Palavra do leitor
- 12 de maio de 2009
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Deus lhe pague...
Olhe detidamente para um mendigo; observe-lhe os traços, as feições, procure pelos olhos, insista nos olhos, é importante olhar dentro das pessoas. Agora responda: o que viu?
Se disser que nada viu, então viu tudo, ou nada; pois nada há pra se ver naqueles olhos sem vida nem viço; falta-lhes aquela ansiosa expectativa, própria dos viventes, comum aos humanos.
Mesmo após minuciosa busca nada haverá que estimule ou encoraje uma aproximação, puxar uma conversa então, nem pensar.
Certa vez Thomas Kelly orou: "Senhor, conceda-me ver as coisas da Terra, com os olhos do Céu." Eu penso que seria interessante, e embaraçoso, se o Senhor permitisse a cada humano, por um momento, enxergar o mundo à sua volta com os olhos de um mendigo; muitos pés apressados saltando os seus, e o chão, a visão de um mendigo se resume a pés apressados que saltam os seus, e ao chão.
De igual modo ler-lhe os sentimentos, os pensamentos que povoam a mente desse estranho sujeito; veria a dor da alegria perdida, da vida que escapou por entre os dedos, num átimo; veria a saudade duma época em que as coisas eram diferentes, faziam sentido, uma época na qual acordar cedo, escovar os dentes, tomar café e ganhar um beijo de bom dia eram comuns, quase corriqueiras. (Um beijo de bom dia nunca se tornará corriqueiro!).
Aos olhos do "pedinte" ( Êita, nomezinho infeliz!) quase nada faz sentido, nem mesmo as ofensas, os insultos, e os chutes e os "NÃO";
Ninguém ouve ou vê tantos nãos como aquele pobre diabo que transferiu para os "passantes" a responsabilidade pelo seu sustento e segurança. ( Ao falar em segurança me transporto para um tempo em que perambulava pelas ruas escuras de Belo Horizonte à caça de mendigos bêbados demais, fracos demais e velhos e doentes demais para esboçarem qualquer reação enquanto eu tirava-lhes a "féria" do dia, e seus pertences, cigarros, bebidas. Ladrão de mendigos; foi nisso que a falta de DEUS me transformou.) Pra que ser mendigo e pedir, se podia ser ladrão e tomar à força? "A lógica do inferno; ser ruim ou pior."
Na mente do que pede só tem espaço para o rancor e as lembranças, que de tão distantes parecem delírio. Alguém é culpado; os passantes são culpados, o governo é culpado, a ex-mulher é culpada, "quase sempre" e DEUS, escapa por pouco. Se desentender com DEUS não é inteligente, na sua desgraçada sina, crê o "pedinte" ( nomezinho infeliz!), algo um dia vai mudar; quem sabe uma hora dessas DEUS, nem que seja por distração, passeie pelo chão com os olhos e o enxergue.
Essa é a (des)esperança do homem, e da mulher que perderam a gana, a honradez, e desaprenderam a nobre arte de amarem-se; o homem da roça que veio atrás de dias bons na grande cidade, acreditou na TV e arrumou a mala, se hospedou numa pensãozinha à beira da rodoviária, e saiu religiosamente todas as manhãs à procura de "colocação" e deu com os burros n’água, ouviu tantos nãos que se acostumou com eles.
E o dinheiro da diária, minguado, acabou como se acabaram as roupas limpas e a chance de procurar a tal vaga. Dia ruim.
Dá voltas em volta da rodoviária, descobre companheiros de igual e triste sorte, aceita um gole, pra aquecer o peito, e aceita outro, e mais outro até se alegrar e que se dane a pensão, e a vaga!
Acorda atormentado, sem mala nem bobo, descobre-se miserável e derrotado; resta voltar pra casa, mas como? Saiu pra vencer, perdeu, saiu pra melhorar de vida, e nem teto tem mais. Voltar como?
Envergonhado olha pra baixo e estica a mão e ao sentir o peso da moeda, sussurra triste e grato: "DEUS lhe pague..."
Da próxima vez que saltar os pés de um mendigo, resista à tentação de acreditar que ele nasceu ali, como as ervas daninhas nascem; ali.
