Palavra do leitor
- 22 de outubro de 2021
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Autorresponsabilidade é invenção de coach?
Para o renomado falecido psicanalista Contardo Calligaris, um psicoterapeuta não poderia se autorizar a partir da fé pessoal, embora fosse possível ser terapeuta e ter convicções religiosas desde que fosse um grande teólogo. Essa hipótese lembra o genial Paul Tournier que dosava muito bem teologia e psicologia, mesmo não sendo "teólogo", mas excepcional psiquiatra cristão.
Parafraseando Paul Tournier numa de suas abordagens em Culpa e Graça, quem se sente sentenciado à degola pela espada das línguas acusadoras, tende tanto a se recolher na autodefesa e autojustificação quanto a reagir "contra-atacando" visando autoproteção contra censura e julgamento.
Apesar de o livro ser excelente na abordagem temática e elucidação de que o fardo da culpa pode ser substituído pela leveza que a graça traz, nota-se que o autor evita focar no aspecto positivo que uma crítica sincera ou amorosa poderia oferecer.
Segundo ele, ao fazer uma crítica, muitos pretendem ser representantes de Deus alegando boas intenções, mas não percebem que tais métodos e equívocos afastam ainda mais aqueles a quem pretendiam favorecer.
Sabe-se que o termo "crítica construtiva" não soa bem aos ouvidos, pois alude a "ofensa por uma boa causa" como suposto remédio amargo indispensável a ser tomado. Colocando-se no lugar de Deus, julgadores presumiriam fazer jus às palavras de C.S. Lewis quando escreveu que "Deus fere para curar" -- à semelhança de um cirurgião.
Na Bíblia, por vezes, Deus se aproxima do culpado com uma abordagem de investigação, misericórdia e graça antes de sentenciá-lo. Uma evidência disso são perguntas como: "Onde estás?" "Quem te fez saber que estavas nu?" "Comeste da árvore que te não ordenei?" "Onde está teu irmão, Abel?" "Simão, filho de João, amas-me?" etc.
Dessa forma, algo inegável é constatado na narrativa bíblica: o ser humano é incapaz de tomar a iniciativa em admitir sua culpa ou responsabilizar-se por seus erros. E quando o faz nem sempre é movido por arrependimento, mas impulsionado pelo medo de padecer .
Desde a queda do homem, é perceptível essa fuga da responsabilidade individual e a culpabilização de terceiros. No exemplo do casal edênico ("Foi a mulher que tu me deste" e "Foi a serpente que me enganou"), evidencia-se o quanto os seres humanos carecem de justificação e graça, pois sozinhos não conseguiriam nem confessar seus pecados – muito menos enxergá-los.
Em razão dessa terceirização da culpa estar tão entranhada em nossa natureza e cultura, erros, fracassos e males sociais são colocados sempre na conta do governo, igreja, família, sociedade, "maldição hereditária" etc., mas quase nunca do indivíduo e suas escolhas.
Desse maneira, condutas individuais têm sido explicadas por conjecturas como "O corpo explica", traição conjugal submetida a "explicações" darwinistas, assim como teorias psicológicas tentam subverter a moralidade, conforme apontou Theodore Dalrymple em "Evasivas admiráveis".
Por mais que vítimas precisem ser amparadas e protegidas (sobretudo do terror da culpa), a exaltação da ideia de que a vítima nunca é culpada de nada pode ser uma enorme furada a serviço de uma cartada -- ideológica.
Injustiças e atrocidades não poupam nem mesmo pessoas corretas que cumprem fielmente sua parte no âmbito moral e social, porém é inevitável também na vida de todos a "lei da semeadura e colheita". Nesse sentido, por mais duro que seja reconhecer, muitas das vezes, mesmo numa infidelidade conjugal, a parte vítima pode também ter errado, no mínimo, ao escolher com quem decidiu firmar seu enlace matrimonial.
E quando liberais econômicos adotam o discurso da meritocracia como o "sine qua non" da justa retribuição? Abrem brechas tanto para falácias quanto para negação, já que as variáveis da questão iriam além da igualdade formal e material. Mas é impossível negar o necessário "princípio meritocrático" que rege esferas de oportunidade numa sociedade capitalista.
Defeituoso ou não, esse "princípio meritocrático" retribui a todos (ainda que não tão ideal ou inerrante do ponto de vista equânime) de acordo com seu desempenho: notas do boletim escolar ou vestibular, entrevista de emprego, criatividade, capacitação, seleção para mestrado e doutorado, curriculum etc. Em quase tudo exige-se certo esforço ou destaque.
Ao contrário de queridos meus, não adoto como princípio binário de vida "o raciocínio de um coach" (sucesso ou fracasso, perdedor ou vencedor, você que escolhe!), mas precisamos de autorresponsabilidade, pois se não temos deliberação absoluta sobre os resultados dos nossos esforços, por outro lado temos a tendência de criar subterfúgios quando fracassamos.
