Palavra do leitor
- 08 de maio de 2013
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Menores, rebeldes e com causa
Nos idos de 80, havia uma verdadeira avalanche de meninos de rua perambulando pelo centro de Belo Horizonte e causando certo pânico na população (feminina e idosa em especial).
Um grupo da igreja que participava - uma protestante de classe média - resolvera ir lá na FEBEM do Horto, em BH, e passar algumas horas com aquelas crianças marginalizadas. O grupo que visitava aquele misto de prisão e abrigo infantil repetia, ali, aquilo que se fazia, lá, na EBD com as crianças da igreja. A Bíblia era lida, músicas eram cantadas, fazia-se brincadeiras, e uma breve pregação de cunho moral e catequético era deixada para trás. De material mesmo, pouco ou nada era oferecido para as crianças ou famílias. Talvez um chocolatezinho na Páscoa ou uma roupinha usada no Natal.
Duas situações vividas ali me marcaram: Um menininha - de uns cinco anos talvez - me agarrava insistentemente o braço e me chamava de pai. Numa carência indescritível. Se eu possuísse os recursos na época, a teria levado pra casa e adotado. Mas porque eu? O mais miserável ali, teria que arcar com essa tamanha responsabilidade? Algo não batia.
Em uma outra ocasião. Sentei-me no pátio, ao lado de um daqueles “pivetes”, com seus sete ou oito anos - olhar de vinte ou quarenta. Puxei assunto. A voz rouca do menino, o tom sério, a amargura e as palavras que diziam, de morte e assassinato me chocaram e deprimiram. Não poderia ser verdade! Fiquei a imaginar o que aquele carinha já não teria experimentado, visto e vivido... O que nós, sociedade, fizéramos (ou deixamos de fazer) para que aquele menininho ficasse assim? Qual futuro ele não teria?
Eu voltava para casa emocionalmente arrebentado. Adolescente que era, “recém convertido” ao protestantismo, carecia urgentemente de estruturar minha nova Weltanschauung.
Minhas raízes eram outras. Eu chegara do movimento vicentino da igreja católica. Ajudar os pobres era uma certa rotina lá em casa. Estávamos frequentemente em favelas, barracos e abrigos acompanhando meus pais em suas peregrinações assistenciais. Não havia necessidade de uma análise teológica mais profunda para isso, pois, como bons católicos, sabíamos muito bem do valor das boas obras em nossa salvação. Não havia necessidade de proselitismo ou fazer com que alguém “aceitasse Jesus”, pois evidentemente os pobres assistidos já eram católicos, batizados e portanto, salvos.
Agora, como evangélico a coisa mudaria… Teologia da Libertação era, obviamente, heresia. E iniciativas sociais não eram assim muito bem vistas - ainda que só de cunho evangelístico, como aquela.
A vida avançava velozmente e aquelas pobres crianças necessitavam muito mais de algo substancial, e não de belos jargões religiosos.
Não demorou muito tratei de engajar-me profissionalmente em uma Missão Evangélica (Holandesa) que investia pesado (ou pelo menos, de forma estruturada) em crianças e famílias em uma região pobre de Minas. Sabia não estar nem de longe resolvendo o problema, estava porém fazendo minha parte, minha obrigação, e isto no momento me bastava.
Hoje, como escrevi em “ávida como ela é”, não sou mais confrontado em meu cotidiano com as mazelas sociais do Brasil. Até que começou a pipocar nas redes sociais campanhas prós e contras a redução da maioridade penal.
Nossa infâmia salta então novamente aos olhos quando um menor assassina alguém cruelmente nas ruas de uma metrópole. E o problema é posto mais uma vez sobre a mesa, com tempero e tônica diferentes.
Sem achar respostas satisfatórias apelamos para a “mais simples”. Não conseguimos combater as causas da doença, que se neutralize os sintomas: taca o sujeito numa cadeia de verdade, por um tempo infinito. Pronto, as ruas se tornarão mais seguras! Mas até quando?
Nessa hora a nação deveria parar. Há que se fazer um diagnóstico objetivo, profundo e sério desses casos. Para então se atacar pesada e sistematicamente as verdadeiras causas dessa doença social, que é crônica e aparentemente sem solução.
Sei que incontáveis iniciativas, do lado evangélico, católico, espírita e até mesmo, pasmem, governamentais vem tentando amenizar o problema de várias maneiras. E temos que admitir que o Brasil, ainda que lentamente, tem conseguido progredir e apresentar outros números para índices horrorosos de, por exemplo, mortalidade infantil, de escolaridade infantil, distribuição de renda e etc..
Todavia se medidas mais estruturais e radicais não ocorrerem a criminalidade infantil lamentavelmente persistirá. As questões são urgentes e atreladas umas às outras. A população (através de seus políticos, e seus líderes religiosos) deveriam saber e decidir por onde começar. Mas onde acharemos vontade política para tanto?
Não serão os que, já em tenra infância, passaram por todo tipo de humilhação, privações e desafetos que se tornarão de repente em santinhos. Pelo contrário, se tornarão, voluntariamente ou não, ocasionalmente ou não, em Rebeldes com causa, em marginas e assassinos. E depois nos perguntaremos: Por que será que é assim?!!
