Palavra do leitor
- 15 de junho de 2010
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Confissões de um missionário...
"Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus."
Atos 20:24
Gosto do termo sodalício, retirado das primeiras ordens católicas e utilizado no cenário protestante por Ralph Winter para denominar um missionário, precisamos entender o que representa o chamado missionário dentro de uma carreira e vocação de um indivíduo, para desmistificar alguns conceitos sobre sodalidade (Agencias Missionárias) e modalidade (Igrejas Locais), ou seja, esclarecer o chamado missionário de acordo com a bíblia.
Quando lemos sobre o chamado de Abrão em Gênesis 12:1, ou ainda o Ide mencionado por Jesus Cristo em Mateus 28:19-20, nós erroneamente associamos estes textos somente ao termo "chamado missionário".
Durante minha adolescência e inicio da juventude sonhava com o chamado missionário para a China, as histórias de Robert Morrison, Hudson Taylor entre muitos outros, que atuaram neste país, sempre me fascinaram.
Entender quem somos e porque estamos neste mundo é o que vai nos dar as primeiras ferramentas para um contexto missionário.
Eu sempre associei missões à geografia, “ide por todo o mundo”, ou “saia da tua parentela para um lugar que eu te mostrarei”...
É interessante quando Deus nos mostra que o Reino de Deus não é geográfico, físico ou ainda uma estrutura religiosa organizacional, ou denominacional, mas única e exclusivamente Espiritual, e não depende da atuação direta do homem para se estabelecer em um cenário ou cultura, porque este Reino já foi instituído por Jesus Cristo (Mateus 3:2-3), é bem verdade que os anjos gostariam de ter o privilégio de falar sobre o Reino de Deus aos pecadores, mas este presente divino pertence aos homens, pecadores como eu e você.
A verdade é que precisamos nos encontrar em Deus, saber quem somos verdadeiramente diante do Pai, e assim, mostrar quem somos para sociedade onde estamos inseridos, que carece desesperadamente de uma identificação, perdida no Jardim do Éden por Adão e Eva, voltar para se relacionar com Deus no paraíso, seria reencontrar essa identidade retirada pelo pecado.
Não podemos e não devemos classificar quem pertence ou não ao Reino de Deus, porque quem convence o homem do pecado da justiça e do juízo, é o Espírito Santo de Deus, e somente ao Espírito pertence este conhecimento, que não é revelado a nós, porque nós não conhecemos o coração do homem, todas as vezes que eu faço isso eu estou julgando alguém e por conseqüência me colocando no lugar de Deus.
Outro ponto, e talvez o mais importante do chamado missionário que devemos entender hoje, são as duas características essenciais na vida de um sodalício, de acordo com os testos de Mateus 28:19-20 e Gênesis 12:1, estas características seriam: fé e renuncia.
Referi-me a estes textos como sendo errôneos associá-los somente ao chamado missionário, pelo fato de que as duas principais características de um sodalício: fé e renuncia, são características principais não somente de um missionário, mas de um cristão verdadeiro, alguém que já experimentou e conheceu as verdades do Reino de Deus através do Espírito Santo, ou seja, estar inserido em um contexto missionário exige de nós a mesma interpretação bíblica para fé e renuncia de um cristão que esteja inserido em um contexto de Igreja local.
Podemos afirmar com isso que todos os cristãos são missionários?
Na verdade não, Sodalidade é uma coisa, e Modalidade é outra bem diferente. Cada uma vai ter seu significativo papel dentro do Reino de Deus, nenhuma dessas estruturas redentoras será mais importante do que a outra, elas deveram caminhar juntas, cada uma desempenhando seu papel pré-estabelecido por Deus.
Quando lemos sobre o corpo de Cristo em I Coríntios 12:12-31, devemos nos atentar para o caminho mais excelente que é o amor citado em I Coríntios 13, creio que a falta de amor entre os cristãos da era moderna é o grande causador das problemáticas urbanas presentes nos dias de hoje, nós não nos amamos como Igrejas e como Agências Missionárias, refletindo assim um deus pouco interessante para a sociedade, um deus que não será resposta, luz para os que buscam justiça, e alivio para seus fardos através da Paz Verdadeira, porque essa paz verdadeira nunca existirá em nosso meio, se ali não existir o amor verdadeiro.
O chamado missionário deve ser encarado como uma segunda decisão.
A primeira nós tomamos através do arrependimento de nossos pecados e a total entrega de nossas vidas a Jesus Cristo, entendendo e aceitando o seu sacrifício na cruz do Calvário (fé e renuncia).
A segunda decisão será entender que, você pode e deve estar inserido em outro contexto, diferente da modalidade, mas não independente dela, é você quem vai optar ou não por estar em missões.
Deus não vai deixar de te amar ou te abençoar, por você escolher estar servindo a Ele em uma Igreja local, ou ainda diretamente na sociedade através de um emprego formal, sua intimidade com Deus é que vai definir seu relacionamento com Ele, não depende do contexto em que você esteja inserido.
O chamado missionário é para todos os cristãos verdadeiros, mas é você que escolhe aceitá-lo ou não.
Nos tempos da era digital, ou na chamada era da informação, você terá um papel importante dentro da busca dessa geração por identidade, e nesse tempo da história estabelecido por Deus para cada um de nós. Veja a afirmação de Erich Fromm:
“Hoje em dia nos deparamos com indivíduos que se comportam como autômatos, que não conhecem ou compreendem a si mesmos, e a única pessoa que conhecem é a que pensam ser, alguém cuja a conversa vazia substituiu a comunicação real, alguém em quem o sorriso sintético tomou o lugar do riso genuíno e a sensação de desespero total ocupou o vazio deixado pela dor autêntica.
