que negar, a relação entre Davi e Mical sempre esteve numa espécie de interpretação abstrata e equidistante da crua e nua dimensão de uma mulher envolta por uma simultaneidade de derrocadas e flagelos. Afinal de contas, a esterilidade constituía no mais letal efeito para uma mulher, naquele contexto. Não bastasse tal situação, ainda veia a se deparar com as aventuras amorosas de seu soberano e o mais dantesco de tudo ser preterida, precipuamente, na vinda de Bate – Seba para o reino. Lastimavelmente, para Mical nada mais houve, senão o ostracismo e o esquecimento. Não por menos, Bate – Seba representa a protagonista, ou o pomo de discórdia, de catástrofes instaladas na sua própria raiz familiar. O adultério cometido com Davi, expressamente, solapou não apenas uma vertente de honra familiar, mas sim trouxe o desdobrar de intrigas e ações insidiosas que culminaram na morte de Urias, por exemplo. Além do mais, enfrento os olhares de soslaio de ter sido o agente suscitador de profundas e avassaladoras mazelas. Ai adentramos na trajetória de Tamar, a filha de Davi, vista como a relva da manhã, o olhar análogo a um leito de águas cândidas e uma veia poética de inspiração e vislumbre. Muito embora, o desfecho da paixão funesta de Amnon acarretou escombros irremovíveis, acabamos por parar no literal estupro e abrir uma vala para Tamar. Ninguém procurou ouvi – la no arrefecer do episódio e tudo indica ter sido colocado panos quentes e creditar no antídoto oferecido pelo tempo. O quanto respectiva situação acabou por ser desencadeadora de torpezas assaz encabeçadas por Absalão, infelizmente, uma marionete nas mãos de Aitofel. Atentemos para os encontros e desencontros dessas mulheres e percebermos o quanto a bíblia personifica as perfídias cometidas pelo ser humano, em função de lograr a satisfação de seus impulsos volitivos, de suas aspirações em prol do poder, de uma necessidade de ser aceito e reconhecido.

Alias, devo dizer, passo a léguas de distancia de defender uma e outra; entretanto, essas personagens retratam paradigmaticamente específicos acontecimentos na trajetória da vida e, sem qualquer fatalismo, ou uma patética teoria de conspiração do destino, ou que tudo estava selado nas cartas, há uma via de recomeço e a narrativa da mulher encontrada em adultério e levada pelos opositores de Jesus açulados na intenção de gestar uma situação de constrangimento e falibilidade.

Diametralmente oposto, as palavras evocadas pelo Mestre patentearam não a erradicação da lei, abordou o enfoque de através de o seu sacrifício tudo ter encontrado sentido, destino e motivo de ser. Deveras, a Igreja de Cristo, ou seja, pessoas compromissadas em decidir pelo itinerário da encarnação, da crucificação e da ressurreição e comprometida com o serviço, o discipulado e o evangelismo, entranhada na perspectiva tangível e suscetível de ser uma realidade de vínculos de reaceitação e recomeços, deve ser o espaço adequado para amparar os vitimados pelos encontros e desencontros.

Acredito, com veemência, a partir dessa panorâmica de ir ao outro e abordá – ló como próximo, conseguirá delinear condições indubitáveis do evangelho das boas – novas, das palavras e ações simples, do evangelho alforriado dos murais e dos vitrais, das indumentárias e dos vernizes das retóricas e das apologéticas desvencilhadas das vicissitudes do cotidiano. Eis o desafio a ser sobrepujada por cada cristão ainda inconformado com o presente século de dissertações espúrias de um cristo a venda, ou de um cristo mumificado em ideologias.
São Paulo - SP
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