Palavra do leitor
- 29 de janeiro de 2022
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Abraço: acolher e salvar
Esses dias eu amanheci com saudades de uma pessoa. Não uma pessoa qualquer. Durante a noite que sucedera a este novo dia, minha memória, ou alguma outra parte do meu ser, me fez sonhar com meu pai, falecido há alguns anos. Nunca falei abertamente desse personagem da minha história, não sei exatamente o porquê, talvez por medo, timidez, vergonha, ou simplesmente por não ter conhecido, de fato, quem era este homem. Quem sabe seja uma tentativa de me redimir com minha própria história.
Nosso relacionamento não foi algo que poderia chamar de ideal. Não lembro de momentos, quando juntos, me sentia protegido, não lembro de ter sido orientado, educado por aquele que deveria ser meu herói. Sim, não tenho lembranças de brincadeiras ou aventuras guardadas na cabeça. Não recordo de conselhos e orientações deste que deveria ser meu tutor. Suas palavras para comigo foram poucas, quase inexistentes. O cuidado e amor paternais seriam exercidos sobre mim por outras personagens.
Mas tudo tem uma razão e meu pai criou e amou sua família do seu jeito. Com suas limitações e linguagem próprias, ele acreditava estar exercendo seu papel de genitor. Meu pai simplesmente não tinha recebido aquilo que eu e meus irmãos tanto precisávamos. Não podia transmitir, não podia ensinar o que lhe fora negado. Afinal, somos reféns de nossa linguagem e conhecimento, eles indicam até onde podemos ir. Como tantos outros homens do nordeste do Brasil, filhos de pais rudes e desconectados do mundo que evoluía, meu pai teve dificuldades de se relacionar de maneira natural e saudável com todos ao seu redor.
Conheceu a bebida muito cedo e esta o acompanharia até perto do seu fim, tirando-lhe muitos prazeres que todo mortal busca durante sua existência: a presença duradoura de uma companheira, a companhia de filhos e netos, a alegria de ter amigos e de viajar. Hoje sei que por trás daquela sua aparente dureza de coração, além de seus atos não tão finos, se escondia alguém carente de uma palavra doce, de um olhar carinhoso, de um abraço sincero e aconchegante que talvez algumas pessoas lhe negaram, inclusive eu.
No sonho que tive na noite passada, o senhor meu pai me abraçava. Mas não era um abraço comum, era um abraço que eu nunca havia recebido dele. Aquele abraço que recebemos de alguém que estava muito longe e há muito tempo e, de repente, bate à porta. Ou aquele que recebemos numa despedida de um grande amigo. Enfim, um abraço de pai: seguro, verdadeiro, forte, gostoso, acolhedor… sem palavras, só gesto e ternura. E mesmo sendo aquela experiência fora do mundo real, senti-me filho.
Esse abraço fruto de minha experiência quase espiritual me fez pensar e me reportou a um abraço de um outro pai. Aquele da parábola contada por Jesus que encheu de esperança o filho que estava longe, perdido em seus projetos egoístas fracassados, abandonado, sujo, cabisbaixo. Um abraço gracioso de alguém que esperava todos os dias, à porta, pelo retorno do filho amado, pródigo, porém desejado por um coração que havia aprendido o tamanho e a profundidade do amor "ágape". Estando ainda longe, diz o texto, "seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou" (Lc 15.20). Como disse Anne Frank: "Os abraços foram feitos para expressar o que as palavras deixam a desejar."
E em meio aos pensamentos oriundos da experiência do sonho que compartilho, não pude também deixar de lembar de outro abraço: imagino o abraço de Deus-Pai no seu Filho quando este, com sua entrega total e radical na cruz, volta à sua presença após cumprir sua missão que havia abraçado desde a fundação do mundo. Também tento imaginar o abraço que receberemos do Cristo naquele grande dia em que, transformados, estaremos todos diante do cordeiro. Se o abraço de um pai natural, mesmo num sonho, é algo tão especial, imaginem o abraço daquele que criou os céus e a terra!
Enquanto esperamos, ansiosamente, esse abraço do Filho Redentor, podemos hoje desfrutar de sua presença através de seu Evangelho que traz uma oferta única de paz e reconciliação entre todos que estão ainda distantes da casa do Pai, e portanto, sem desfrutar da oportunidade de serem abraçados por um Deus totalmente gracioso, disponível e consolador. Um Deus que não nos enxerga como somos hoje, mas como poderemos ser amanhã.
