Palavra do leitor
- 11 de setembro de 2009
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Maus dias
- Pai, todo mundo vai estar lá. Não adianta! Eu vou e pronto! – O pai olhou com certa tristeza o semblante decidido e irredutível do filho e viu que não adiantaria tentar argumentar. Resignou-se. Afinal o menino já era maior de idade e ele, muito velho para mais uma discussão que sabia inútil. Mesmo porque, muito do temperamento do filho vinha dele mesmo. Quando jovem também era assim: impulsivo e teimoso. Um bom cabeça-dura pra dizer a verdade. Mas a experiência lhe tinha mostrado que nem sempre valia à pena encarar a vida dessa maneira. Queria ensinar isso ao filho. Fazia força para fazê-lo enxergar que em determinadas ocasiões a hombridade se mostrava na humildade de reconhecer que o outro é que está com a razão. Mas o menino parecia não querer aprender e o velho temia que essa lição viesse da pior maneira.
- Está bem, meu filho. – retrucou o pai – Deixe-me apenas lhe dizer uma coisa. O homem caminhou até a mesa, pegou a velha Bíblia, com as bordas das páginas já desbotadas, abriu e leu para o filho: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: não tenho neles contentamento”. Dito isso, o pai aproximou-se do filho e beijou-lhe a testa. – Tome cuidado. – Foi a última coisa que disse. Sentou-se no sofá e começou a ler a Bíblia. O menino ouviu atento o versículo e até pareceu sensibilizado. Especialmente com a parte dos “maus dias”. Mas logo se virou, pegou as chaves do carro e saiu sem dizer uma palavra.
Dentro da boate toda a vida cabia num copo de uísque barato. O agora se transformara no tempo infinito e nada mais importava a não ser entregar-se, sem culpa, àquilo pelo que o corpo anseia e a alma deseja. A música ensurdecedora e a sensação de liberdade plena e absoluta, potencializada pelo álcool, ajudavam a deixar do lado de fora da pista de dança tudo o que não servia ao prazer puro e simples. Enquanto ele se acabava de dançar, seu olhar cruzou com outro cujo magnetismo ele jamais experimentara antes. Um olhar azul turquesa, cintilante, enigmático, hipnótico, que o seduziu e atraiu, como as flores às abelhas. Tudo ao seu redor pareceu parar no tempo e no espaço, preso que ficou àquele olhar irresistível.
Ele se aproximou e perguntou o nome dela. Mas, para sua infelicidade, ela não estava sozinha. E quem a acompanhava não queria que ninguém soubesse seu nome. O guardião do olhar cintilante ficou de pé e o menino pôde ver o tamanho da enrascada em que se metera. Ele tinha as orelhas deformadas, típicas de quem se esfrega com frequencia num tatame de jiu-jítsu. O menino levantou as mãos espalmadas num sinal de que não queria confusão, tentando sinalizar que tudo tinha sido apenas um mal-entendido. Mas não adiantou. O homem de orelhas deformadas começou a dar-lhe empurrões, como alguém que quer arrombar uma porta de madeira maciça. Num desses empurrões o menino esbarrou em alguém que estava atrás dele. Este se virou querendo saber quem era o imbecil que lhe fizera derramar toda a cerveja na própria roupa. E o clima azedou de vez. Empurrão daqui e de lá, a pancadaria generalizada começou. O menino tentou sair do meio da confusão, mas quando ia escapando sentiu a cadeirada nas costas. Tão forte que quase pôde ouvir o som dos seus ossos se quebrando. Caiu imediatamente no chão e lá ficou, estrebuchando, vendo tudo escurecer.
Quatro dias depois ele acorda numa cama de hospital. Não se lembra de nada do que aconteceu naquela noite. Tem medo, pois o lugar lhe é estranho. Sente-se mal. Sente no rosto a máscara de oxigênio. Olha em redor e não vê nada que lhe seja familiar, nada que lhe faça sentir-se mais confortável. Tenta se mexer, retirar do rosto a máscara incômoda, mas não consegue. Sente uma dormência no corpo como se estivesse sedado. Neste momento alguém entra no quarto. É seu pai, acompanhado de um senhor de jaleco branco. Ele fica feliz com a imagem daquele a quem ama. O pai tem os olhos vermelhos, como alguém que chora há dias. O homem de branco lhe faz algumas perguntas, as quais ele responde apenas balançando a cabeça. O médico então começa a lhe explicar porque ele está ali. Um amontoado de palavras desconexas e sem sentido. Ele não compreende aquelas palavras esparsas: “irreversível”, “vértebras”, “lesão”. Não quer saber disso. Olha para o pai em desespero. O pai faz um sinal para o médico, que interrompe sua meticulosa explanação. O pai retira a máscara de oxigênio, pega firme na mão do filho e diz: - a dormência que você sente no corpo meu filho... Quando enfim ele compreende. Não há nada que possa ser feito e nada mais há que precise ser dito. O pai o abraça e ambos choram grudados um no outro.