Um grupo da igreja que participava - uma protestante de classe média - resolvera ir lá na FEBEM do Horto, em BH, e passar algumas horas com aquelas crianças marginalizadas. O grupo que visitava aquele misto de prisão e abrigo infantil repetia, ali, aquilo que se fazia, lá, na EBD com as crianças da igreja. A Bíblia era lida, músicas eram cantadas, fazia-se brincadeiras, e uma breve pregação de cunho moral e catequético era deixada para trás. De material mesmo, pouco ou nada era oferecido para as crianças ou famílias. Talvez um chocolatezinho na Páscoa ou uma roupinha usada no Natal.
Duas situações vividas ali me marcaram: Um menininha - de uns cinco anos talvez - me agarrava insistentemente o braço e me chamava de pai. Numa carência indescritível. Se eu possuísse os recursos na época, a teria levado pra casa e adotado. Mas porque eu? O mais miserável ali, teria que arcar com essa tamanha responsabilidade? Algo não batia.
Em uma outra ocasião. Sentei-me no pátio, ao lado de um daqueles “pivetes”, com seus sete ou oito anos - olhar de vinte ou quarenta. Puxei assunto. A voz rouca do menino, o tom sério, a amargura e as palavras que diziam, de morte e assassinato me chocaram e deprimiram. Não poderia ser verdade! Fiquei a imaginar o que aquele carinha já não teria experimentado, visto e vivido... O que nós, sociedade, fizéramos (ou deixamos de fazer) para que aquele menininho ficasse assim? Qual futuro ele não teria?
Eu voltava para casa emocionalmente arrebentado. Adolescente que era, “recém convertido” ao protestantismo, carecia urgentemente de estruturar minha nova Weltanschauung.
Minhas raízes eram outras. Eu chegara do movimento vicentino da igreja católica. Ajudar os pobres era uma certa rotina lá em casa. Estávamos frequentemente em favelas, barracos e abrigos acompanhando meus pais em suas peregrinações assistenciais. Não havia necessidade de uma análise teológica mais profunda para isso, pois, como bons católicos, sabíamos muito bem do valor das boas obras em nossa salvação. Não havia necessidade de proselitismo ou fazer com que alguém “aceitasse Jesus”, pois evidentemente os pobres assistidos já eram católicos, batizados e portanto, salvos.
Agora, como evangélico a coisa mudaria… Teologia da Libertação era, obviamente, heresia. E iniciativas sociais não eram assim muito bem vistas - ainda que só de cunho evangelístico, como aquela.
A vida avançava velozmente e aquelas pobres crianças necessitavam muito mais de algo substancial, e não de belos jargões religiosos.
Não demorou muito tratei de engajar-me profissionalmente em uma Missão Evangélica (Holandesa) que investia pesado (ou pelo menos, de forma estruturada) em crianças e famílias em uma região pobre de Minas. Sabia não estar nem de longe resolvendo o problema, estava porém fazendo minha parte, minha obrigação, e isto no momento me bastava.
Hoje, como escrevi em “ávida como ela é”, não sou mais confrontado em meu cotidiano com as mazelas sociais do Brasil. Até que começou a pipocar nas redes sociais campanhas prós e contras a redução da maioridade penal.
Nossa infâmia salta então novamente aos olhos quando um menor assassina alguém cruelmente nas ruas de uma metrópole. E o problema é posto mais uma vez sobre a mesa, com tempero e tônica diferentes.
Sem achar respostas satisfatórias apelamos para a “mais simples”. Não conseguimos combater as causas da doença, que se neutralize os sintomas: taca o sujeito numa cadeia de verdade, por um tempo infinito. Pronto, as ruas se tornarão mais seguras! Mas até quando?
Nessa hora a nação deveria parar. Há que se fazer um diagnóstico objetivo, profundo e sério desses casos. Para então se atacar pesada e sistematicamente as verdadeiras causas dessa doença social, que é crônica e aparentemente sem solução.
Sei que incontáveis iniciativas, do lado evangélico, católico, espírita e até mesmo, pasmem, governamentais vem tentando amenizar o problema de várias maneiras. E temos que admitir que o Brasil, ainda que lentamente, tem conseguido progredir e apresentar outros números para índices horrorosos de, por exemplo, mortalidade infantil, de escolaridade infantil, distribuição de renda e etc..
Todavia se medidas mais estruturais e radicais não ocorrerem a criminalidade infantil lamentavelmente persistirá. As questões são urgentes e atreladas umas às outras. A população (através de seus políticos, e seus líderes religiosos) deveriam saber e decidir por onde começar. Mas onde acharemos vontade política para tanto?
Não serão os que, já em tenra infância, passaram por todo tipo de humilhação, privações e desafetos que se tornarão de repente em santinhos. Pelo contrário, se tornarão, voluntariamente ou não, ocasionalmente ou não, em Rebeldes com causa, em marginas e assassinos. E depois nos perguntaremos: Por que será que é assim?!!
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