Palavra do leitor
- 17 de janeiro de 2022
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Amizade verdadeira ou com segundas intenções?
A pergunta sobre o significado do termo "cativar" no clássico literário "O Pequeno Príncipe" diz muito sobre o que envolve a arte de conquistar corações, criar laços afetivos e cultivar amizade. Em resposta à indagação do menino, a personagem raposa ilustra que cativar inclui tornar-se interessante, importante e singular para outra pessoa, fazendo com que "cativador" e "cativado" passem a necessitar um do outro como se fossem únicos no mundo.
Apesar de apreciar muito essa obra de Saint-Exupery, confesso que durante muito tempo encarei negativamente a ideia de se ter que cativar alguém para que este precisasse de você e vice-versa. Inicialmente, considerava um tanto ignóbil, utilitarista ou mesmo pragmática essa lógica do "cativar" para legitimar a essência de uma verdadeira amizade.
No entanto, por mais que essa minha objeção mental pretendesse ser "racionalista, confirmava-se uma leitura um tanto desatenta, pois é imprescindível uma real conquista da afeição do outro para uma amizade não ser meramente nominal.
Por considerar a evidência de amor fraternal (ou devoção a uma amizade verdadeira) totalmente desprovida da ideia utilitária (como na história bíblica de Davi e Jônatas), deixei de reconhecer o óbvio: todas as relações se baseiam no interesse, mas não necessariamente no sentido interesseiro – que foca apenas em fins egoístas ou vantagens materialistas.
De fato, precisamos uns dos outros até mesmo para construirmos quem somos, pois sabemos que a formação da nossa identidade passa pela alteridade e o contrário idem. Nesse contexto, faz-se necessário lembrar que uma saudável amizade se revela no apreço que supera as diferenças ideológicas, religiosas e políticas. Ainda que se rejeite ou combata as ideias do amigo (como fez Chesterton e Bernard Shaw, Aristóteles e Platão etc.), não há desejo de imposição (e sim de exposição) ao outro de suas idiossincrasias.
Ao relacionarmos o tema da amizade ao amor, lembramos das palavras de C.S. Lewis quando escreveu que "Amizade é o mais plenamente humano de todos os amores – coroa da vida e da virtude".
As pessoas tendem a amar as outras por um espectro pessoal ou impessoal.
No espectro da impessoalidade, ama-se alguém quando se admira seus talentos, qualidades etc., imaginário construído pela distinção dessa pessoa considerada diferenciada – estimado pelo que pode oferecer.
Já no espectro da pessoalidade, ama-se alguém pelo que ela é em si, admirando-se seu jeito de ser e peculiaridades, mas tais características se tornam meros detalhes adicionais, após o vínculo solidamente constituído na disposição da estima.
Por mais romantizada que pareça, esse tipo de amor encontra-se cada vez mais em extinção - justamente por lembrar o amor de Deus – ou mesmo de uma abnegada mãe, ao contrário do amor humano convencional.
Se no contexto da amizade Exupery registrou que cativar implica em fazer com que alguém precise de outra, Roger Scruton por sua vez descreveu a amizade como algo "inútil", "coisa sem finalidade", mas que, por isso mesmo, resiste quando as coisas úteis perdem o sentido. Em tempos de pandemia, essa reflexão ganha ainda maior significado.
Segundo o professor tomista Sidney Silveira, "Amizade ou é temperada pelo desinteresse ou tem prazo certo para acabar". Subjaz nessa frase genial indispensável prudência de um amigo que não invade inconvenientemente o espaço do outro com presença demasiada e sufocante, mas também não mantém uma distância que configura desinteresse, abandono ou ingratidão.
Essa ponderação também pode ser combinada com o limite tolerável da intimidade, assim como o equilíbrio entre presença e ausência temperando a amizade.
E por falar em limite tolerável da intimidade, Nietzsche escreveu que as mulheres podem facilmente tornar-se amigas de um homem, mas para isso seria indispensável uma disputa pela antipatia física.
A meu ver, a menos que um homem seja moralmente doente, tarado e compulsivo sexual, sendo genuíno cristão é possível existir uma verdadeira amizade com a mais linda entre as solteiras, estabelecidos os limites da intimidade e relação baseada no respeito mútuo.
Quanto mais jovens e comprometidos são os amigos de sexos opostos, distâncias físicas (por motivos éticos e óbvios) são deveres morais – o que não significa que uma amiga tenha de fugir de um eventual abraço masculino ou aperto de mão formal amistoso, embora precise estar ciente de que um amigo hétero honrado e respeitoso não se enquadra nem no arquétipo de canalha sedutor nem de "miguxinho".
Todos buscamos e precisamos de amizades verdadeiras, mas como predisse Jesus, o amor se esfriará cada vez mais - Mt 24:12. A humanidade piorará; a maldade aumentará. Mas verdadeiros amigos, ainda que sejam raríssimos, sempre existirão.
