Palavra do leitor
- 04 de agosto de 2009
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Eu, interno...
Jamais me sentira tão desamparo com naqueles 16 de março; meu primeiro dia como interno no centro de recuperação de mendigos da Missão Vida. Em nenhuma outra ocasião, nem na prisão, odiara tanta gente ao mesmo tempo; desesperei.
Não pude suportar a entrevista, o quarto 18, os outros internos, o jantar, o culto; eu perdera. Falira em todas as minhas tentativas de ser feliz sem Deus; nada de bom pra recordar. Um derrotado de volta à casa de Deus, meus juramentos estavam quebrados; de volta à presença d’Aquele que eu tentara ignorar.
Já tarde, no quarto 18 eu entendi o porquê da frase: "Passar um filme em minha cabeça". Naquela noite tive sessão dupla; falar pelos outros internos não posso, mas afirmo que o primeiro pensamento geral é: "Como vim parar aqui?" E o filme em nossas cabeças, certamente tem dado respostas contundentes, desconcertantes.
Longe de dizer que me desapontara com a Missão Vida, tudo aqui é pensado visando o conforto e a praticidade, nada está fora do lugar; é quase a nossa casa, guardadas as proporções. Aqui é possível passar a noite quase em paz.
Não era a Missão Vida o problema, mas eu, e a minha vida sem meio e, quase no fim. Minha dolorosa tarefa era tentar compreender a minha própria trajetória, começando no dia no qual engolira dois comprimidos, uma dose de run, e jurara ser o mundo. Assim resumi: Viciado, ladrão, cobrador do tráfico, cão de guarda... Crente, estudante, cinegrafista, evangelista, seminarista, missionário... Relapso, arrogante, soberbo, alcoólatra, mentiroso, desempregado, ladrão, mendigo... Ladrão de mendigos.
Era muito, era demais para os meus 38 anos, alguns destes sendo crente; era pra arrumar a trouxa e me mandar, “Nem o Deus da Missão Vida podia me ajudar!” Aquilo tudo, aquele papo de perdoar deveria ser bom pra outros; não servia pra mim. Passei.
Era tão perdedor que nem mesmo o afeto do pastor Arnaldo, a paciência amorosa do pastor Domingos e o amor exigente e cheio de broncas do pastor Antônio Silva me faziam reagir. Aquilo parecia não ter futuro.
Tentaram encaixar-me na construção civil, mas eu não conseguia erguer a lata de 20 quilos. Valentemente resisti por três dias; compadecida, Dª Cleide me mandou varrer o chão, serviço leve, mas a sensação de “espaço aberto” me enjoava. Tremia em lugares abertos.
Insone, dependente de 19 comprimidos/dia em troca de duas horas de sono ruim; arrastava-me. Passar o dia no arrozal espantando passarinhos da plantação era a minha terapia, e começava, sem que eu percebesse, a tornar-se a mão de Deus em mim.
O pavor de cobras me fez pensar em orar, nunca orara com responsabilidade, mas eram tantas as cobras que apareciam no arrozal, que “Só Deus na causa!” E então fiz aquilo que era meu costume: li todos os livros sobre oração; só não orei.
Até encontrar uma cascavel, eu e ela, e o temido guiso, (mamãe disse que é chocalho) e não tive escolha, orei como nunca orara antes e não sei de onde arranquei coragem, e matei a cascavel. Foi um evento! Guardei a cobra, depois esfolei a dita cuja, guardei o couro (me furtaram o couro) e dei o guiso pro Joninhas chaveiro, e jamais fui tão grato a Deus.
Assim eu descia todos os dias, orando em voz alta (cobra escuta?); por estes tempos o pastor Arnaldo me visitou no arrozal, foi o gesto mais amigável que me lembro; eu era um restolho, complicado até pra falar, e ele ficou ali, quis ouvir e ouviu a minha história, e disse coisas que só o coração de pai que só ele tem poderia dizer. Quando se foi, deixou um homem transtornado.
Procurei minhas raivas, ressentimentos e, nada. Até do pastor Antônio Silva eu começara a gostar, e da Dª Joana; no início era impossível não sentir raiva deles, meu coração se fechava cada vez que os encontrava, olhava pro chão e seguia; um sentimento de revolta me invadia, sempre.
Após o culto final do retiro de homens daquele ano (leia: A despeito de nós – 26/02/2009 – nesta seção) eu simplesmente passei a orar, simples assim, o episódio com a cascavel despertara-me quanto à necessidade de orar, mas agora eu sabia que sem oração não iria muito longe.
Poder afirmar, sem rodeios, que sou um milagre custou caro; ao Cristo custou a cruz; custou-me entender, crer, querer, submeter. Sou um milagre não por deixar de beber álcool combustível, roubar ou mendigar somente, mas por deixar de ser otário e aceitar que, sem Deus eu nunca fui nem serei alguém que valha algo. Deus me ama!
Nesta hora nada é mais importante do que tentar expressar gratidão! É isso que tento agora, ser grato a Deus, dizer isso a Ele, totalmente sem jeito já que não aprendi a mostrar gratidão nos seguidos anos de vício e roubo e violência; ser grato ao pastor Wildo por ter atendido o chamado de Deus e dedicar sua vida, toda ela a cuidar de gente como eu. Ser grato aos que nos alimentam na Missão Vida enquanto somos recuperados para um dia, poder voltar pra casa.
