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Palavra do leitor

Aprendendo com o lixo alheio

Aprendo coisas novas. Minha atual rotina fornece-me preciosas lições; desde que nos instalamos aqui procuramos nos adequar, principalmente devido ao clima, nossos horários mudaram muitas vezes. Agora acordo às quatro da manhã pra estudar e orar, pelas cinco os outros acordam; na Missão Vida sempre sobra pra eu acordar os outros, triste sina!

Serão cinco horas no terreno onde estamos construindo a Missão Vida – Bahia, as mais variadas funções, estive orando pra amar tudo isso, Ele respondeu prontamente: "Ocupe-se!" estou cavando uma cisterna junto com os irmãos, carregando tijolos, abrindo buracos com uma alavanca num terreno rochoso, cavando valas para o alicerce e ajudando a fazer a cerca; ocupadíssimo, to amando.

À uma e meia, devocionais sob o ventilador da sala (a generosidade divina é comovente!). Depois retornamos e trabalhamos até as cinco. Pra fechar o dia com banho, jantar, culto e cama. Amanhã retomamos.

Aprendo coisas novas, e boas.

Fatos corriqueiros ensinam-me; ao chegarmos deparamos com quatro “respeitáveis” montes de lixo, nosso terreno era o lixão das redondezas; entre cães e gatos sepultei pessoalmente nove defuntos, teve um cachorro que se abriu deixando as vísceras à mostra e, não vão querer saber sobre isso. Atacamos o lixão.

Foram nove dias desmontando as pilhas de lixo, nossas ferramentas eram duas enxadas, uma pá, um rastelo e um carrinho de mão. Era muito lixo, mas que demais da conta. Deprimente. Nessas horas é suicídio espiritual pensar em vocação e chamado missionários. Quanto mais cavávamos mais lixo brotava da terra.

Sacos plásticos cheios de lixo, enterrados, silenciosos, contaminando tudo, uma visão sem igual; agora o lugar ta limpo, aparentemente.

Fui pregar, aliás, fui levar os internos pra visitar uma igreja e, já assentados nas últimas cadeiras fui avisado que eu era o pregador da noite. (ama deixar-me em justas saias!) Deus ta gostando desse trem de me ver sem jeito; “metodista de carteirinha e camiseta” lá fui eu improvisar. (Todo cristão deve estar pronto pra morrer ou pra pregar. John Wesley)

Ocorreu-me comentar sobre o trabalho de limpeza (quem conhece a Missão Vida sabe que limpeza aqui é quase doutrina), considerei o fato de que quanto mais removíamos lixo, mais lixo surgia, parecia uma mina de lixo, próspera, inesgotável; até agora se cavar fundo sai lixo, é de cortar os pulsos.

Quis espalhar areia branca pela área, (ta certo que não resolve, mas que ficaria bonitinho, ah, ficaria). E foi nessa toada falando de lixo e limpeza que meu coração entendeu o que São Paulo quis dizer quando se nomeou o principal dos pecadores. Seremos sempre, perdoados pecadores; John Wesley ensina que a Graça nos livra da culpa do pecado e do poder do pecado ainda aqui nesta jornada; mas entendo que só na glória é que estaremos livres da presença, da fedorenta companhia do pecado.

Li “Em nome do Pai” – Larry Crabb e aprendi sobre oração relacional, agora todas as vezes que me ponho diante de Deus, um monte de assuntos pendentes vem à tona, coisas que ficaram pela metade; pecados que reconheci, mas não os confessei; pelos quais não pedi perdão, sequer abandonei. Esse trem de ser filho de Deus cara a cara é de tirar o fôlego!

Permita-me confessar uma coisa: desde que decidi me tratar com Deus dos problemas ligados ao rancor, ira, inveja, preguiça espiritual, desejos impuros, pensamentos lascivos, desprezo pelos simples, afeição pelo poder, perdão não liberado e amor retido, contabilizei e, lixo. Toda a minha indignação e raiva “legítimas” são uma só coisa, lixo.

“Não concordo! Não perdoo! Não esqueço! Não relevo!” Lixo! Sou assim.

No começo foi atroz, resisti, adiei até tomar gosto pelo perdão; sentir-me perdoado já era bom e perdoar não me fez importante, me sinto curado, liberto, emancipado em Deus. Não dá pra jogar uma areia branquinha e melhorar, foi preciso abrir-me e deixar o amor do Pai desalojar o medo de ser limpo, e santo.

Outro dia, terminávamos de limpar uma área quando veio um moço com um saco de lixo, pedi a ele que não jogasse ali, educadamente e ele, com um sorriso carnavalesco jogou o saco de lixo nos meus pés. A ira sufocou-me, quase explodi, mas ainda que alguém duvide, eu orei e não disse nada; O Douglas apanhou o saco de lixo e foi atrás dele, conversou com ele e tudo ficou bem, ele levou o seu lixo para o lixo, não pra nós.

Sempre que ele passa faço questão de cumprimentá-lo; estão dizendo que o sol forte daqui e a solidão me afetaram seriamente, mas acho que não; creio que após tantos anos de insubordinação, agora tem mais de Deus, e menos de mim, em mim.

Aprender e crescer, dolorosa rotina.

(ex-interno do Centro de Recuperação de Mendigos – Missão Vida)

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