Parafraseando a canção (O amigo) de Sergio Lopes, quem pode ser melhor amigo que Jesus (que a própria vida por seus amigos deu na cruz)? Permita-se ser cativado por esse Amor e terás o mais Perfeito e Leal dos Amigos (Jo 15:12).
Apesar de apreciar muito essa obra de Saint-Exupery, confesso que durante muito tempo encarei negativamente a ideia de se ter que cativar alguém para que este precisasse de você e vice-versa. Inicialmente, considerava um tanto ignóbil, utilitarista ou mesmo pragmática essa lógica do "cativar" para legitimar a essência de uma verdadeira amizade.
No entanto, por mais que essa minha objeção mental pretendesse ser "racionalista, confirmava-se uma leitura um tanto desatenta, pois é imprescindível uma real conquista da afeição do outro para uma amizade não ser meramente nominal.
Por considerar a evidência de amor fraternal (ou devoção a uma amizade verdadeira) totalmente desprovida da ideia utilitária (como na história bíblica de Davi e Jônatas), deixei de reconhecer o óbvio: todas as relações se baseiam no interesse, mas não necessariamente no sentido interesseiro – que foca apenas em fins egoístas ou vantagens materialistas.
De fato, precisamos uns dos outros até mesmo para construirmos quem somos, pois sabemos que a formação da nossa identidade passa pela alteridade e o contrário idem. Nesse contexto, faz-se necessário lembrar que uma saudável amizade se revela no apreço que supera as diferenças ideológicas, religiosas e políticas. Ainda que se rejeite ou combata as ideias do amigo (como fez Chesterton e Bernard Shaw, Aristóteles e Platão etc.), não há desejo de imposição (e sim de exposição) ao outro de suas idiossincrasias.
Ao relacionarmos o tema da amizade ao amor, lembramos das palavras de C.S. Lewis quando escreveu que "Amizade é o mais plenamente humano de todos os amores – coroa da vida e da virtude".
As pessoas tendem a amar as outras por um espectro pessoal ou impessoal.
No espectro da impessoalidade, ama-se alguém quando se admira seus talentos, qualidades etc., imaginário construído pela distinção dessa pessoa considerada diferenciada – estimado pelo que pode oferecer.
Já no espectro da pessoalidade, ama-se alguém pelo que ela é em si, admirando-se seu jeito de ser e peculiaridades, mas tais características se tornam meros detalhes adicionais, após o vínculo solidamente constituído na disposição da estima.
Por mais romantizada que pareça, esse tipo de amor encontra-se cada vez mais em extinção - justamente por lembrar o amor de Deus – ou mesmo de uma abnegada mãe, ao contrário do amor humano convencional.
Se no contexto da amizade Exupery registrou que cativar implica em fazer com que alguém precise de outra, Roger Scruton por sua vez descreveu a amizade como algo "inútil", "coisa sem finalidade", mas que, por isso mesmo, resiste quando as coisas úteis perdem o sentido. Em tempos de pandemia, essa reflexão ganha ainda maior significado.
Segundo o professor tomista Sidney Silveira, "Amizade ou é temperada pelo desinteresse ou tem prazo certo para acabar". Subjaz nessa frase genial indispensável prudência de um amigo que não invade inconvenientemente o espaço do outro com presença demasiada e sufocante, mas também não mantém uma distância que configura desinteresse, abandono ou ingratidão.
Essa ponderação também pode ser combinada com o limite tolerável da intimidade, assim como o equilíbrio entre presença e ausência temperando a amizade.
E por falar em limite tolerável da intimidade, Nietzsche escreveu que as mulheres podem facilmente tornar-se amigas de um homem, mas para isso seria indispensável uma disputa pela antipatia física.
A meu ver, a menos que um homem seja moralmente doente, tarado e compulsivo sexual, sendo genuíno cristão é possível existir uma verdadeira amizade com a mais linda entre as solteiras, estabelecidos os limites da intimidade e relação baseada no respeito mútuo.
Quanto mais jovens e comprometidos são os amigos de sexos opostos, distâncias físicas (por motivos éticos e óbvios) são deveres morais – o que não significa que uma amiga tenha de fugir de um eventual abraço masculino ou aperto de mão formal amistoso, embora precise estar ciente de que um amigo hétero honrado e respeitoso não se enquadra nem no arquétipo de canalha sedutor nem de "miguxinho".
Todos buscamos e precisamos de amizades verdadeiras, mas como predisse Jesus, o amor se esfriará cada vez mais - Mt 24:12. A humanidade piorará; a maldade aumentará. Mas verdadeiros amigos, ainda que sejam raríssimos, sempre existirão.
Parafraseando a canção (O amigo) de Sergio Lopes, quem pode ser melhor amigo que Jesus (que a própria vida por seus amigos deu na cruz)? Permita-se ser cativado por esse Amor e terás o mais Perfeito e Leal dos Amigos (Jo 15:12).
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dos seus autores e não representam a opinião da Editora ULTIMATO.
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