Neste momento o menino lembrou-se das palavras de seu pai: “Lembra-te do teu Criador... antes que venham os maus dias...” Os seus maus dias haviam chegado. Mais cedo do que ele imaginava.
- Está bem, meu filho. – retrucou o pai – Deixe-me apenas lhe dizer uma coisa. O homem caminhou até a mesa, pegou a velha Bíblia, com as bordas das páginas já desbotadas, abriu e leu para o filho: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: não tenho neles contentamento”. Dito isso, o pai aproximou-se do filho e beijou-lhe a testa. – Tome cuidado. – Foi a última coisa que disse. Sentou-se no sofá e começou a ler a Bíblia. O menino ouviu atento o versículo e até pareceu sensibilizado. Especialmente com a parte dos “maus dias”. Mas logo se virou, pegou as chaves do carro e saiu sem dizer uma palavra.
Dentro da boate toda a vida cabia num copo de uísque barato. O agora se transformara no tempo infinito e nada mais importava a não ser entregar-se, sem culpa, àquilo pelo que o corpo anseia e a alma deseja. A música ensurdecedora e a sensação de liberdade plena e absoluta, potencializada pelo álcool, ajudavam a deixar do lado de fora da pista de dança tudo o que não servia ao prazer puro e simples. Enquanto ele se acabava de dançar, seu olhar cruzou com outro cujo magnetismo ele jamais experimentara antes. Um olhar azul turquesa, cintilante, enigmático, hipnótico, que o seduziu e atraiu, como as flores às abelhas. Tudo ao seu redor pareceu parar no tempo e no espaço, preso que ficou àquele olhar irresistível.
Ele se aproximou e perguntou o nome dela. Mas, para sua infelicidade, ela não estava sozinha. E quem a acompanhava não queria que ninguém soubesse seu nome. O guardião do olhar cintilante ficou de pé e o menino pôde ver o tamanho da enrascada em que se metera. Ele tinha as orelhas deformadas, típicas de quem se esfrega com frequencia num tatame de jiu-jítsu. O menino levantou as mãos espalmadas num sinal de que não queria confusão, tentando sinalizar que tudo tinha sido apenas um mal-entendido. Mas não adiantou. O homem de orelhas deformadas começou a dar-lhe empurrões, como alguém que quer arrombar uma porta de madeira maciça. Num desses empurrões o menino esbarrou em alguém que estava atrás dele. Este se virou querendo saber quem era o imbecil que lhe fizera derramar toda a cerveja na própria roupa. E o clima azedou de vez. Empurrão daqui e de lá, a pancadaria generalizada começou. O menino tentou sair do meio da confusão, mas quando ia escapando sentiu a cadeirada nas costas. Tão forte que quase pôde ouvir o som dos seus ossos se quebrando. Caiu imediatamente no chão e lá ficou, estrebuchando, vendo tudo escurecer.
Quatro dias depois ele acorda numa cama de hospital. Não se lembra de nada do que aconteceu naquela noite. Tem medo, pois o lugar lhe é estranho. Sente-se mal. Sente no rosto a máscara de oxigênio. Olha em redor e não vê nada que lhe seja familiar, nada que lhe faça sentir-se mais confortável. Tenta se mexer, retirar do rosto a máscara incômoda, mas não consegue. Sente uma dormência no corpo como se estivesse sedado. Neste momento alguém entra no quarto. É seu pai, acompanhado de um senhor de jaleco branco. Ele fica feliz com a imagem daquele a quem ama. O pai tem os olhos vermelhos, como alguém que chora há dias. O homem de branco lhe faz algumas perguntas, as quais ele responde apenas balançando a cabeça. O médico então começa a lhe explicar porque ele está ali. Um amontoado de palavras desconexas e sem sentido. Ele não compreende aquelas palavras esparsas: “irreversível”, “vértebras”, “lesão”. Não quer saber disso. Olha para o pai em desespero. O pai faz um sinal para o médico, que interrompe sua meticulosa explanação. O pai retira a máscara de oxigênio, pega firme na mão do filho e diz: - a dormência que você sente no corpo meu filho... Quando enfim ele compreende. Não há nada que possa ser feito e nada mais há que precise ser dito. O pai o abraça e ambos choram grudados um no outro.
Neste momento o menino lembrou-se das palavras de seu pai: “Lembra-te do teu Criador... antes que venham os maus dias...” Os seus maus dias haviam chegado. Mais cedo do que ele imaginava.
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