Duas coisas podem ser ditas de tais indivíduos:
A primeira é que sofrem de defeitos aparentemente incuráveis, como a falta de espontaneidade e personalidade.
Ao mesmo tempo, podemos dizer que eles não diferem de milhões de pessoas que, como nós, caminham pela face da Terra.”
Entender quem você é em Deus, o tempo em que nos encontramos, e a religiosidade e alienação vivida pela igreja pós-moderna, vai te dar recursos primordiais para um relacionamento mais profundo e duradouro com o Pai, e vai te deixar claro em que contexto do corpo de Cristo você deverá servi-lo melhor.
Deus chama a todos os cristãos verdadeiros para serem missionários, mas Ele entende que nem todos estarão aptos para determinadas tarefas e situações propostas na vida de um sodalício. A idéia do corpo e seus respectivos membros são fundamentais para entendermos esses paradigmas da vida cristã. Cada um tem seu lugar e função específica, no corpo de Cristo.
Posso dizer que minhas experiências como sodalício tem me dado um prazer nunca antes experimentado na modalidade, não associo isso ao fato de ter servido a Deus somente na igreja, mas ao fato da alienação proposta por ela em grande parte de minha caminhada cristã, tive que me libertar de minha religiosidade e ostracismo, praticamente sozinho, a ajuda que recebi lá dentro foi quase que insignificante, mas amar a modalidade, e tudo o que ela é, e tem feito por nossa sociedade, tem sido meu desafio nos dias de hoje, é fácil amar quem se parece comigo, o difícil é amar quem é diferente de mim.
Eu fui criado no evangelho, em uma Igreja de linha protestante histórica com um profundo zelo pelo estudo e ensino da Palavra de Deus, característica essa que eu vejo pouco entre os evangélicos de hoje, eu não tive que experimentar drogas lícitas ou ilícitas, tive uma criação exemplar e dou graças a Deus todos os dias pela herança cristã que meus pais deixaram para mim, mas o meu hedonismo cristão, não me permitiu enxergar as mazelas da sociedade estabelecidas pelo pecado. Quando comecei a enxergar o mundo como ele é, eu tentei estourar minha bolha gospel, e ainda bem jovem eu queria ser resposta e reflexo de Jesus Cristo, mas eu não sabia como. A Igreja não me ensinou a amar o pecador como Deus nos ama. Depois que eu entendi sobre a Graça e seus benefícios em termos de qualidade de vida para uma sociedade que ama e vive os valores do Reino de Deus, eu passei a amar os excluídos e marginalizados de nossa sociedade, entendi que minha herança cristã me livrou de um futuro triste, desgraçado e assolado pelo pecado, eu nunca enxerguei um marginalizado como uma pessoa pior do que eu, mas eu sempre me via nesses indivíduos, a misericórdia foi presente em minha vida logo cedo. A ignorância dessas pessoas sobre Deus e seu profundo amor, é em grande parte nossa culpa, uma vez que você conhece as verdades de Deus, você se torna responsável por essas verdades, e pelas pessoas que não as conhecem. A escoria presente em nossa sociedade, não são as prostitutas, os travestis, os viciados os ladrões ou os políticos corruptos, são os cristãos que conheceram uma verdade que poderia mudar e salvar a historia de todas essas pessoas.
Imagine uma pessoa que o mundo não aceita seus desvios de conduta, e sua bagagem de erros, as destruições de famílias causadas por ela, além de sua própria família, é claro, sua triste e apavorante história de vida.
Imaginou? Pois é. Tentar inserir essa pessoa em uma modalidade foi o que acabou me frustrando dentro da instituição, hoje eu tento me encontrar em um contexto evangélico brasileiro, onde eu não encontro as pessoas que eu me importo de verdade, para ser influencia ali também.
Aos 17 anos eu me questionei com Deus, pois eu não queria mais perder meu tempo evangelizando crentes assíduos de Igrejas, e não teria mais a vida ativista dentro da modalidade, passando horas de meu dia preparando estudos e projetos somente para abençoar os crentes, eu queria estar inserido diretamente na sociedade, se meus líderes tivessem me preparado melhor para isso, com certeza eu não teria sofrido tanto, e dado com a cara no muro por dezenas de vezes.
Hoje dentro de sodalidade, eu já não trabalho como antes, somente com os excluídos, minhas atividades nesta área estão sendo esporádicas, tenho sido convidado para dar estudos e palestras para jovens evangélicos que estão iniciando projetos com Missões Noturnas, alem de participar uma vez ou outra de evangelismos noturnos com antigos grupos interdenominacionais, que ajudei a criar. Tenho aprendido a amar e servir a Igreja como na minha infância e adolescência. Tento influenciar jovens a saírem das quatro paredes, não abandonando a instituição, como eu quis fazer, mas amando e servindo, e principalmente sendo resposta para ela também.
Deus me falou através de um pastor e amigo, quando eu questionava porque a igreja não gastava tempo e recursos com os menos favorecidos e os marginalizados pela sociedade. Deus me chamou de hipócrita e mentiroso, porque eu queria abraçar e amar os excluídos, mas sentia nojo dos meus irmãos, e eu somente os criticava.
Em um dia logo bem cedo, em minha meditação, Deus me falou sobre como era importante para Ele esse momento que eu tirava para conversar com Ele.
Em um texto de Marcos 7:31-37, Deus me falou como ele abriria meus ouvidos e soltaria minha língua, afatá foi à palavra usada por Jesus para abrir os ouvidos do surdo e gago.
Ele separou aquele jovem da multidão para curá-lo, Deus me disse que a cura da minha religiosidade e quebras de paradigmas, dependeria de minhas meditações diárias, momentos que eu estaria a sós com Jesus, para que Deus falasse comigo durante o restante do dia.