( ex-interno do centro de recuperação de mendigos – Missão Vida)
http://www.mvida.org.br conheça-nos.
http://www.sola-scriptura.com cadastre-se
Se disser que nada viu, então viu tudo, ou nada; pois nada há pra se ver naqueles olhos sem vida nem viço; falta-lhes aquela ansiosa expectativa, própria dos viventes, comum aos humanos.
Mesmo após minuciosa busca nada haverá que estimule ou encoraje uma aproximação, puxar uma conversa então, nem pensar.
Certa vez Thomas Kelly orou: "Senhor, conceda-me ver as coisas da Terra, com os olhos do Céu." Eu penso que seria interessante, e embaraçoso, se o Senhor permitisse a cada humano, por um momento, enxergar o mundo à sua volta com os olhos de um mendigo; muitos pés apressados saltando os seus, e o chão, a visão de um mendigo se resume a pés apressados que saltam os seus, e ao chão.
De igual modo ler-lhe os sentimentos, os pensamentos que povoam a mente desse estranho sujeito; veria a dor da alegria perdida, da vida que escapou por entre os dedos, num átimo; veria a saudade duma época em que as coisas eram diferentes, faziam sentido, uma época na qual acordar cedo, escovar os dentes, tomar café e ganhar um beijo de bom dia eram comuns, quase corriqueiras. (Um beijo de bom dia nunca se tornará corriqueiro!).
Aos olhos do "pedinte" ( Êita, nomezinho infeliz!) quase nada faz sentido, nem mesmo as ofensas, os insultos, e os chutes e os "NÃO";
Ninguém ouve ou vê tantos nãos como aquele pobre diabo que transferiu para os "passantes" a responsabilidade pelo seu sustento e segurança. ( Ao falar em segurança me transporto para um tempo em que perambulava pelas ruas escuras de Belo Horizonte à caça de mendigos bêbados demais, fracos demais e velhos e doentes demais para esboçarem qualquer reação enquanto eu tirava-lhes a "féria" do dia, e seus pertences, cigarros, bebidas. Ladrão de mendigos; foi nisso que a falta de DEUS me transformou.) Pra que ser mendigo e pedir, se podia ser ladrão e tomar à força? "A lógica do inferno; ser ruim ou pior."
Na mente do que pede só tem espaço para o rancor e as lembranças, que de tão distantes parecem delírio. Alguém é culpado; os passantes são culpados, o governo é culpado, a ex-mulher é culpada, "quase sempre" e DEUS, escapa por pouco. Se desentender com DEUS não é inteligente, na sua desgraçada sina, crê o "pedinte" ( nomezinho infeliz!), algo um dia vai mudar; quem sabe uma hora dessas DEUS, nem que seja por distração, passeie pelo chão com os olhos e o enxergue.
Essa é a (des)esperança do homem, e da mulher que perderam a gana, a honradez, e desaprenderam a nobre arte de amarem-se; o homem da roça que veio atrás de dias bons na grande cidade, acreditou na TV e arrumou a mala, se hospedou numa pensãozinha à beira da rodoviária, e saiu religiosamente todas as manhãs à procura de "colocação" e deu com os burros n’água, ouviu tantos nãos que se acostumou com eles.
E o dinheiro da diária, minguado, acabou como se acabaram as roupas limpas e a chance de procurar a tal vaga. Dia ruim.
Dá voltas em volta da rodoviária, descobre companheiros de igual e triste sorte, aceita um gole, pra aquecer o peito, e aceita outro, e mais outro até se alegrar e que se dane a pensão, e a vaga!
Acorda atormentado, sem mala nem bobo, descobre-se miserável e derrotado; resta voltar pra casa, mas como? Saiu pra vencer, perdeu, saiu pra melhorar de vida, e nem teto tem mais. Voltar como?
Envergonhado olha pra baixo e estica a mão e ao sentir o peso da moeda, sussurra triste e grato: "DEUS lhe pague..."
Da próxima vez que saltar os pés de um mendigo, resista à tentação de acreditar que ele nasceu ali, como as ervas daninhas nascem; ali.
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