Palavra do leitor
- 09 de dezembro de 2013
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Eu Amo Gente! (parte 3)
Vivo de quando em vez um conflito interessante acerca das implicações de amar a Deus sobre todas as coisas, pois que alardeamos amar a Deus, que por Ele faríamos de um tudo e tal, não obstante, somos desobedientes na mais óbvia e espinhosa tarefa do cristianismo que é: amar as pessoas como eu amo a minha própria carne “como se não houvesse amanhã”! Amar é serviço e prática, não é sentimento.
Sabe quando declaramos insistentemente nosso amor por Deus, mas não conseguimos conviver, partilhar, suportar, tolerar, relevar, perdoar, ceder e todos os outros termos apropriados e inerentes à prática do amor? Pode parecer estranho um “casca grossa” escrevendo sobre amor, entretanto é exatamente de caras como eu que você pode esperar coisas assim, foi o amor de muitas pessoas que me transportou até agora e aqui.
Deixei de me aborrecer com gente que estampa no para-brisas os dizeres: “Prefiro bichos que gente”! Uma vez que fui vocacionado pra amar gente, é gente que eu amo mesmo as mais detestáveis criaturas que vez por outra o Senhor faz atravessar aquele portão, eu as amo; não, eu não disse que me derreto em salamaleques, disse que as amo, faço o melhor que aprendi para caminhar ao lado delas, e conduzi-las, por graça a uma vida nova, com dignidade e esperança.
Retomo a questão de amar gente por conta do esfriamento das relações entre as pessoas “de Deus”, entre as gentes trazidas para amar e servir, no entanto desamam e oprimem, e desprezam; qual a porção de “nós” é entregue na cotidiana lida com gente? Ou somos cada dia mais opacos e inalcançáveis e irrelevantes?
Mesmo em instituições como a Missão Vida é possível perceber o conflito, em mim e certamente nos outros; é fácil amar o Pr. Wildo, pela pessoa, postura, pela história dele, contudo, amar homens rudes e embrutecidos pelas ruas é nossa valsa e cartilha; titubeio entre rir e chorar todos os dias, ainda não sei amar como convém, nem orar direito sobre o assunto eu consigo; “amar é coisa séria pra danar”, diz Tino Gomes.
É mais provável encontrar atenção nas ruas do que na maioria das igrejas; já percebeu que deixaram de apresentar os visitantes? Não perguntam mais o nome da gente nem quem nos levou e tal, essa era a parte que eu mais gostava quando visitava uma igreja! Agora eu entro mudo e saio calado, entro anônimo e saio desconhecido, só e sem um aperto de mão; tem pastor que cumprimenta por atacado, pra não se relacionar, não se envolver, pois saber o nome implica em conhecer e conhecer implica em amar e servir e aí já fica complicado demais, conflitos até de agenda, gente sem tempo pra amar e servir. Putz!
Eu amo tia Lourdes e tia Walquília por uma razão simples, elas são adoráveis.
Eu amo e sou absolutamente leal ao Reverendo Wildo, mas minha vocação não é amar duas senhoras gentis ou um moço bem vestido, culto, dinâmico, inteligente e sempre com a resposta exata para minhas dificuldades administrativas e de quando em vez, pessoais. Não o amo por vocação, mas por conhecê-lo.
Minha vocação é me deixar gastar e ser efetivamente gasto na caminhada duríssima e dolorosa que é o programa de recuperação de mendigos da Missão Vida, e antes que pensem que teorizo se lembrem de que sou ex-morador de rua e fui recuperado aqui, conheço cada noite sem drogas, sem violência e sem álcool, conheço o aterrorizante calvário que é aprender a obedecer outra vez e respeitar limites depois de viver de qualquer jeito por tempo demais.
Conheço a frustração de perceber essas pessoas cuidando de mim e me amando quando eu não me amava nem de mim cuidava, há tempos; comida nova, cama limpa e tratamento digno podem muito, mas causam certo desconforto por não merecê-los, mas recebê-los de forma tão bela, gratuitamente. Nunca vou conseguir falar sobre minha vida de interno sem me comover profundamente.
Não sirvo a cada interno por gratidão ao pastor, se fosse só pra demonstrar gratidão eu lhe daria um abraço forte (ele gosta de abraços!) e me mandaria pra casa; mas foi aqui que aprendi amar e servir, a duras penas, desistindo e reconsiderando inúmeras vezes por noite e dia, aprendi amar sem esperar retribuição, aprendi amar da pior e mais difícil maneira: amando.
Amo a Deus ainda que fácil não seja servir a quem nunca vi; tem sido meu desafio, sequer sei o que Ele pensa de mim, mas amo verdadeiramente, até mesmo olho de soslaio quando faço algo muito bem feito ou muito mal feito, aquela certeza boa de que Ele está por perto.
Amar pessoas implica em amar cada parte do caráter ou falta dele, nelas; respeitar as diferenças muitas e as semelhanças constrangedoras.
Permaneço na vocação para a qual fui tirado da minha antiga vida, até onde consigo perceber minha tarefa é servir e servir em amor; mesmo quando o sorriso é difícil, a recompensa nenhuma e os dias tão iguais em tudo. Amar a Deus se traduz amando as pessoas ao redor, com todas as implicações que advém de se expor. Eu amo gente!