Eu não sei qual é a forma que Deus usa para falar com você, e como Ele se manifesta em sua vida, mas eu sei que independente da forma que você escolheu para servi-lo, Deus respeita e admira muito essa escolha, aprender a co-criar com o Pai vai te ajudar a servi-lo melhor, durante minha caminhada cristã eu aprendi a somente copiar métodos e formas pré-estabelecidos por minha instituição religiosa, me tornando assim uma pessoa individualista e preconceituosa, principalmente entre os pentecostais e os não crentes, eu não enxergava no próximo as qualidades e as características de Deus. A interdependência também vai te ajudar a respeitar e amar seu próximo, ela é um fator muito importante na vida de um individuo que se propõe a viver o verdadeiro Evangelho do Reino de Deus. A resiliência vai te dar outra postura diante das adversidades que a caminhada cristã vai gerar em seu dia a dia, dentro ou fora de uma sodalidade ou modalidade.
Você quer saber se tem um chamado missionário?
A resposta você já sabe, pergunte-se agora se você quer responder a este chamado.
A igreja muitas vezes pode ser apenas mais uma zona de conforto entre as muitas centenas que temos em nossas vidas, a questão é, até que ponto essa zona de conforto pode atrapalhar sua comunhão com Deus? Isso pode acontecer dentro de uma sodalidade também. Nossa fé e total confiança devem ser depositadas somente em Deus e em suas promessas.
Há alguns meses atrás eu adquiri uma dívida de um valor significativo na base missionária onde eu estava atuando. Em uma oração, eu fui argumentar meus anos gastos para a obra de Deus dentro de uma modalidade, a resposta de Deus foi muito clara:
Eu nunca pedi para você fazer todas aquelas coisas, eu sempre te amei do jeito que você é! Você trabalhando para mim ou não.
O amor de Deus nos constrange tanto, que às vezes da até vergonha de orar.
Durante muito tempo eu fui para Deus um servo prestativo, mas muito pouco um filho amoroso.
Cuidado com o excesso de atividades dentro da Igreja, o ativismo pode te tornar religioso e até te afastar do relacionamento com Pai, não troque seus momentos de intimidade com Ele no secreto de seu quarto, por estudos, projetos e metas de uma modalidade, estabelecidos por líderes e pastores, e não especificamente por Deus.
Em outra situação eu comecei a orar por um notebook, e foi interessante que depois eu pensei bem na minha dívida para com a base, e no fato de eu não ter um desodorante, e eu ainda lavava meu cabelo (que por sinal é comprido) com um sabonete de R$ 0,60 que ganhei de um amigo já tinha mais ou menos duas semanas.
Deus começou a me chamar a atenção para minhas prioridades.
Saber o que é relevante, supérfluo e urgente é muito importante para evitar dores de cabeça na hora do aperto.
Sinceramente, eu não acho bonito e nem motivo de orgulho eu passar por necessidades ainda hoje dentro de um contesto missionário.
Ainda mais no meu caso, porque eu conheço Igrejas e Pastores que estão em uma situação financeira muito mais abundante e abençoadora do que eu. Visitei Igrejas de amigos que se recolhem ofertas e dízimos com máquinas portáteis de cartão, o diácono pergunta: É débito ou crédito?
Também não acho, pelos outros missionários, que por viverem no mesmo contexto financeiro que eu, são extremamente generosos e sabem dividir o pouco que tem.
Durante uma visita em uma Igreja em Macaé no Rio de Janeiro uma pastora encheu a boca para dizer que a reforma do banheiro feminino tinha custado R$ 15.000,00, e que pela misericórdia de Deus a preletora do próximo congresso de mulheres, cobraria a metade do valor convencional, que era apenas R$ 4.000,00. Naquela mesma semana, eu tinha sido repreendido por minha líder, por que eu estava usando a margarina que só poderia ser usada no café da manhã, e que pertencia ao grupo todo, para lanchar de tarde, cada membro de minha equipe tinha seu pote de margarina particular na geladeira, menos eu.
Também me lembro que eu não tinha o dinheiro das passagens para fazer os trabalhos com minha equipe em um albergue da prefeitura, que era em outro bairro, todos os dias que eu me encontrava na escala, alguém tinha que pagar minha passagem de ida e de volta, eu ficava mais aliviado quando pegávamos carona com um dos funcionários do albergue. Trabalhar com a população em situação de rua que estava em processo de re-socialização, me dava à idéia e a certeza que mesmo não tendo R$ 1,00 no bolso, eu ainda era muito abençoado. Principalmente por causa dos meus amigos e irmãos, que sempre me abençoaram com o pouco que tinham também.
Às vezes é muito mais legal e significativo para um missionário, quando ele mesmo pode pagar suas coisas e não dependa dos outros, para tomar um sorvete por exemplo.
Infelizmente o dinheiro é o que nos torna pessoas respeitadas, dentro de um contexto cristão evangélico brasileiro isso não é muito diferente, estar em sodalidade hoje, para mim é rejeitar esse sistema sujo e desumano.
Na maioria das vezes é mais prazeroso e até mais relevante, estar sentado no chão de um beco escuro e úmido que fede a urina e fezes, conversando com um velho amigo que é morador de rua, do que estar sentado em um banco acolchoado, com um ambiente climatizado por ar condicionado, de uma linda igreja com pessoas cheirosas e bem vestidas ao meu lado, aonde um pastor vai me ensinar como usufruir de todas as promessas de Deus, e como ser prospero em todas as áreas da minha vida.
