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Palavra do leitor

Ah, lembrei–me, hoje é dia de Deus!

O período da páscoa, particularmente, pouco ou nada me acrescenta. Quiçá, seja por uma lacuna completa de perceber o seu sentido e foco central. De certo, há um imiscuir de práticas a léguas de distância da simplicidade do viver preconizado e defendido ferrenhamente por Cristo, até as últimas partículas de emoção, de humanidade, de ética, de respeito e dignidade. Infelizmente, todos os pontos cardeais da páscoa parece ter sido substituídos por uma cartilha de mandamentos culturais cauterizados por uma tradição histórica – cultural eclesiástica enfadonha e esquizofrenizada do mover da realidade diária e das angústias do homem. Eis aqui a disseminação de ritualismos e costumes engessados, com maior ênfase, nas dimensões sociais plasmadas pelos preceitos de uma ética e civilização ocidental cristã, embora, em muitos de seus vértices, num processo calamitoso e agonizante de perda de destino. Mesmo assim, para manter todas as aparências, adotamos uma espécie de freios dessa corrida tresloucadas do cotidiano e até nos filiarmos na rejeição, como o diabo fugindo da cruz, da carne vermelha. Aliás, provavelmente, em uma parcela expressiva das vertentes evangélicas, dentro de parcos instantes, a páscoa será pinçada. Semelhantemente, a temática da libertação do povo hebreu do estado de desumanização no Egito. Depois disso, retornaremos a nos ocupar com o nosso ventre de cada dia, com a nossa cupidez, por mais e mais, com a nossa panacéia por uma felicidade de anônimos esgarçados na multidão atomizada, com a nossa fé num Messias adaptado a uma esperança escasseada e, assim sendo, aguardamos o fechar das cortinas. De per si, lanço as redes em direção a uma palavra arraigada e profundamente deformada no inconsciente e no imaginário da humanidade, ou seja, "liberdade".

Devo alertar, esmiuçar essa palavra significa uma viagem pelo nosso próprio ser e ao vasculharmos as páginas da história, encontraremos uma trilha de morte, de vida, de ressurreição e de recomeço. Estranhamente, os meandros de Êxodo 12 e do ato decisório da reconciliação encabeçada e encarnada nas ambigüidades e nas tensões da vida por Cristo, culminaram na possibilidade concreta do encontro entre Deus o ser humano. Nota – se, um reencontro com altos e baixos, com a incidência das vicissitudes, com as descobertas, com os por que (s) e por ai vai todo um vínculo dialético. Em outras palavras, a páscoa abre caminhos para subirmos ao palco da vida, pegamos a tinta e a pena e numa contundente e efervescente parceria alcançarmos, evidentemente, não pacotes fechados de soluções mais alinhadas a satisfazer as nossas perfunctórias e narcisistas paixões. Deveras, a liberdade representa uma matéria rodeada de contradições e contrariedades e, as vezes, beira na mais deslavada hipocrisia. Ultimamente, aspiramos, inclusive eu não nego, uma liberdade orquestrada por uma pletora de informações, de um aumento vertiginoso de benesses e vantagens. Em contrapartida, parar na trajetória da Páscoa nos oferece a liberdade a fim de sermos nós mesmos, livres para assumirmos uma humanidade com a coragem de estender as mãos, de partilhar a vida, de compartilhar candura, de permear o próximo com inocência, com uma via de intimidade espiritual sem as munições de um patético e insano triunfalismo solapador do outro, de olharmos para o próximo e permitirmos a Graça tecer os contornos e as nuances de Cristo. Não por menos, a páscoa alquebra os ferrolhos rotuladores de ‘’abençoados e amaldiçoados’’, ‘’afortunados e desgraçados’’, ‘’santos e profanos’’, "certos e errados", "bons e maus".

Vou além, livres para abraçarmos o outro tatuado, ou outro viciado, o outro falido, o outro com pircê, o outro advindo de alguma subcultura ou gueto, o outro que nem sempre concordará conosco, o outro de linho fino ou de pano de saco, o outro garoto ou garota de programa, o outro morador de rua, o outro nas valas do sistema carcerário, o outro na mais abissal descrença, o outro enredado ao homossexualismo, o outro de alguma minoria, o outro que, antes de uma retórica e de uma exesege bíblica, precisa de abraço, de ouvido, de tolerância, de dignidade, de aconchego, de recomeço e, ademais, de Cristo. As vezes, silencioso! As vezes, na penumbra da solidão! As vezes, no desdobrar dos laços comunitários! As vezes, silencioso! As vezes, na penumbra da solidão! As vezes, no desdobrar dos laços comunitários! De tal modo,lembrarmo – nos de um Deus como uma incontestável alternativa de amizade, de companheirismo e de um contraponto que transcende os murais, os vitrais, os mármores e todas as fronteiras firmadas pelos templos de aparências, de caricaturas, de marionetes, de uma páscoa desvencilhada de todas as estações, os meses, os dias, as horas e as páginas de nossa existência, de nossa espiritualidade e vida.Presumidamente, a páscoa nos remete para o Deus da liberdade, não para sermos propriedade ou um objeto no seu porão, da libertação do ethos, do espírito e da volição, da profecia libertária.
São Paulo - SP
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