Palavra do leitor
- 27 de fevereiro de 2008
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Esquecer de Deus
Era conversa lá entre eles, mãe e filho. Ela, zelosa, preocupada.
-- Meu filho, nunca se esqueça de Deus.
-- E se eu esquecer?
-- Não, você vai lembrar.
-- Mas como vou lembrar uma coisa que eu esqueci?
-- Mas não esquece, porque tudo que existe foi Deus quem fez. Seus pais, você, a natureza.
-- Então, quando eu olhar uma formiga vou lembrar dele porque foi Deus quem fez?
-- Exatamente.
-- Ah, tá.
Olhar uma formiga e lembrar de Deus é algo inusitado. Isto, confesso, nunca me ocorreu. Mas há aqui uma idéia legal. Provavelmente nós, os crescidos, associaríamos a lembrança a algo grande: um elefante, uma anta, uma onça, o Everest. Uma coisa pequena seria, julgo eu, como diminuir Deus. Mas se bem analisarmos – gosto de pensar assim – para além dos grandessíssimos feitos, Deus tem certa predileção por agir naquele interstício de tempo que ninguém jamais conseguiria fazer nada. Sabe aquela de fazer um gol nos últimos milésimos do segundo tempo da prorrogação? Haja nervos.
Esquecer, esquecer, assim, para nunca mais lembrar, a gente não esquece, mas a maior parte do tempo se age como se tivéssemos nos esquecido de Deus. Pego-me nesta armadilha de quando em vez. Não é o medo de esquecer que tenho, como se perdesse a lembrança da face de alguém outrora conhecido, mas que agora, tanto tempo depois, as agruras da idade transformaram em quase outro ser e fico ali, diante dele, se o encontro, desesperado pela falta de lembrança daquela fisionomia que vagamente me recorda alguém que conheci, há quanto tempo mesmo?
Desconcerto-me para valer é quando me dou conta que, passados dias a fio, leituras bíblicas e orações incluídas – maquinais – não pensei nEle como alguém, mas como algo. Minhas falas foram vazias, embora a palavra “Deus” tenha estado na minha boca. Minha audição tampada. Não olhei em seus olhos, nem me permiti caminhar um pedaço lado a lado, porque estava muito ocupado com tarefinhas mentais ou outros que tais para as quais, naqueles momentos, pensava eu ser imprescindível.
O conselho maternal não falava deste esquecimento natural como quem não precisa pensar para respirar. O ar está lá, o movimento é automático e simplesmente se inspira e expira depois. Temos, sem espremer o juízo, a certeza de que não vai faltar ar, exceto aquele pessoal fóbico que não pode ficar em lugar muito fechado. Esses, coitados, têm certeza de que não haverá ar no lugar pequeno e somatizam sua falsa crença, mesmo que haja um monte de frestas visíveis. Às vezes, acontece igual conosco em relação a Deus.
Aquele conselho quase aflito da mãe falava de carregar a lembrança de Deus para a vida. Não lembrá-lo 24 horas não O ofende. Agrava seu senhorio a atitude interna de desmerecimento, do sou-dono-do-meu-nariz e não-tenho-que-dar-satisfações-a-ninguém. Queria dizer, a fala materna, que nos momentos decisivos ou nem tanto, Deus sempre faz diferença. Logo, esta lembrança é, na verdade, uma companhia. Cuidadora, diga-se. Não sei se ele entendia assim, tão pequeno, embora seja muitíssimo esperto.
Como falamos de mãe e filho, recordo a passagem de Isaías que diz assim: “Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.” (Is 49.15 – ARA). Fala Deus a respeito do povo israelita, mas aproprio-me da palavra, sendo nós também (a Igreja do Senhor) o Israel de Deus (Gl 6.16). Tomo-a como a mulher que se comparou ao cachorrinho embaixo da mesa à espera de migalhas (Mc 7.24-29). Nós esquecemos. Deus jamais esquece. Esquece, sim, os pecados cometidos segundo nos ensina Miquéias 7.18,19. Ainda bem.