Creio que tudo depende de sua cosmovisão, como você enxerga o mundo é o que vai definir sua postura diante de Deus e da sociedade.
Não conte quantas almas sua Igreja já ganhou para Cristo, ou para ela mesma, não confunda inchaço com crescimento. Talvez este número de almas não impeça que a morte bata na porta dos vizinhos de sua Igreja todos os dias, através dos vícios, da violência ou do vazio existencial presente na depressão, mas pergunte para Deus, o que isso tem significado para que o Reino de Deus seja estabelecido com justiça e em verdade, em uma sociedade onde um traficante tira a vida de um jovem por causa de um baseado de R$ 2,00. No país do futebol e único penta campeão do mundo, a sociedade (adultos, jovens, velhos, crianças, homens e mulheres de todas as classes sociais) são mortas lentamente por uma pedra que é um pouco menor que o tamanho de um grão de feijão, que custa em torno de R$ 3,00. Neste país esta sobrando crack.
Ou o que significa para uma estrutura evangélica que o banheiro feminino, vale muito mais do que as pessoas que estão do lado de fora dessa estrutura.
Quanto vale uma vida humana para você? Quanto vale uma alma para Deus?
Seja mais intencional e crítico, nas coisas que você lê, ouve e enxerga dentro ou fora de sua Igreja.
Recentemente eu questionei um estudo publicado por uma revista de E.B.D. Fluminense, que é veiculada em minha denominação em todo o Brasil. Eu deixei claro que não queria meu e-mail publicado, eu encontrei várias discrepâncias nos estudos trimestrais, e ao ser contatado para que diminuísse meu texto e autorizasse a publicação eu não achei interessante, até porque eu não sabia a opinião dos autores sobre meus comentários, a resposta foi imediata e bem contundente, que os estudos eram feitos por grandes homens de Deus (pastores) e revisados por teólogos extremamente capacitados, o chato mesmo foi que além de publicarem meu texto sem minha autorização, na seção de cartas dos leitores onde se lê apenas pequenos parágrafos escritos por leitores, e normalmente elogios, eu tive meu texto editado e mesmo assim me rendeu duas páginas frente e verso, o nome da Igreja que eu congregava no Rio a qual eu não sou membro foi citado, dezenas de comentários ásperos de lideres denominacionais, e uma resposta nada amigável na edição seguinte da revista do pastor e autor dos estudos.
O nosso sistema evangélico brasileiro tem forte influência do catolicismo primitivo, nossos líderes e pastores são considerados semideuses na terra, e por isso não podem e não devem ser questionados, neste sistema papal, é atribuída uma autoridade espiritual, que não pertence e nunca vai pertencer a homens, mas somente ao cabeça da Igreja, que é Jesus Cristo, o único que não pecou. Essa é uma das razões pela qual, quando um desses líderes é pego em pecado, eles rapidamente serão excluídos e mais tarde demonizados, e muito raramente seu atos de justiça, e boas obras para o Reino de Deus, serão lembrados pelos cristãos. O caso do Pr. Caio Fábio é o mais conhecido.
Isso não é comum em minha denominação, mas uma forte característica destes homens e mulheres de Deus, é ter seus nomes em letras garrafais, junto com suas fotos nas placas das suas denominações. Normalmente os ministérios destes apóstolos, bispos e pastores, serão assumidos por seus filhos ou parentes próximos, como uma espécie de nepotismo evangélico. Outra forte característica deste sistema evangélico papal, é a venda de indulgências e terrenos no céu, através de amuletos, dízimos e ofertas. Como por exemplo, uma bíblia que vai te ensinar a ser próspero financeiramente, adquirida pela bagatela de R$ 900,00 . Bagatela esta, popularmente conhecida como oferta voluntária.
Deus me livre e me guarde desses indivíduos que usam o nome de Deus para comprar jatinhos de luxo particulares, com simples argumento de que precisam pagar seus programas de televisão.
Muitos cristãos oram para que Deus os livre do caminho do homem perverso, eu faço minha oração um pouco diferente, até porque eu sempre vou encontrá-los nas madrugadas e pelo fato de que eu sempre morei em periferias e redutos de marginais. Eu clamo ao Pai hoje, pela sua graça e misericórdia, sobre minha vida, para que eu aprenda a respeitar amar e honrar esses líderes, assim como eu tento respeitar, amar e honrar os caras maus que vivem na minha quebrada, ou que eu conheço nas ruas.
Meio ambiente, política, educação, segurança pública, esporte, lazer, transporte, saúde, religião, arte e cultura entre muitos outros temas, que afetam a mim, a você e ao nosso próximo, devem estar na mente e no coração daqueles que se intitulam “Povo de Deus”.
Sinceramente me desculpe se eu ainda choro quando vejo no jornal da TV políticos orando para Deus abençoar o dinheiro público desviado, ou a mídia que faz da morte um meio de ganhar dinheiro, como no caso do casal Nardone, ou pior, uma Igreja chamada evangélica se vendendo para este sistema satânico.
Mas como sodalício eu me comprometi a ser voz contra injustiça, e eu gostaria de ter irmãos dentro das modalidades e das sodalidades marchando e gritando junto comigo, e me apoiando nesse sentido.
Quando penso que eu, e provavelmente meus filhos e netos, não verão os resultados daquilo que eu acredito e prego, dentro da proposta de Reino que Deus tem colocado em meu coração, parece até ser frustrante, mas para mim, trabalhar com a abstração, é muito mais um exercício da fé, e uma visualização das bênçãos vindouras para as próximas gerações.
Enxergar o invisível é o que vai me dar forças e aumentar minhas esperanças para continuar lutando, nestes dias que são tão maus.
