Palavra do leitor
- 10 de agosto de 2007
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As três maiores contradições bíblicas
A Bíblia tida como infalível Palavra de Deus é alçada ao status de própria divindade. Não se admite questionamentos ou dúvidas legítimas de fonte pessoal ou de interesse teológico. Nesse afã uns textos são selecionados e colocados na dianteira, enquanto outros pairam esquecidos na retaguarda.
Mais do que despertar o zelo de piedosos internautas e muito menos abalar a fé dos menos piedosos, desejo sim é apontar alguns limites, não nas Sagradas Escrituras, mas em nossa própria ótica evangélica. Não podemos nos colocar como donos da verdade e fecharmo-nos para o diálogo com outros pontos de vista religiosos. Assim, mais uma vez a tradição e os mandamentos de homens tomam lugar daquilo que está claramente ordenado por Deus: amar ao próximo, fazer ao outro o que desejamos que se fizesse a nós mesmos.
Levanto aqui com muito temor apenas três contradições, atrevo-me ainda a rebater as mais comuns e fáceis explicações e apontar alguns fatais efeitos em uma mudança inevitável de mentalidade hoje vigente nas igrejas. 1ª contradição: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei" (Rom 3.28); "Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé" (Tg 2.24). Em sua tradução, Martinho Lutero empurrou a carta de Tiago para o finalzinho da Bíblia, dizem, em função deste problema. Alguns tentam explicar a contradição dizendo: só a fé justifica, mas a fé só, não. Um jogo de palavras que não diz nada e só confunde mais ainda. A contradição é assustadora: basta ter fé, mas a fé sozinha não basta! Não é pelas obras que o homem é salvo, mas ai dele se não tiver obras... Um novo modelo soterológico aponta para algo além da fé e das obras. Talvez a salvação do outro dependa nem tanto do outro, não da sua fé, não da sua obra. Não penso numa predestinação. Nem numa pregação mais intensa que venha a produzir, novamente, fé. Mas penso em toda responsabilidade da comunidade cristã, como um só corpo, uma árvore frutífera que esteja saudável e dê naturalmente novos frutos.
2ª contradição: "E os que estavam comigo viram, em verdade, a luz, e se atemorizaram muito, mas não ouviram a voz daquele que falava comigo" (At 22.9); "E os homens, que iam com ele, pararam espantados, ouvindo a voz, mas não vendo ninguém" (At 9.7). Afinal os homens que iam com Paulo só viram ou só ouviram algo? Alguns tentam mais uma vez justificar o texto: eles viram uma luz, mas não viram ninguém, eles ouviram um som, mas não entenderam... O fato é que o relato é contraditório. Alguém poderia até dizer que aqueles homens estavam tão assustados que nem eles mesmos sabiam o que foi que viram ou ouviram! Tudo isso aponta para um fato pitoresco que é Jesus aparecendo, após sua ascensão, de forma visível e audível para um homem. Algo que se repetiu apenas para João na ilha de Patmos. E mesmo assim o texto apocalíptico não deixa claro se foi Jesus ou um anjo. E vez por outra "crentes especiais" afirmam, apesar do ceticismo geral, ter tido uma visão do Senhor. Será que isso também não nos desafia para um novo entendimento do místico, onde as experiências subjetivas cristãs não precisam ser necessariamente provadas objetivamente para uma sociedade ávida por ciência, mas não pelo Deus da verdadeira ciência?
3ª contradição: "E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno" (Mt 2.23). Evidentemente não existe em nenhum dos profetas uma referência ao termo Nazareno. Alguns tentam explicações cada uma mais esquisita do que outra, como por exemplo, que nazareno seria uma variação de nazireu, como se os escritores bíblicos tivessem a língua presa. Outros falam que nazareno é um sinônimo de desprezado, outros de ramo... Mera especulação. Mais nobres, nesse caso, são os que assumem que não sabem explicar de onde vem essa profecia.
Será que não estamos tão obcecados em apresentar respostas para tudo que esquecemos que não sabemos tudo? Não por medo de confessar o que sabemos, mas por nossos próprios limites humanos. Nem sabemos tudo sobre as Escrituras. E se existe um livro profético, perdido, como a epístola perdida de Paulo à Laodicéia (Col 4.16), que nem jamais será achado?
Há outras muitas fronteiras em que nos esbarramos, como a do "que os olhos não viram e ouvidos não ouviram", mas João em Patmos e Paulo no seu arrebatamento vislumbraram, ou de um simples relato do evangelho que não casa com outros, ou de textos do Antigo Testamento que são mistérios ainda não revelados. Como na ciência existe um constante valsar entre prática e teoria, entre empiria e teses, é preciso que no viver cristão sempre se esteja conferindo teologia com o dia a dia, Bíblia com a experiência pessoal ou comunitária. Ora a prática terá que ser ajustada, ora a leitura que se faz do texto sagrado, quando não há afinidade entre os dois.