Abrace hoje e permita ser abraçado por quem está próximo. E mais ainda: receba o abraço acolhedor e salvífico do único que, de tanto amar, morreu por você e que é capaz de lhe reconectar com a verdadeira vida abundante para a qual fomos criados. Na cruz, Cristo, vitorioso, nos recebe com braços abertos pronto para nos levar por caminhos inescrutáveis, quando poderemos, radiantes e confiantes bradar: "porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas" (Rm 11.36).
Tony
Nosso relacionamento não foi algo que poderia chamar de ideal. Não lembro de momentos, quando juntos, me sentia protegido, não lembro de ter sido orientado, educado por aquele que deveria ser meu herói. Sim, não tenho lembranças de brincadeiras ou aventuras guardadas na cabeça. Não recordo de conselhos e orientações deste que deveria ser meu tutor. Suas palavras para comigo foram poucas, quase inexistentes. O cuidado e amor paternais seriam exercidos sobre mim por outras personagens.
Mas tudo tem uma razão e meu pai criou e amou sua família do seu jeito. Com suas limitações e linguagem próprias, ele acreditava estar exercendo seu papel de genitor. Meu pai simplesmente não tinha recebido aquilo que eu e meus irmãos tanto precisávamos. Não podia transmitir, não podia ensinar o que lhe fora negado. Afinal, somos reféns de nossa linguagem e conhecimento, eles indicam até onde podemos ir. Como tantos outros homens do nordeste do Brasil, filhos de pais rudes e desconectados do mundo que evoluía, meu pai teve dificuldades de se relacionar de maneira natural e saudável com todos ao seu redor.
Conheceu a bebida muito cedo e esta o acompanharia até perto do seu fim, tirando-lhe muitos prazeres que todo mortal busca durante sua existência: a presença duradoura de uma companheira, a companhia de filhos e netos, a alegria de ter amigos e de viajar. Hoje sei que por trás daquela sua aparente dureza de coração, além de seus atos não tão finos, se escondia alguém carente de uma palavra doce, de um olhar carinhoso, de um abraço sincero e aconchegante que talvez algumas pessoas lhe negaram, inclusive eu.
No sonho que tive na noite passada, o senhor meu pai me abraçava. Mas não era um abraço comum, era um abraço que eu nunca havia recebido dele. Aquele abraço que recebemos de alguém que estava muito longe e há muito tempo e, de repente, bate à porta. Ou aquele que recebemos numa despedida de um grande amigo. Enfim, um abraço de pai: seguro, verdadeiro, forte, gostoso, acolhedor… sem palavras, só gesto e ternura. E mesmo sendo aquela experiência fora do mundo real, senti-me filho.
Esse abraço fruto de minha experiência quase espiritual me fez pensar e me reportou a um abraço de um outro pai. Aquele da parábola contada por Jesus que encheu de esperança o filho que estava longe, perdido em seus projetos egoístas fracassados, abandonado, sujo, cabisbaixo. Um abraço gracioso de alguém que esperava todos os dias, à porta, pelo retorno do filho amado, pródigo, porém desejado por um coração que havia aprendido o tamanho e a profundidade do amor "ágape". Estando ainda longe, diz o texto, "seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou" (Lc 15.20). Como disse Anne Frank: "Os abraços foram feitos para expressar o que as palavras deixam a desejar."
E em meio aos pensamentos oriundos da experiência do sonho que compartilho, não pude também deixar de lembar de outro abraço: imagino o abraço de Deus-Pai no seu Filho quando este, com sua entrega total e radical na cruz, volta à sua presença após cumprir sua missão que havia abraçado desde a fundação do mundo. Também tento imaginar o abraço que receberemos do Cristo naquele grande dia em que, transformados, estaremos todos diante do cordeiro. Se o abraço de um pai natural, mesmo num sonho, é algo tão especial, imaginem o abraço daquele que criou os céus e a terra!
Enquanto esperamos, ansiosamente, esse abraço do Filho Redentor, podemos hoje desfrutar de sua presença através de seu Evangelho que traz uma oferta única de paz e reconciliação entre todos que estão ainda distantes da casa do Pai, e portanto, sem desfrutar da oportunidade de serem abraçados por um Deus totalmente gracioso, disponível e consolador. Um Deus que não nos enxerga como somos hoje, mas como poderemos ser amanhã.
Abrace hoje e permita ser abraçado por quem está próximo. E mais ainda: receba o abraço acolhedor e salvífico do único que, de tanto amar, morreu por você e que é capaz de lhe reconectar com a verdadeira vida abundante para a qual fomos criados. Na cruz, Cristo, vitorioso, nos recebe com braços abertos pronto para nos levar por caminhos inescrutáveis, quando poderemos, radiantes e confiantes bradar: "porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas" (Rm 11.36).
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