“Minha consciência é escrava da Palavra de Deus”
(Martinho Lutero)
Atos 20:24
Gosto do termo sodalício, retirado das primeiras ordens católicas e utilizado no cenário protestante por Ralph Winter para denominar um missionário, precisamos entender o que representa o chamado missionário dentro de uma carreira e vocação de um indivíduo, para desmistificar alguns conceitos sobre sodalidade (Agencias Missionárias) e modalidade (Igrejas Locais), ou seja, esclarecer o chamado missionário de acordo com a bíblia.
Quando lemos sobre o chamado de Abrão em Gênesis 12:1, ou ainda o Ide mencionado por Jesus Cristo em Mateus 28:19-20, nós erroneamente associamos estes textos somente ao termo "chamado missionário".
Durante minha adolescência e inicio da juventude sonhava com o chamado missionário para a China, as histórias de Robert Morrison, Hudson Taylor entre muitos outros, que atuaram neste país, sempre me fascinaram.
Entender quem somos e porque estamos neste mundo é o que vai nos dar as primeiras ferramentas para um contexto missionário.
Eu sempre associei missões à geografia, “ide por todo o mundo”, ou “saia da tua parentela para um lugar que eu te mostrarei”...
É interessante quando Deus nos mostra que o Reino de Deus não é geográfico, físico ou ainda uma estrutura religiosa organizacional, ou denominacional, mas única e exclusivamente Espiritual, e não depende da atuação direta do homem para se estabelecer em um cenário ou cultura, porque este Reino já foi instituído por Jesus Cristo (Mateus 3:2-3), é bem verdade que os anjos gostariam de ter o privilégio de falar sobre o Reino de Deus aos pecadores, mas este presente divino pertence aos homens, pecadores como eu e você.
A verdade é que precisamos nos encontrar em Deus, saber quem somos verdadeiramente diante do Pai, e assim, mostrar quem somos para sociedade onde estamos inseridos, que carece desesperadamente de uma identificação, perdida no Jardim do Éden por Adão e Eva, voltar para se relacionar com Deus no paraíso, seria reencontrar essa identidade retirada pelo pecado.
Não podemos e não devemos classificar quem pertence ou não ao Reino de Deus, porque quem convence o homem do pecado da justiça e do juízo, é o Espírito Santo de Deus, e somente ao Espírito pertence este conhecimento, que não é revelado a nós, porque nós não conhecemos o coração do homem, todas as vezes que eu faço isso eu estou julgando alguém e por conseqüência me colocando no lugar de Deus.
Outro ponto, e talvez o mais importante do chamado missionário que devemos entender hoje, são as duas características essenciais na vida de um sodalício, de acordo com os testos de Mateus 28:19-20 e Gênesis 12:1, estas características seriam: fé e renuncia.
Referi-me a estes textos como sendo errôneos associá-los somente ao chamado missionário, pelo fato de que as duas principais características de um sodalício: fé e renuncia, são características principais não somente de um missionário, mas de um cristão verdadeiro, alguém que já experimentou e conheceu as verdades do Reino de Deus através do Espírito Santo, ou seja, estar inserido em um contexto missionário exige de nós a mesma interpretação bíblica para fé e renuncia de um cristão que esteja inserido em um contexto de Igreja local.
Podemos afirmar com isso que todos os cristãos são missionários?
Na verdade não, Sodalidade é uma coisa, e Modalidade é outra bem diferente. Cada uma vai ter seu significativo papel dentro do Reino de Deus, nenhuma dessas estruturas redentoras será mais importante do que a outra, elas deveram caminhar juntas, cada uma desempenhando seu papel pré-estabelecido por Deus.
Quando lemos sobre o corpo de Cristo em I Coríntios 12:12-31, devemos nos atentar para o caminho mais excelente que é o amor citado em I Coríntios 13, creio que a falta de amor entre os cristãos da era moderna é o grande causador das problemáticas urbanas presentes nos dias de hoje, nós não nos amamos como Igrejas e como Agências Missionárias, refletindo assim um deus pouco interessante para a sociedade, um deus que não será resposta, luz para os que buscam justiça, e alivio para seus fardos através da Paz Verdadeira, porque essa paz verdadeira nunca existirá em nosso meio, se ali não existir o amor verdadeiro.
O chamado missionário deve ser encarado como uma segunda decisão.
A primeira nós tomamos através do arrependimento de nossos pecados e a total entrega de nossas vidas a Jesus Cristo, entendendo e aceitando o seu sacrifício na cruz do Calvário (fé e renuncia).
A segunda decisão será entender que, você pode e deve estar inserido em outro contexto, diferente da modalidade, mas não independente dela, é você quem vai optar ou não por estar em missões.
Deus não vai deixar de te amar ou te abençoar, por você escolher estar servindo a Ele em uma Igreja local, ou ainda diretamente na sociedade através de um emprego formal, sua intimidade com Deus é que vai definir seu relacionamento com Ele, não depende do contexto em que você esteja inserido.
O chamado missionário é para todos os cristãos verdadeiros, mas é você que escolhe aceitá-lo ou não.
Nos tempos da era digital, ou na chamada era da informação, você terá um papel importante dentro da busca dessa geração por identidade, e nesse tempo da história estabelecido por Deus para cada um de nós. Veja a afirmação de Erich Fromm:
“Hoje em dia nos deparamos com indivíduos que se comportam como autômatos, que não conhecem ou compreendem a si mesmos, e a única pessoa que conhecem é a que pensam ser, alguém cuja a conversa vazia substituiu a comunicação real, alguém em quem o sorriso sintético tomou o lugar do riso genuíno e a sensação de desespero total ocupou o vazio deixado pela dor autêntica.
