Palavra do leitor
- 10 de setembro de 2015
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Aylan Kurdi e o menininho de Dostoiévski
Não pensei em outra cena, senão, na imagem da leitura feita por mim, há muitos anos, do conto do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) – “A árvore de Natal na casa do Cristo”. Aylan Kurdi, era o menininho sírio de 3 anos encontrado morto numa praia da Turquia semana passada. No conto de Dostoiéviski também havia um menininho, mas não tinha nome e tinha 6 anos.
Os dois menininhos estão separados, por nada menos que 139 anos, visto que o conto de Dostoiéviski foi escrito em 1876 e o menino sírio morreu em 2015. No entanto, a denúncia tanto num como noutro caso são semelhantes, reais e tão próximas de nós, mas ao mesmo tempo tão invisibilizadas e por muitos desconhecida.
A morte de Aylan Kurdi é fruto de uma maldita guerra que se estende há anos na Síria, e, agora, mais recentemente, assolada pelas atrocidades do “Estado Islâmico”. A família Kurdi, desesperada e à procura de uma solução que os impedisse de serem tragados pela guerra os levou a serem tragados pelo mar.
Na história do “menininho” de Dostoiéviski, fica clara a denúncia de um contexto social cruel e impiedoso onde o pequeno estava inserido, ao mesmo tempo em que o conto relata a vulnerabilidade que a criança enfrenta logo após se deparar com a morte da sua mãe num porão húmido e frio numa manhã de Natal.
O “menininho” tenta encontrar espaço numa sociedade cheia de si, vivendo confortavelmente, mas ignorante ao sofrimento daquela criança de 6 anos. Ele saiu do porão gelado e foi à busca de alimento, mas não encontrou. Desejou acolhimento, mas também não conseguiu. Ele vê pessoas aquecidas e se divertindo, mas não há quem o permita desfrutar por um pouco, um pouco que seja, de tanta abundância, de tanta sobra, ou de tanto resto.
Aylan Kurdi e o menininho de Dostoiéviski são o retrato de uma sociedade tantas vezes marcada pela indiferença e que, quase sempre, está encurvada em si mesma, como afirmou Agostinho, incapaz de olhar para frente.
Aylan, não foi o único. Seu irmão de 5 anos também morreu na travessia famigerada pelo mar juntamente com a mãe, sendo o pai o único sobrevivente da família. Ao mesmo tempo, dezenas de outras crianças, jovens, adultos e idosos perdem suas vidas como resultado da incapacidade humana de olhar para si mesmo e retroagir, de procurar a paz e empenhar-se por alcançá-la.
A comoção por Aylan Kurdi, a meu ver, teve a ver com o modo como ele foi encontrado na beira do mar, como se estivesse dormindo confortavelmente de bruços, enquanto que o “menininho” de Dostoiéviski foi achado morto junto a um monte de lenhas frias. Suas histórias entrecruzam-se e apontam-nos precisa reflexão sobre os rumos da nossa humanidade e daquilo que esperamos que ela se torne.
Nosso consumismo desenfreado aumenta a cada dia. Nossa sociedade tornou-se hábil na arte de coisificar pessoas e personificar coisas. Atribuem-se feições humanas às coisas criadas por homens e mulheres ao mesmo tempo em que tratam pessoas como se fossem números e coisas.
Concordo com o pregador que disse que “o que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol”; e é bem verdade que mesmo com tanta informação, a cada dia, o amor está se esfriando mais e mais do coração humano.
Não quero parecer pessimista, mas apenas refletir sobre os rumos da nossa sociedade e sobre a minha própria vida mesmo. Não posso crer que este seja um problema de lá, do Oriente Médio, da Europa, ou seja, lá de onde for, afinal, vivemos num mesmo mundo, diverso, diferente, mas tão próximo de mim e você que muitas vezes nos esquecemos disso.
No conto de Dostoiéviski, o menininho vai para o céu e lá reencontra sua mãe que lhe abraça e diz-lhe que agora ele terá as coisas que não teve em vida, como a árvore de natal que ele havia visto na vitrine e que ninguém lhe permitiu se aproximar.
Assim, precisamos pensar que não podemos viver mais assim tão egoisticamente ou termos fé apenas para o além, para o imponderável céu. Não quero crer que aquilo que é possível hoje para nós, fique reservado apenas para o futuro. Há muitos “menininhos” e muitos Aylan Kurdi, próximos de mim e você, e que necessitam que nos voltemos para eles, para ajudá-los, para aquecê-los, para apoiá-los em suas necessidades.
