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Palavra do leitor

Caricaturas

Costumo me divertir quando em um controvertido debate os participantes tentam descaracterizar a legitimidade do argumento do outro lançando mão de caricaturas que aludem a um aspecto negativo e exagerado do ideal defendido pelos seus opositores. Aliás, caricaturar o outro, leia-se aquele se opõe ao nosso discurso, se constitui como uma via frequentemente utilizada por nós a fim de legitimar e defender o nosso ponto de vista. A estética dessa atitude revela uma ética particular. Os argumentos não estariam “colados” a uma razão que possuiriam em si próprios, mas ao sujeito portador das ideias, ou, mais especificamente, a aquilo que aquela pessoa representa para mim. Logo, não me interessa se o que o meu interlocutor diz faz ou não sentido, mas sim a ideologia que ele defende, que, no caso de se configurar como oposta a minha, eu logo me preparo para caricaturá-lo de forma a ridicularizar a sua proposição. Desse modo, eu me coloco no lugar privilegiado (detentor da verdade, salvador da pátria, dono da razão...) e passo a demonizar o outro, ridicularizando-o.

A bíblia nos traz uma narrativa interessante acerca desse assunto. No capítulo 7 do evangelho de João os fariseus enviam alguns guardas com o intuito de prender Jesus. No entanto, os guardas voltam de mãos vazias e justificam sua postura dizendo: “Jamais alguém falou como este homem”. Certos fariseus, completamente irritados, lançam mão de uma caricatura para deslegitimar a Jesus. “Algum dos fariseus creu nele?” (leia-se aqueles que realmente entendem das coisas, os portadores da razão, se deixaram levar por ele?). E prosseguem em face da discordância de um deles, Nicodemus, dizendo: “Examina e verás que da Galileia não se levanta profeta”. Logo, as referências ao Homem que falou como ninguém se perdem no vento. Ele não é mais uma pessoa extraordinária, mas um galileu (e galileu todo mundo sabe como é...). Não somente um galileu, no sentido estrito da palavra, mas uma caricatura que traz o que de pior se pode imaginar de um galileu.

Infelizmente tal postura de caricaturar os outros continua a ser exercida nos meios religiosos. Quando falamos termos como “pentecostais” e “neopentecostais”, ou “reformados” e “arminianos”, dentre tantos outros, sabemos que não estamos nos referindo apenas a cosmovisões e doutrinas distintas. Nossas palavras carregam certa dose de preconceito, de caricaturas. Talvez por isso seja tão difícil falarmos de união entre os evangélicos. Ao invés de caminharmos lado a lado com pessoas (que quer sejam fortes ou fracos são nossos irmãos), esbarramos em suas caricaturas, nos lembramos que “da Galileia não se levanta profeta” e seguimos nossa trajetória sem descobrir realmente do que é feita a Igreja do Senhor.
Recife - PE
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