Duas coisas podem ser ditas de tais indivíduos:
A primeira é que sofrem de defeitos aparentemente incuráveis, como a falta de espontaneidade e personalidade.
Ao mesmo tempo, podemos dizer que eles não diferem de milhões de pessoas que, como nós, caminham pela face da Terra.”
Entender quem você é em Deus, o tempo em que nos encontramos, e a religiosidade e alienação vivida pela igreja pós-moderna, vai te dar recursos primordiais para um relacionamento mais profundo e duradouro com o Pai, e vai te deixar claro em que contexto do corpo de Cristo você deverá servi-lo melhor.
Deus chama a todos os cristãos verdadeiros para serem missionários, mas Ele entende que nem todos estarão aptos para determinadas tarefas e situações propostas na vida de um sodalício. A idéia do corpo e seus respectivos membros são fundamentais para entendermos esses paradigmas da vida cristã. Cada um tem seu lugar e função específica, no corpo de Cristo.
Posso dizer que minhas experiências como sodalício tem me dado um prazer nunca antes experimentado na modalidade, não associo isso ao fato de ter servido a Deus somente na igreja, mas ao fato da alienação proposta por ela em grande parte de minha caminhada cristã, tive que me libertar de minha religiosidade e ostracismo, praticamente sozinho, a ajuda que recebi lá dentro foi quase que insignificante, mas amar a modalidade, e tudo o que ela é, e tem feito por nossa sociedade, tem sido meu desafio nos dias de hoje, é fácil amar quem se parece comigo, o difícil é amar quem é diferente de mim.
Eu fui criado no evangelho, em uma Igreja de linha protestante histórica com um profundo zelo pelo estudo e ensino da Palavra de Deus, característica essa que eu vejo pouco entre os evangélicos de hoje, eu não tive que experimentar drogas lícitas ou ilícitas, tive uma criação exemplar e dou graças a Deus todos os dias pela herança cristã que meus pais deixaram para mim, mas o meu hedonismo cristão, não me permitiu enxergar as mazelas da sociedade estabelecidas pelo pecado. Quando comecei a enxergar o mundo como ele é, eu tentei estourar minha bolha gospel, e ainda bem jovem eu queria ser resposta e reflexo de Jesus Cristo, mas eu não sabia como. A Igreja não me ensinou a amar o pecador como Deus nos ama. Depois que eu entendi sobre a Graça e seus benefícios em termos de qualidade de vida para uma sociedade que ama e vive os valores do Reino de Deus, eu passei a amar os excluídos e marginalizados de nossa sociedade, entendi que minha herança cristã me livrou de um futuro triste, desgraçado e assolado pelo pecado, eu nunca enxerguei um marginalizado como uma pessoa pior do que eu, mas eu sempre me via nesses indivíduos, a misericórdia foi presente em minha vida logo cedo. A ignorância dessas pessoas sobre Deus e seu profundo amor, é em grande parte nossa culpa, uma vez que você conhece as verdades de Deus, você se torna responsável por essas verdades, e pelas pessoas que não as conhecem. A escoria presente em nossa sociedade, não são as prostitutas, os travestis, os viciados os ladrões ou os políticos corruptos, são os cristãos que conheceram uma verdade que poderia mudar e salvar a historia de todas essas pessoas.
Imagine uma pessoa que o mundo não aceita seus desvios de conduta, e sua bagagem de erros, as destruições de famílias causadas por ela, além de sua própria família, é claro, sua triste e apavorante história de vida.
Imaginou? Pois é. Tentar inserir essa pessoa em uma modalidade foi o que acabou me frustrando dentro da instituição, hoje eu tento me encontrar em um contexto evangélico brasileiro, onde eu não encontro as pessoas que eu me importo de verdade, para ser influencia ali também.
Aos 17 anos eu me questionei com Deus, pois eu não queria mais perder meu tempo evangelizando crentes assíduos de Igrejas, e não teria mais a vida ativista dentro da modalidade, passando horas de meu dia preparando estudos e projetos somente para abençoar os crentes, eu queria estar inserido diretamente na sociedade, se meus líderes tivessem me preparado melhor para isso, com certeza eu não teria sofrido tanto, e dado com a cara no muro por dezenas de vezes.
Hoje dentro de sodalidade, eu já não trabalho como antes, somente com os excluídos, minhas atividades nesta área estão sendo esporádicas, tenho sido convidado para dar estudos e palestras para jovens evangélicos que estão iniciando projetos com Missões Noturnas, alem de participar uma vez ou outra de evangelismos noturnos com antigos grupos interdenominacionais, que ajudei a criar. Tenho aprendido a amar e servir a Igreja como na minha infância e adolescência. Tento influenciar jovens a saírem das quatro paredes, não abandonando a instituição, como eu quis fazer, mas amando e servindo, e principalmente sendo resposta para ela também.
Deus me falou através de um pastor e amigo, quando eu questionava porque a igreja não gastava tempo e recursos com os menos favorecidos e os marginalizados pela sociedade. Deus me chamou de hipócrita e mentiroso, porque eu queria abraçar e amar os excluídos, mas sentia nojo dos meus irmãos, e eu somente os criticava.
Em um dia logo bem cedo, em minha meditação, Deus me falou sobre como era importante para Ele esse momento que eu tirava para conversar com Ele.
Em um texto de Marcos 7:31-37, Deus me falou como ele abriria meus ouvidos e soltaria minha língua, afatá foi à palavra usada por Jesus para abrir os ouvidos do surdo e gago.
Ele separou aquele jovem da multidão para curá-lo, Deus me disse que a cura da minha religiosidade e quebras de paradigmas, dependeria de minhas meditações diárias, momentos que eu estaria a sós com Jesus, para que Deus falasse comigo durante o restante do dia.