Somos todos culpados. No plano espiritual, fomos justificados pela fé em Cristo, mesmo condenados, quando foi transferido para o maior inocente nossa sentença de morte. Mas no plano moral, social, econômico, afetivo e político temos que ter autorresponsabilidade, mesmo nem sempre isentos de culpa. Muito menos jogados à própria sorte.
Parafraseando Paul Tournier numa de suas abordagens em Culpa e Graça, quem se sente sentenciado à degola pela espada das línguas acusadoras, tende tanto a se recolher na autodefesa e autojustificação quanto a reagir "contra-atacando" visando autoproteção contra censura e julgamento.
Apesar de o livro ser excelente na abordagem temática e elucidação de que o fardo da culpa pode ser substituído pela leveza que a graça traz, nota-se que o autor evita focar no aspecto positivo que uma crítica sincera ou amorosa poderia oferecer.
Segundo ele, ao fazer uma crítica, muitos pretendem ser representantes de Deus alegando boas intenções, mas não percebem que tais métodos e equívocos afastam ainda mais aqueles a quem pretendiam favorecer.
Sabe-se que o termo "crítica construtiva" não soa bem aos ouvidos, pois alude a "ofensa por uma boa causa" como suposto remédio amargo indispensável a ser tomado. Colocando-se no lugar de Deus, julgadores presumiriam fazer jus às palavras de C.S. Lewis quando escreveu que "Deus fere para curar" -- à semelhança de um cirurgião.
Na Bíblia, por vezes, Deus se aproxima do culpado com uma abordagem de investigação, misericórdia e graça antes de sentenciá-lo. Uma evidência disso são perguntas como: "Onde estás?" "Quem te fez saber que estavas nu?" "Comeste da árvore que te não ordenei?" "Onde está teu irmão, Abel?" "Simão, filho de João, amas-me?" etc.
Dessa forma, algo inegável é constatado na narrativa bíblica: o ser humano é incapaz de tomar a iniciativa em admitir sua culpa ou responsabilizar-se por seus erros. E quando o faz nem sempre é movido por arrependimento, mas impulsionado pelo medo de padecer .
Desde a queda do homem, é perceptível essa fuga da responsabilidade individual e a culpabilização de terceiros. No exemplo do casal edênico ("Foi a mulher que tu me deste" e "Foi a serpente que me enganou"), evidencia-se o quanto os seres humanos carecem de justificação e graça, pois sozinhos não conseguiriam nem confessar seus pecados – muito menos enxergá-los.
Em razão dessa terceirização da culpa estar tão entranhada em nossa natureza e cultura, erros, fracassos e males sociais são colocados sempre na conta do governo, igreja, família, sociedade, "maldição hereditária" etc., mas quase nunca do indivíduo e suas escolhas.
Desse maneira, condutas individuais têm sido explicadas por conjecturas como "O corpo explica", traição conjugal submetida a "explicações" darwinistas, assim como teorias psicológicas tentam subverter a moralidade, conforme apontou Theodore Dalrymple em "Evasivas admiráveis".
Por mais que vítimas precisem ser amparadas e protegidas (sobretudo do terror da culpa), a exaltação da ideia de que a vítima nunca é culpada de nada pode ser uma enorme furada a serviço de uma cartada -- ideológica.
Injustiças e atrocidades não poupam nem mesmo pessoas corretas que cumprem fielmente sua parte no âmbito moral e social, porém é inevitável também na vida de todos a "lei da semeadura e colheita". Nesse sentido, por mais duro que seja reconhecer, muitas das vezes, mesmo numa infidelidade conjugal, a parte vítima pode também ter errado, no mínimo, ao escolher com quem decidiu firmar seu enlace matrimonial.
E quando liberais econômicos adotam o discurso da meritocracia como o "sine qua non" da justa retribuição? Abrem brechas tanto para falácias quanto para negação, já que as variáveis da questão iriam além da igualdade formal e material. Mas é impossível negar o necessário "princípio meritocrático" que rege esferas de oportunidade numa sociedade capitalista.
Defeituoso ou não, esse "princípio meritocrático" retribui a todos (ainda que não tão ideal ou inerrante do ponto de vista equânime) de acordo com seu desempenho: notas do boletim escolar ou vestibular, entrevista de emprego, criatividade, capacitação, seleção para mestrado e doutorado, curriculum etc. Em quase tudo exige-se certo esforço ou destaque.
Ao contrário de queridos meus, não adoto como princípio binário de vida "o raciocínio de um coach" (sucesso ou fracasso, perdedor ou vencedor, você que escolhe!), mas precisamos de autorresponsabilidade, pois se não temos deliberação absoluta sobre os resultados dos nossos esforços, por outro lado temos a tendência de criar subterfúgios quando fracassamos.
Somos todos culpados. No plano espiritual, fomos justificados pela fé em Cristo, mesmo condenados, quando foi transferido para o maior inocente nossa sentença de morte. Mas no plano moral, social, econômico, afetivo e político temos que ter autorresponsabilidade, mesmo nem sempre isentos de culpa. Muito menos jogados à própria sorte.
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dos seus autores e não representam a opinião da Editora ULTIMATO.
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