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Palavra do leitor

A redenção acontece na esperança

Estava lendo por aí quando, mais uma vez, deparei-me com o escrito semanal do Rubem Alves cujo título é "O direito de dormir". Como sempre, a conversa começa mansa, expondo uma reminiscência, um pequeno incidente e logo depois vem o mergulho de ponta cabeça para buscar a partir daí uma reflexão como quem busca pérola no fundo do mar.

Desta vez, para falar do título, ele começou lembrando o sono de uma criança, canções de ninar criadas por mestres da música clássica e como quem puxa fios soltos num tecido, o assunto tomou rumos diversos, mas sempre rodeando a necessidade de dormir como descanso das fadigas diárias, mas da vida também. Então colocou uma fala de sua filha, quando esta tinha quatro anos: "Papai, as coisas não se cansam de serem coisas?".

As crianças não têm medo de perguntar e quando o fazem, descobrem pontos de vista que normalmente tomamos por tolice, tal o distanciamento do pensar “correto”. Como ele, percebo nesta pergunta muito de poesia e profundidade e é ela que me motiva a escrever hoje.

Esta semana, ouvindo um professor de teologia, num dado momento ele projetou uma tela com alguns nomes famosos na filosofia e psicologia e entre os que lembro: Freud, Feuerbach, Nietzsche, Karl Marx e uns dois mais. Sobre eles disse: estes aqui são os maiores provocadores de idéias, mas também do status quo de seu momento de vida. Quer dizer, foram mentes inquietas e insatisfeitas, questionadoras de padrões estabelecidos. Concordei calado, enquanto ouvia.

Juntando as crianças e estes provocadores, recordo dois textos de Paulo. O primeiro refere-se aos sábios. “Examinem tudo, fiquem com o que é bom.” (1 Ts 5.21 – NTLH). Na versão revista e atualizada de Almeida, no lugar de examinar é usado o verbo julgar. Ambos com o mesmo sentido de por algo à prova, testá-lo, para ver se resiste a um ponto de vista novo. Nisso devemos parecer-nos com crianças e afirmo sem medo, a palavra de Deus nos ensina a ser assim.

Isto nos leva à pergunta da pequenina. Sim, as coisas cansam de ser o que são. Nós cansamos de ser o que somos e novamente recorro a uma fala de Paulo. “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” (Rm 8.19-23 – ARA)

Porque as coisas e nós cansamos é porque estamos sujeitos à “vaidade”. A criação de forma involuntária, nós por escolha própria até o dia em que fomos tocados pela Graça. Mas que significa vaidade? A primeira impressão que nos vem é que a palavra está deslocada, porque pensamos no sentido de presunção, de alguém que possui uma imagem falsa de si mesmo. O significado da palavra grega mataiotes, porém, fala de algo nulo, destituído de verdade, depravado, frágil e sem vigor.

O dicionário Houaiss afirma sobre vaidade: qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória. Está explicado porque as coisas cansam de serem coisas nestas condições. Que dizer de nós? Ora, se a criação geme e suporta angústias pela sua degradação, anseia com ardente expectativa ser redimida no novo céu a na nova terra (Ap 21.1), nós igualmente, gememos aguardando a redenção do corpo escravo pelo livre.

Aqueles sábios provocadores e a menina, de muitos modos perceberam este cansaço, os poetas também o vêem, e respondem ou buscam respostas, mas nenhuma delas esclarece os gemidos nossos e da criação. Algo foi perdido e tateamos em busca. Cegos, pensamos às vezes que algo foi encontrado e rapidamente colocamos no lugar daquele espaço vazio. O encaixe não se dá e continuamos perambulando ouvindo as novas que de quando em vez aparecem e dizem, agora aqui está a solução, para logo depois, desolados, encararmos a decepção.

Muitos de nós nos tornamos céticos, incrédulos nesse vaguear. Talvez aqueles um pouco mais fortes. Buscam saídas e as inventam, mas lhe doem olhar a própria obra e saberem que ela é apenas pano roto, conterá a vazão por um tempo, mas sabem que uma hora a enchente virá. A maioria, entretanto, sucumbe ante o peso do insolúvel. Como será possível a redenção do corpo sujeito à vaidade? Como poderemos consertar a natureza que submetemos a esta condição? Na esperança, responde Paulo, porque nela fomos salvos. Atentem, o verbo está no passado.

Ele mesmo questiona: “Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?” (Rm 8.24) O aparente mistério tem a ver com a temporalidade na qual estamos que se divide em passado, presente e futuro. Deus está fora disso e em seu lugar, Ele já realizou este feito pelo qual ansiamos. Por outro lado, Ele mesmo se temporaliza e nisso se solidariza conosco quando se aproxima de nós na pessoa de Jesus por intermédio de seu Espírito Santo que nos assiste em nossa fraqueza, sendo Ele também nosso intercessor no compasso do gemido que damos. (Rm 8.26,27)

Umas notas neste texto podem parecer dissonantes, pessimistas, porque admitem que há um gemido, que ele persistirá, que cansamos de carregar a nós mesmos enquanto assistimos nossa companheira criação em seu pranto sem consolo, pior ainda se temos a consciência de que nós mesmos lhe infligimos esta dor. A esperança de que fala Paulo é, porém, o espaço onde já se realizou a redenção. Podemos suportar esta dor porque, nesta perspectiva, ela é passageira. “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.” (2 Coríntios 4:17,18 – ARA)
São Luís - MA
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