Eu não sei qual é a forma que Deus usa para falar com você, e como Ele se manifesta em sua vida, mas eu sei que independente da forma que você escolheu para servi-lo, Deus respeita e admira muito essa escolha, aprender a co-criar com o Pai vai te ajudar a servi-lo melhor, durante minha caminhada cristã eu aprendi a somente copiar métodos e formas pré-estabelecidos por minha instituição religiosa, me tornando assim uma pessoa individualista e preconceituosa, principalmente entre os pentecostais e os não crentes, eu não enxergava no próximo as qualidades e as características de Deus. A interdependência também vai te ajudar a respeitar e amar seu próximo, ela é um fator muito importante na vida de um individuo que se propõe a viver o verdadeiro Evangelho do Reino de Deus. A resiliência vai te dar outra postura diante das adversidades que a caminhada cristã vai gerar em seu dia a dia, dentro ou fora de uma sodalidade ou modalidade.
Você quer saber se tem um chamado missionário?
A resposta você já sabe, pergunte-se agora se você quer responder a este chamado.
A igreja muitas vezes pode ser apenas mais uma zona de conforto entre as muitas centenas que temos em nossas vidas, a questão é, até que ponto essa zona de conforto pode atrapalhar sua comunhão com Deus? Isso pode acontecer dentro de uma sodalidade também. Nossa fé e total confiança devem ser depositadas somente em Deus e em suas promessas.
Há alguns meses atrás eu adquiri uma dívida de um valor significativo na base missionária onde eu estava atuando. Em uma oração, eu fui argumentar meus anos gastos para a obra de Deus dentro de uma modalidade, a resposta de Deus foi muito clara:
Eu nunca pedi para você fazer todas aquelas coisas, eu sempre te amei do jeito que você é! Você trabalhando para mim ou não.
O amor de Deus nos constrange tanto, que às vezes da até vergonha de orar.
Durante muito tempo eu fui para Deus um servo prestativo, mas muito pouco um filho amoroso.
Cuidado com o excesso de atividades dentro da Igreja, o ativismo pode te tornar religioso e até te afastar do relacionamento com Pai, não troque seus momentos de intimidade com Ele no secreto de seu quarto, por estudos, projetos e metas de uma modalidade, estabelecidos por líderes e pastores, e não especificamente por Deus.
Em outra situação eu comecei a orar por um notebook, e foi interessante que depois eu pensei bem na minha dívida para com a base, e no fato de eu não ter um desodorante, e eu ainda lavava meu cabelo (que por sinal é comprido) com um sabonete de R$ 0,60 que ganhei de um amigo já tinha mais ou menos duas semanas.
Deus começou a me chamar a atenção para minhas prioridades.
Saber o que é relevante, supérfluo e urgente é muito importante para evitar dores de cabeça na hora do aperto.
Sinceramente, eu não acho bonito e nem motivo de orgulho eu passar por necessidades ainda hoje dentro de um contesto missionário.
Ainda mais no meu caso, porque eu conheço Igrejas e Pastores que estão em uma situação financeira muito mais abundante e abençoadora do que eu. Visitei Igrejas de amigos que se recolhem ofertas e dízimos com máquinas portáteis de cartão, o diácono pergunta: É débito ou crédito?
Também não acho, pelos outros missionários, que por viverem no mesmo contexto financeiro que eu, são extremamente generosos e sabem dividir o pouco que tem.
Durante uma visita em uma Igreja em Macaé no Rio de Janeiro uma pastora encheu a boca para dizer que a reforma do banheiro feminino tinha custado R$ 15.000,00, e que pela misericórdia de Deus a preletora do próximo congresso de mulheres, cobraria a metade do valor convencional, que era apenas R$ 4.000,00. Naquela mesma semana, eu tinha sido repreendido por minha líder, por que eu estava usando a margarina que só poderia ser usada no café da manhã, e que pertencia ao grupo todo, para lanchar de tarde, cada membro de minha equipe tinha seu pote de margarina particular na geladeira, menos eu.
Também me lembro que eu não tinha o dinheiro das passagens para fazer os trabalhos com minha equipe em um albergue da prefeitura, que era em outro bairro, todos os dias que eu me encontrava na escala, alguém tinha que pagar minha passagem de ida e de volta, eu ficava mais aliviado quando pegávamos carona com um dos funcionários do albergue. Trabalhar com a população em situação de rua que estava em processo de re-socialização, me dava à idéia e a certeza que mesmo não tendo R$ 1,00 no bolso, eu ainda era muito abençoado. Principalmente por causa dos meus amigos e irmãos, que sempre me abençoaram com o pouco que tinham também.
Às vezes é muito mais legal e significativo para um missionário, quando ele mesmo pode pagar suas coisas e não dependa dos outros, para tomar um sorvete por exemplo.
Infelizmente o dinheiro é o que nos torna pessoas respeitadas, dentro de um contexto cristão evangélico brasileiro isso não é muito diferente, estar em sodalidade hoje, para mim é rejeitar esse sistema sujo e desumano.
Na maioria das vezes é mais prazeroso e até mais relevante, estar sentado no chão de um beco escuro e úmido que fede a urina e fezes, conversando com um velho amigo que é morador de rua, do que estar sentado em um banco acolchoado, com um ambiente climatizado por ar condicionado, de uma linda igreja com pessoas cheirosas e bem vestidas ao meu lado, aonde um pastor vai me ensinar como usufruir de todas as promessas de Deus, e como ser prospero em todas as áreas da minha vida.
Creio que tudo depende de sua cosmovisão, como você enxerga o mundo é o que vai definir sua postura diante de Deus e da sociedade.