(ex-interno do centro de recuperação de mendigos – Missão Vida)
www.mvida.org.br conheça-nos!
Não pude suportar a entrevista, o quarto 18, os outros internos, o jantar, o culto; eu perdera. Falira em todas as minhas tentativas de ser feliz sem Deus; nada de bom pra recordar. Um derrotado de volta à casa de Deus, meus juramentos estavam quebrados; de volta à presença d’Aquele que eu tentara ignorar.
Já tarde, no quarto 18 eu entendi o porquê da frase: "Passar um filme em minha cabeça". Naquela noite tive sessão dupla; falar pelos outros internos não posso, mas afirmo que o primeiro pensamento geral é: "Como vim parar aqui?" E o filme em nossas cabeças, certamente tem dado respostas contundentes, desconcertantes.
Longe de dizer que me desapontara com a Missão Vida, tudo aqui é pensado visando o conforto e a praticidade, nada está fora do lugar; é quase a nossa casa, guardadas as proporções. Aqui é possível passar a noite quase em paz.
Não era a Missão Vida o problema, mas eu, e a minha vida sem meio e, quase no fim. Minha dolorosa tarefa era tentar compreender a minha própria trajetória, começando no dia no qual engolira dois comprimidos, uma dose de run, e jurara ser o mundo. Assim resumi: Viciado, ladrão, cobrador do tráfico, cão de guarda... Crente, estudante, cinegrafista, evangelista, seminarista, missionário... Relapso, arrogante, soberbo, alcoólatra, mentiroso, desempregado, ladrão, mendigo... Ladrão de mendigos.
Era muito, era demais para os meus 38 anos, alguns destes sendo crente; era pra arrumar a trouxa e me mandar, “Nem o Deus da Missão Vida podia me ajudar!” Aquilo tudo, aquele papo de perdoar deveria ser bom pra outros; não servia pra mim. Passei.
Era tão perdedor que nem mesmo o afeto do pastor Arnaldo, a paciência amorosa do pastor Domingos e o amor exigente e cheio de broncas do pastor Antônio Silva me faziam reagir. Aquilo parecia não ter futuro.
Tentaram encaixar-me na construção civil, mas eu não conseguia erguer a lata de 20 quilos. Valentemente resisti por três dias; compadecida, Dª Cleide me mandou varrer o chão, serviço leve, mas a sensação de “espaço aberto” me enjoava. Tremia em lugares abertos.
Insone, dependente de 19 comprimidos/dia em troca de duas horas de sono ruim; arrastava-me. Passar o dia no arrozal espantando passarinhos da plantação era a minha terapia, e começava, sem que eu percebesse, a tornar-se a mão de Deus em mim.
O pavor de cobras me fez pensar em orar, nunca orara com responsabilidade, mas eram tantas as cobras que apareciam no arrozal, que “Só Deus na causa!” E então fiz aquilo que era meu costume: li todos os livros sobre oração; só não orei.
Até encontrar uma cascavel, eu e ela, e o temido guiso, (mamãe disse que é chocalho) e não tive escolha, orei como nunca orara antes e não sei de onde arranquei coragem, e matei a cascavel. Foi um evento! Guardei a cobra, depois esfolei a dita cuja, guardei o couro (me furtaram o couro) e dei o guiso pro Joninhas chaveiro, e jamais fui tão grato a Deus.
Assim eu descia todos os dias, orando em voz alta (cobra escuta?); por estes tempos o pastor Arnaldo me visitou no arrozal, foi o gesto mais amigável que me lembro; eu era um restolho, complicado até pra falar, e ele ficou ali, quis ouvir e ouviu a minha história, e disse coisas que só o coração de pai que só ele tem poderia dizer. Quando se foi, deixou um homem transtornado.
Procurei minhas raivas, ressentimentos e, nada. Até do pastor Antônio Silva eu começara a gostar, e da Dª Joana; no início era impossível não sentir raiva deles, meu coração se fechava cada vez que os encontrava, olhava pro chão e seguia; um sentimento de revolta me invadia, sempre.
Após o culto final do retiro de homens daquele ano (leia: A despeito de nós – 26/02/2009 – nesta seção) eu simplesmente passei a orar, simples assim, o episódio com a cascavel despertara-me quanto à necessidade de orar, mas agora eu sabia que sem oração não iria muito longe.
Poder afirmar, sem rodeios, que sou um milagre custou caro; ao Cristo custou a cruz; custou-me entender, crer, querer, submeter. Sou um milagre não por deixar de beber álcool combustível, roubar ou mendigar somente, mas por deixar de ser otário e aceitar que, sem Deus eu nunca fui nem serei alguém que valha algo. Deus me ama!
Nesta hora nada é mais importante do que tentar expressar gratidão! É isso que tento agora, ser grato a Deus, dizer isso a Ele, totalmente sem jeito já que não aprendi a mostrar gratidão nos seguidos anos de vício e roubo e violência; ser grato ao pastor Wildo por ter atendido o chamado de Deus e dedicar sua vida, toda ela a cuidar de gente como eu. Ser grato aos que nos alimentam na Missão Vida enquanto somos recuperados para um dia, poder voltar pra casa.
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