Todas essas contradições nos levam a uma conclusão: Deus quer o amemos com todo nosso coração, alma, forças e cheguemos também nessa paixão aos limites de nosso entendimento.
Mais do que despertar o zelo de piedosos internautas e muito menos abalar a fé dos menos piedosos, desejo sim é apontar alguns limites, não nas Sagradas Escrituras, mas em nossa própria ótica evangélica. Não podemos nos colocar como donos da verdade e fecharmo-nos para o diálogo com outros pontos de vista religiosos. Assim, mais uma vez a tradição e os mandamentos de homens tomam lugar daquilo que está claramente ordenado por Deus: amar ao próximo, fazer ao outro o que desejamos que se fizesse a nós mesmos.
Levanto aqui com muito temor apenas três contradições, atrevo-me ainda a rebater as mais comuns e fáceis explicações e apontar alguns fatais efeitos em uma mudança inevitável de mentalidade hoje vigente nas igrejas. 1ª contradição: "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei" (Rom 3.28); "Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé" (Tg 2.24). Em sua tradução, Martinho Lutero empurrou a carta de Tiago para o finalzinho da Bíblia, dizem, em função deste problema. Alguns tentam explicar a contradição dizendo: só a fé justifica, mas a fé só, não. Um jogo de palavras que não diz nada e só confunde mais ainda. A contradição é assustadora: basta ter fé, mas a fé sozinha não basta! Não é pelas obras que o homem é salvo, mas ai dele se não tiver obras... Um novo modelo soterológico aponta para algo além da fé e das obras. Talvez a salvação do outro dependa nem tanto do outro, não da sua fé, não da sua obra. Não penso numa predestinação. Nem numa pregação mais intensa que venha a produzir, novamente, fé. Mas penso em toda responsabilidade da comunidade cristã, como um só corpo, uma árvore frutífera que esteja saudável e dê naturalmente novos frutos.
2ª contradição: "E os que estavam comigo viram, em verdade, a luz, e se atemorizaram muito, mas não ouviram a voz daquele que falava comigo" (At 22.9); "E os homens, que iam com ele, pararam espantados, ouvindo a voz, mas não vendo ninguém" (At 9.7). Afinal os homens que iam com Paulo só viram ou só ouviram algo? Alguns tentam mais uma vez justificar o texto: eles viram uma luz, mas não viram ninguém, eles ouviram um som, mas não entenderam... O fato é que o relato é contraditório. Alguém poderia até dizer que aqueles homens estavam tão assustados que nem eles mesmos sabiam o que foi que viram ou ouviram! Tudo isso aponta para um fato pitoresco que é Jesus aparecendo, após sua ascensão, de forma visível e audível para um homem. Algo que se repetiu apenas para João na ilha de Patmos. E mesmo assim o texto apocalíptico não deixa claro se foi Jesus ou um anjo. E vez por outra "crentes especiais" afirmam, apesar do ceticismo geral, ter tido uma visão do Senhor. Será que isso também não nos desafia para um novo entendimento do místico, onde as experiências subjetivas cristãs não precisam ser necessariamente provadas objetivamente para uma sociedade ávida por ciência, mas não pelo Deus da verdadeira ciência?
3ª contradição: "E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno" (Mt 2.23). Evidentemente não existe em nenhum dos profetas uma referência ao termo Nazareno. Alguns tentam explicações cada uma mais esquisita do que outra, como por exemplo, que nazareno seria uma variação de nazireu, como se os escritores bíblicos tivessem a língua presa. Outros falam que nazareno é um sinônimo de desprezado, outros de ramo... Mera especulação. Mais nobres, nesse caso, são os que assumem que não sabem explicar de onde vem essa profecia.
Será que não estamos tão obcecados em apresentar respostas para tudo que esquecemos que não sabemos tudo? Não por medo de confessar o que sabemos, mas por nossos próprios limites humanos. Nem sabemos tudo sobre as Escrituras. E se existe um livro profético, perdido, como a epístola perdida de Paulo à Laodicéia (Col 4.16), que nem jamais será achado?
Há outras muitas fronteiras em que nos esbarramos, como a do "que os olhos não viram e ouvidos não ouviram", mas João em Patmos e Paulo no seu arrebatamento vislumbraram, ou de um simples relato do evangelho que não casa com outros, ou de textos do Antigo Testamento que são mistérios ainda não revelados. Como na ciência existe um constante valsar entre prática e teoria, entre empiria e teses, é preciso que no viver cristão sempre se esteja conferindo teologia com o dia a dia, Bíblia com a experiência pessoal ou comunitária. Ora a prática terá que ser ajustada, ora a leitura que se faz do texto sagrado, quando não há afinidade entre os dois.
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