Não conte quantas almas sua Igreja já ganhou para Cristo, ou para ela mesma, não confunda inchaço com crescimento. Talvez este número de almas não impeça que a morte bata na porta dos vizinhos de sua Igreja todos os dias, através dos vícios, da violência ou do vazio existencial presente na depressão, mas pergunte para Deus, o que isso tem significado para que o Reino de Deus seja estabelecido com justiça e em verdade, em uma sociedade onde um traficante tira a vida de um jovem por causa de um baseado de R$ 2,00. No país do futebol e único penta campeão do mundo, a sociedade (adultos, jovens, velhos, crianças, homens e mulheres de todas as classes sociais) são mortas lentamente por uma pedra que é um pouco menor que o tamanho de um grão de feijão, que custa em torno de R$ 3,00. Neste país esta sobrando crack.
Ou o que significa para uma estrutura evangélica que o banheiro feminino, vale muito mais do que as pessoas que estão do lado de fora dessa estrutura.
Quanto vale uma vida humana para você? Quanto vale uma alma para Deus?
Seja mais intencional e crítico, nas coisas que você lê, ouve e enxerga dentro ou fora de sua Igreja.
Recentemente eu questionei um estudo publicado por uma revista de E.B.D. Fluminense, que é veiculada em minha denominação em todo o Brasil. Eu deixei claro que não queria meu e-mail publicado, eu encontrei várias discrepâncias nos estudos trimestrais, e ao ser contatado para que diminuísse meu texto e autorizasse a publicação eu não achei interessante, até porque eu não sabia a opinião dos autores sobre meus comentários, a resposta foi imediata e bem contundente, que os estudos eram feitos por grandes homens de Deus (pastores) e revisados por teólogos extremamente capacitados, o chato mesmo foi que além de publicarem meu texto sem minha autorização, na seção de cartas dos leitores onde se lê apenas pequenos parágrafos escritos por leitores, e normalmente elogios, eu tive meu texto editado e mesmo assim me rendeu duas páginas frente e verso, o nome da Igreja que eu congregava no Rio a qual eu não sou membro foi citado, dezenas de comentários ásperos de lideres denominacionais, e uma resposta nada amigável na edição seguinte da revista do pastor e autor dos estudos.
O nosso sistema evangélico brasileiro tem forte influência do catolicismo primitivo, nossos líderes e pastores são considerados semideuses na terra, e por isso não podem e não devem ser questionados, neste sistema papal, é atribuída uma autoridade espiritual, que não pertence e nunca vai pertencer a homens, mas somente ao cabeça da Igreja, que é Jesus Cristo, o único que não pecou. Essa é uma das razões pela qual, quando um desses líderes é pego em pecado, eles rapidamente serão excluídos e mais tarde demonizados, e muito raramente seu atos de justiça, e boas obras para o Reino de Deus, serão lembrados pelos cristãos. O caso do Pr. Caio Fábio é o mais conhecido.
Isso não é comum em minha denominação, mas uma forte característica destes homens e mulheres de Deus, é ter seus nomes em letras garrafais, junto com suas fotos nas placas das suas denominações. Normalmente os ministérios destes apóstolos, bispos e pastores, serão assumidos por seus filhos ou parentes próximos, como uma espécie de nepotismo evangélico. Outra forte característica deste sistema evangélico papal, é a venda de indulgências e terrenos no céu, através de amuletos, dízimos e ofertas. Como por exemplo, uma bíblia que vai te ensinar a ser próspero financeiramente, adquirida pela bagatela de R$ 900,00 . Bagatela esta, popularmente conhecida como oferta voluntária.
Deus me livre e me guarde desses indivíduos que usam o nome de Deus para comprar jatinhos de luxo particulares, com simples argumento de que precisam pagar seus programas de televisão.
Muitos cristãos oram para que Deus os livre do caminho do homem perverso, eu faço minha oração um pouco diferente, até porque eu sempre vou encontrá-los nas madrugadas e pelo fato de que eu sempre morei em periferias e redutos de marginais. Eu clamo ao Pai hoje, pela sua graça e misericórdia, sobre minha vida, para que eu aprenda a respeitar amar e honrar esses líderes, assim como eu tento respeitar, amar e honrar os caras maus que vivem na minha quebrada, ou que eu conheço nas ruas.
Meio ambiente, política, educação, segurança pública, esporte, lazer, transporte, saúde, religião, arte e cultura entre muitos outros temas, que afetam a mim, a você e ao nosso próximo, devem estar na mente e no coração daqueles que se intitulam “Povo de Deus”.
Sinceramente me desculpe se eu ainda choro quando vejo no jornal da TV políticos orando para Deus abençoar o dinheiro público desviado, ou a mídia que faz da morte um meio de ganhar dinheiro, como no caso do casal Nardone, ou pior, uma Igreja chamada evangélica se vendendo para este sistema satânico.
Mas como sodalício eu me comprometi a ser voz contra injustiça, e eu gostaria de ter irmãos dentro das modalidades e das sodalidades marchando e gritando junto comigo, e me apoiando nesse sentido.
Quando penso que eu, e provavelmente meus filhos e netos, não verão os resultados daquilo que eu acredito e prego, dentro da proposta de Reino que Deus tem colocado em meu coração, parece até ser frustrante, mas para mim, trabalhar com a abstração, é muito mais um exercício da fé, e uma visualização das bênçãos vindouras para as próximas gerações.
Enxergar o invisível é o que vai me dar forças e aumentar minhas esperanças para continuar lutando, nestes dias que são tão maus.
“Minha consciência é escrava da Palavra de Deus”
(Martinho Lutero)
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- 15 de junho de 2010
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