Pensei. Como não esquecê-Lo? O medo do menino de um esquecimento definitivo não é um despautério. Há duas maneiras de contornar o problema. Uma delas – o menino ainda não sabe – é inculcando-lhe o ensinamento sobre Deus. Diz o livro de Provérbios que ensinada a criança sobre Deus, mesmo velho nunca se esquecerá (Pv 22.6). Mas já passamos da idade. A outra maneira é fazendo amizade com Deus. Não se parametrize à medida das amizades humanas, porque ainda que alguns aspectos sejam iguais, há limites nisso.
A amizade de que falo é algo bem mais amplo. Fala de alguém se tornar morada de Deus. Lembrar dEle se torna o respirar, parte do existir. Conversa e caminha com Ele porque foi tornado (por Ele) num seu igual por causa do novo nascimento. Explico este “num seu igual”. Alguém com quem Deus pode se comunicar. Esclarecido isso, prossigamos. Esta amizade inesquecível torna-se tão visceralmente necessária como água para a sede e comida para a fome. Pode haver aqui e ali uma rusguinha sim, mas por causa das nossas muitas incapacidades de entender tempos e modos do nosso Amigo. Haverá momento que pensaremos tolamente: Ele se esqueceu de mim (Sl 13.1). Ou se dirá: Ele se afastou (Sl 22.11; 19). Ou se terá certeza: Não me ouve (Sl 28.1). Isso com todos os rompantes de dúvida e medo da solidão, lugares de sombra de morte que somente pela fé alguém será capaz de afirmar: eu creio, mesmo que não veja, não sinta, não ouça.
Não se culpe o reclamante. Não se envergonhe aquele que, vencido por suas vacilações, ficou em silêncio como que esquecido de Deus. Se há algum leitor (a) nesta condição, não sinta como se afrontasse ao Altíssimo. Ele aprecia a honestidade. Digo ainda. Ele deseja exatamente este embate, o que nunca pode acontecer é nossa indiferença. Eis os exemplos dos salmos, mas temos outros reclamões. Jonas, Jó, Jeremias. O “jota” é só coincidência, viu?
A sensação, a “certeza” de quem percebe este distanciamento de Deus, é verdadeiro para ele/ela naquele instante. Por que permanece aí, falando, questionando? Porque quer entender. Porque tem fé. Porque sabe com quem fala. Bom, naquele instante não entende, mas para todos nós há o consolo, o mesmo sugerido a Pedro por Jesus: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” (Jo 13.7 – ARA).
-- Meu filho, nunca se esqueça de Deus.
-- E se eu esquecer?
-- Não, você vai lembrar.
-- Mas como vou lembrar uma coisa que eu esqueci?
-- Mas não esquece, porque tudo que existe foi Deus quem fez. Seus pais, você, a natureza.
-- Então, quando eu olhar uma formiga vou lembrar dele porque foi Deus quem fez?
-- Exatamente.
-- Ah, tá.
Olhar uma formiga e lembrar de Deus é algo inusitado. Isto, confesso, nunca me ocorreu. Mas há aqui uma idéia legal. Provavelmente nós, os crescidos, associaríamos a lembrança a algo grande: um elefante, uma anta, uma onça, o Everest. Uma coisa pequena seria, julgo eu, como diminuir Deus. Mas se bem analisarmos – gosto de pensar assim – para além dos grandessíssimos feitos, Deus tem certa predileção por agir naquele interstício de tempo que ninguém jamais conseguiria fazer nada. Sabe aquela de fazer um gol nos últimos milésimos do segundo tempo da prorrogação? Haja nervos.
Esquecer, esquecer, assim, para nunca mais lembrar, a gente não esquece, mas a maior parte do tempo se age como se tivéssemos nos esquecido de Deus. Pego-me nesta armadilha de quando em vez. Não é o medo de esquecer que tenho, como se perdesse a lembrança da face de alguém outrora conhecido, mas que agora, tanto tempo depois, as agruras da idade transformaram em quase outro ser e fico ali, diante dele, se o encontro, desesperado pela falta de lembrança daquela fisionomia que vagamente me recorda alguém que conheci, há quanto tempo mesmo?
Desconcerto-me para valer é quando me dou conta que, passados dias a fio, leituras bíblicas e orações incluídas – maquinais – não pensei nEle como alguém, mas como algo. Minhas falas foram vazias, embora a palavra “Deus” tenha estado na minha boca. Minha audição tampada. Não olhei em seus olhos, nem me permiti caminhar um pedaço lado a lado, porque estava muito ocupado com tarefinhas mentais ou outros que tais para as quais, naqueles momentos, pensava eu ser imprescindível.