E assim, não apenas no fim, mas quem sabe agora mesmo poderemos ouvir deles... “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver”.
Os dois menininhos estão separados, por nada menos que 139 anos, visto que o conto de Dostoiéviski foi escrito em 1876 e o menino sírio morreu em 2015. No entanto, a denúncia tanto num como noutro caso são semelhantes, reais e tão próximas de nós, mas ao mesmo tempo tão invisibilizadas e por muitos desconhecida.
A morte de Aylan Kurdi é fruto de uma maldita guerra que se estende há anos na Síria, e, agora, mais recentemente, assolada pelas atrocidades do “Estado Islâmico”. A família Kurdi, desesperada e à procura de uma solução que os impedisse de serem tragados pela guerra os levou a serem tragados pelo mar.
Na história do “menininho” de Dostoiéviski, fica clara a denúncia de um contexto social cruel e impiedoso onde o pequeno estava inserido, ao mesmo tempo em que o conto relata a vulnerabilidade que a criança enfrenta logo após se deparar com a morte da sua mãe num porão húmido e frio numa manhã de Natal.
O “menininho” tenta encontrar espaço numa sociedade cheia de si, vivendo confortavelmente, mas ignorante ao sofrimento daquela criança de 6 anos. Ele saiu do porão gelado e foi à busca de alimento, mas não encontrou. Desejou acolhimento, mas também não conseguiu. Ele vê pessoas aquecidas e se divertindo, mas não há quem o permita desfrutar por um pouco, um pouco que seja, de tanta abundância, de tanta sobra, ou de tanto resto.
Aylan Kurdi e o menininho de Dostoiéviski são o retrato de uma sociedade tantas vezes marcada pela indiferença e que, quase sempre, está encurvada em si mesma, como afirmou Agostinho, incapaz de olhar para frente.
Aylan, não foi o único. Seu irmão de 5 anos também morreu na travessia famigerada pelo mar juntamente com a mãe, sendo o pai o único sobrevivente da família. Ao mesmo tempo, dezenas de outras crianças, jovens, adultos e idosos perdem suas vidas como resultado da incapacidade humana de olhar para si mesmo e retroagir, de procurar a paz e empenhar-se por alcançá-la.
A comoção por Aylan Kurdi, a meu ver, teve a ver com o modo como ele foi encontrado na beira do mar, como se estivesse dormindo confortavelmente de bruços, enquanto que o “menininho” de Dostoiéviski foi achado morto junto a um monte de lenhas frias. Suas histórias entrecruzam-se e apontam-nos precisa reflexão sobre os rumos da nossa humanidade e daquilo que esperamos que ela se torne.
Nosso consumismo desenfreado aumenta a cada dia. Nossa sociedade tornou-se hábil na arte de coisificar pessoas e personificar coisas. Atribuem-se feições humanas às coisas criadas por homens e mulheres ao mesmo tempo em que tratam pessoas como se fossem números e coisas.
Concordo com o pregador que disse que “o que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol”; e é bem verdade que mesmo com tanta informação, a cada dia, o amor está se esfriando mais e mais do coração humano.
Não quero parecer pessimista, mas apenas refletir sobre os rumos da nossa sociedade e sobre a minha própria vida mesmo. Não posso crer que este seja um problema de lá, do Oriente Médio, da Europa, ou seja, lá de onde for, afinal, vivemos num mesmo mundo, diverso, diferente, mas tão próximo de mim e você que muitas vezes nos esquecemos disso.
No conto de Dostoiéviski, o menininho vai para o céu e lá reencontra sua mãe que lhe abraça e diz-lhe que agora ele terá as coisas que não teve em vida, como a árvore de natal que ele havia visto na vitrine e que ninguém lhe permitiu se aproximar.
Assim, precisamos pensar que não podemos viver mais assim tão egoisticamente ou termos fé apenas para o além, para o imponderável céu. Não quero crer que aquilo que é possível hoje para nós, fique reservado apenas para o futuro. Há muitos “menininhos” e muitos Aylan Kurdi, próximos de mim e você, e que necessitam que nos voltemos para eles, para ajudá-los, para aquecê-los, para apoiá-los em suas necessidades.
E assim, não apenas no fim, mas quem sabe agora mesmo poderemos ouvir deles... “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver”.
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