Diretor do Centro de Recuperação de Mendigos - Missão Vida de Brasília.
Sabe quando declaramos insistentemente nosso amor por Deus, mas não conseguimos conviver, partilhar, suportar, tolerar, relevar, perdoar, ceder e todos os outros termos apropriados e inerentes à prática do amor? Pode parecer estranho um “casca grossa” escrevendo sobre amor, entretanto é exatamente de caras como eu que você pode esperar coisas assim, foi o amor de muitas pessoas que me transportou até agora e aqui.
Deixei de me aborrecer com gente que estampa no para-brisas os dizeres: “Prefiro bichos que gente”! Uma vez que fui vocacionado pra amar gente, é gente que eu amo mesmo as mais detestáveis criaturas que vez por outra o Senhor faz atravessar aquele portão, eu as amo; não, eu não disse que me derreto em salamaleques, disse que as amo, faço o melhor que aprendi para caminhar ao lado delas, e conduzi-las, por graça a uma vida nova, com dignidade e esperança.
Retomo a questão de amar gente por conta do esfriamento das relações entre as pessoas “de Deus”, entre as gentes trazidas para amar e servir, no entanto desamam e oprimem, e desprezam; qual a porção de “nós” é entregue na cotidiana lida com gente? Ou somos cada dia mais opacos e inalcançáveis e irrelevantes?
Mesmo em instituições como a Missão Vida é possível perceber o conflito, em mim e certamente nos outros; é fácil amar o Pr. Wildo, pela pessoa, postura, pela história dele, contudo, amar homens rudes e embrutecidos pelas ruas é nossa valsa e cartilha; titubeio entre rir e chorar todos os dias, ainda não sei amar como convém, nem orar direito sobre o assunto eu consigo; “amar é coisa séria pra danar”, diz Tino Gomes.
É mais provável encontrar atenção nas ruas do que na maioria das igrejas; já percebeu que deixaram de apresentar os visitantes? Não perguntam mais o nome da gente nem quem nos levou e tal, essa era a parte que eu mais gostava quando visitava uma igreja! Agora eu entro mudo e saio calado, entro anônimo e saio desconhecido, só e sem um aperto de mão; tem pastor que cumprimenta por atacado, pra não se relacionar, não se envolver, pois saber o nome implica em conhecer e conhecer implica em amar e servir e aí já fica complicado demais, conflitos até de agenda, gente sem tempo pra amar e servir. Putz!
Eu amo tia Lourdes e tia Walquília por uma razão simples, elas são adoráveis.
Eu amo e sou absolutamente leal ao Reverendo Wildo, mas minha vocação não é amar duas senhoras gentis ou um moço bem vestido, culto, dinâmico, inteligente e sempre com a resposta exata para minhas dificuldades administrativas e de quando em vez, pessoais. Não o amo por vocação, mas por conhecê-lo.
Minha vocação é me deixar gastar e ser efetivamente gasto na caminhada duríssima e dolorosa que é o programa de recuperação de mendigos da Missão Vida, e antes que pensem que teorizo se lembrem de que sou ex-morador de rua e fui recuperado aqui, conheço cada noite sem drogas, sem violência e sem álcool, conheço o aterrorizante calvário que é aprender a obedecer outra vez e respeitar limites depois de viver de qualquer jeito por tempo demais.
Conheço a frustração de perceber essas pessoas cuidando de mim e me amando quando eu não me amava nem de mim cuidava, há tempos; comida nova, cama limpa e tratamento digno podem muito, mas causam certo desconforto por não merecê-los, mas recebê-los de forma tão bela, gratuitamente. Nunca vou conseguir falar sobre minha vida de interno sem me comover profundamente.
Não sirvo a cada interno por gratidão ao pastor, se fosse só pra demonstrar gratidão eu lhe daria um abraço forte (ele gosta de abraços!) e me mandaria pra casa; mas foi aqui que aprendi amar e servir, a duras penas, desistindo e reconsiderando inúmeras vezes por noite e dia, aprendi amar sem esperar retribuição, aprendi amar da pior e mais difícil maneira: amando.
Amo a Deus ainda que fácil não seja servir a quem nunca vi; tem sido meu desafio, sequer sei o que Ele pensa de mim, mas amo verdadeiramente, até mesmo olho de soslaio quando faço algo muito bem feito ou muito mal feito, aquela certeza boa de que Ele está por perto.
Amar pessoas implica em amar cada parte do caráter ou falta dele, nelas; respeitar as diferenças muitas e as semelhanças constrangedoras.
Permaneço na vocação para a qual fui tirado da minha antiga vida, até onde consigo perceber minha tarefa é servir e servir em amor; mesmo quando o sorriso é difícil, a recompensa nenhuma e os dias tão iguais em tudo. Amar a Deus se traduz amando as pessoas ao redor, com todas as implicações que advém de se expor. Eu amo gente!
Diretor do Centro de Recuperação de Mendigos - Missão Vida de Brasília.
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