O conselho maternal não falava deste esquecimento natural como quem não precisa pensar para respirar. O ar está lá, o movimento é automático e simplesmente se inspira e expira depois. Temos, sem espremer o juízo, a certeza de que não vai faltar ar, exceto aquele pessoal fóbico que não pode ficar em lugar muito fechado. Esses, coitados, têm certeza de que não haverá ar no lugar pequeno e somatizam sua falsa crença, mesmo que haja um monte de frestas visíveis. Às vezes, acontece igual conosco em relação a Deus.
Aquele conselho quase aflito da mãe falava de carregar a lembrança de Deus para a vida. Não lembrá-lo 24 horas não O ofende. Agrava seu senhorio a atitude interna de desmerecimento, do sou-dono-do-meu-nariz e não-tenho-que-dar-satisfações-a-ninguém. Queria dizer, a fala materna, que nos momentos decisivos ou nem tanto, Deus sempre faz diferença. Logo, esta lembrança é, na verdade, uma companhia. Cuidadora, diga-se. Não sei se ele entendia assim, tão pequeno, embora seja muitíssimo esperto.
Como falamos de mãe e filho, recordo a passagem de Isaías que diz assim: “Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.” (Is 49.15 – ARA). Fala Deus a respeito do povo israelita, mas aproprio-me da palavra, sendo nós também (a Igreja do Senhor) o Israel de Deus (Gl 6.16). Tomo-a como a mulher que se comparou ao cachorrinho embaixo da mesa à espera de migalhas (Mc 7.24-29). Nós esquecemos. Deus jamais esquece. Esquece, sim, os pecados cometidos segundo nos ensina Miquéias 7.18,19. Ainda bem.
Pensei. Como não esquecê-Lo? O medo do menino de um esquecimento definitivo não é um despautério. Há duas maneiras de contornar o problema. Uma delas – o menino ainda não sabe – é inculcando-lhe o ensinamento sobre Deus. Diz o livro de Provérbios que ensinada a criança sobre Deus, mesmo velho nunca se esquecerá (Pv 22.6). Mas já passamos da idade. A outra maneira é fazendo amizade com Deus. Não se parametrize à medida das amizades humanas, porque ainda que alguns aspectos sejam iguais, há limites nisso.
A amizade de que falo é algo bem mais amplo. Fala de alguém se tornar morada de Deus. Lembrar dEle se torna o respirar, parte do existir. Conversa e caminha com Ele porque foi tornado (por Ele) num seu igual por causa do novo nascimento. Explico este “num seu igual”. Alguém com quem Deus pode se comunicar. Esclarecido isso, prossigamos. Esta amizade inesquecível torna-se tão visceralmente necessária como água para a sede e comida para a fome. Pode haver aqui e ali uma rusguinha sim, mas por causa das nossas muitas incapacidades de entender tempos e modos do nosso Amigo. Haverá momento que pensaremos tolamente: Ele se esqueceu de mim (Sl 13.1). Ou se dirá: Ele se afastou (Sl 22.11; 19). Ou se terá certeza: Não me ouve (Sl 28.1). Isso com todos os rompantes de dúvida e medo da solidão, lugares de sombra de morte que somente pela fé alguém será capaz de afirmar: eu creio, mesmo que não veja, não sinta, não ouça.
Não se culpe o reclamante. Não se envergonhe aquele que, vencido por suas vacilações, ficou em silêncio como que esquecido de Deus. Se há algum leitor (a) nesta condição, não sinta como se afrontasse ao Altíssimo. Ele aprecia a honestidade. Digo ainda. Ele deseja exatamente este embate, o que nunca pode acontecer é nossa indiferença. Eis os exemplos dos salmos, mas temos outros reclamões. Jonas, Jó, Jeremias. O “jota” é só coincidência, viu?
A sensação, a “certeza” de quem percebe este distanciamento de Deus, é verdadeiro para ele/ela naquele instante. Por que permanece aí, falando, questionando? Porque quer entender. Porque tem fé. Porque sabe com quem fala. Bom, naquele instante não entende, mas para todos nós há o consolo, o mesmo sugerido a Pedro por Jesus: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” (Jo 13.7 – ARA).
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