Palavra do leitor
- 14 de fevereiro de 2011
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A jogada de Pascal e os beócios da fé
Terminado a cerimônia indaguei dele a razão de dizer, quase chorando, à filha de 15 anos, que a coisa mais importante da vida era ela crer e continuar a crer em Jesus Cristo até o fim.
Cunhado não é parente e como eu desconfiava de que havia uma pegadinha no choro e nas palavras, inquiri-o, enquanto caminhávamos. A resposta respingou na minha suspeita. E minha suspeita era de que a fé (na existência de Deus) se justificava para ele como um motivo. Qual? O céu, a vida eterna, como garantia da fé.
Ele pensava em termos de poupança espiritual.
Nos famosos Pensées de Blaise Pascal (1623-1662) há um argumento muito interessante e que repica hoje no evangelicalismo. (AQUI). Ele propôs aquilo que ficou conhecido como a 'jogada de Pascal'. É mais ou menos assim.
Melhor acreditar que Deus existe, porque se você estiver certo (assumindo que ele existe e galardoa), com certeza o céu e a vida eterna estão garantidos. Se não acreditar e admitir que ele não existe (e ele realmente existir), você está frito. Vai que a 'benção' é tua!
No primeiro caso (Deus não existindo), meu cunhado e a prole não têm nada a perder se não crer: comamos e bebamos porque amanhã morreremos. Zera tudo. A vida é boa, cultivemos a cultura, sejamos bons e do bem pelo prazer de ser. A felicidade é aqui e agora!
No segundo caso (Deus existindo), você será amaldiçoado para todo o sempre se não crer. Nesse caso a vida presente é efêmera, e não adiantará você ser um humanista de primeira linha.
A decisão é sua e óbvia: é melhor acreditar na existência de Deus, claro.
É a famosa 'jogada de Pascal'. Assim como tem fundamentalistas, tem também um montão de 'Pascais'.
A proposta de Pascal tinha alguma coisa a ver com a fé ou a crença (dispenso os comentários que distinguem fé e crença!) dissimulada, fingida mesmo, em Deus. Parece e é mesmo, uma negociata; algo ardiloso; má-fé e logro.
Imagine se esse Deus for onisciente? Ele certamente saberá que você, dissimuladamente, fingido mesmo, está 'crendo' que ele existe a fim de ganhar o 'docinho': céu e vida eterna.
"Mas eu não estou propondo nada dissimulado!", protestou meu cunhado. "Nem fingindo!", retrucou irado. É uma pessoa séria, reconheço.
"Não há uma espécie de acordo de cavalheiros, entre você e Deus?", pressionei. "O que é que há de especial em crer?", insisti. "Não poderia ser algo diferente como, acreditar que Deus vai recompensá-lo pelo papel de pai, pela generosidade de cidadão, esposo digno, honesto e virtuoso em vez do motivo do 'docinho'?" Ato, em vez de volição?
Continuei pressionando, "Qual a razão de Deus existir e premia-lo por uma simples declaração volitiva e unilateral de crer nele? E não pelas razões que eu mencionei?" Chegamos à sua casa. Ele ficou eu fui embora.
É possível que Pascal estivesse testando a idéia, ainda nova à época, da probabilidade. Pode ser também que ele conjecturasse desmontar o conceito da suficiência absoluta da razão. Nesse caso ele atacava, com o argumento, o absolutismo da razão, e favoreceria a fé.
Por outro lado, bem poderia estar lecionando que o valor 'infinito' de crer (para estabelecer a existência de Deus) pelo motivo do ‘docinho’ - de céu ou inferno - em si seria um bem infinitamente maior e melhor do que a incerteza ou o 'des-valor' de não crer na existência de Deus e perder o 'docinho', algo infinitamente trágico.
Não sou especialista em Pascal. Deixo passar. Mas fica a impressão clara para mim de que Pascal estava mesmo sugerindo que se fizesse uma aposta.
Foi o que resolveu fazer (apostar) quando declarou publicamente na festa de 15 anos da filha, de que ela deveria ser cristã. Para ele, a prova maior da existência de Deus! E de tal modo que, em crendo, essa fé por sua vez, daria direito aos 'docinhos'.
Meu cunhado não tinha o menor escrúpulo em admitir isso. E mais, que o prazer e a satisfação (ele chamava de 'galardão') eram ato em si que ajudava sim, a reforçar a existência de Deus.
Meu cunhado ‘são milhões’ hoje.
Alguns meses depois fui ao funeral dele.
Pediram-me para dizer umas palavras. Resumi tudo assim: "Meu cunhado ganhou na mega-sena!" Ouviu-se um sonoro 'amém' ('amém' pela certeza do 'docinho', claro!). Na verdade ele (apostara) e ganhara na mega-sena. Poucos entenderam que fora uma 'aposta'.
Assisti o Valdemiro da Igreja Mundial do Poder de Deus e pensei no cunhado desfrutando das delícias do Paraíso. Imaginei-o se Muçulmano fosse, com todas as mulheres e vinho a que têm direito! A mulher dele aqui, surtaria!
No show televisivo de ontem, volta e meia o Valdemiro perguntava às pessoas curadas, "você crê mesmo?" A outro, emendou, "e aí, cabeção, crê prá valer, meu filho!".
Ah! Pascal, que sucesso você faz no mundo evangélico brasileiro hoje!
Vai um 'docinho' aí?
Cunhado não é parente e como eu desconfiava de que havia uma pegadinha no choro e nas palavras, inquiri-o, enquanto caminhávamos. A resposta respingou na minha suspeita. E minha suspeita era de que a fé (na existência de Deus) se justificava para ele como um motivo. Qual? O céu, a vida eterna, como garantia da fé.
Ele pensava em termos de poupança espiritual.
Nos famosos Pensées de Blaise Pascal (1623-1662) há um argumento muito interessante e que repica hoje no evangelicalismo. (AQUI). Ele propôs aquilo que ficou conhecido como a 'jogada de Pascal'. É mais ou menos assim.
Melhor acreditar que Deus existe, porque se você estiver certo (assumindo que ele existe e galardoa), com certeza o céu e a vida eterna estão garantidos. Se não acreditar e admitir que ele não existe (e ele realmente existir), você está frito. Vai que a 'benção' é tua!
No primeiro caso (Deus não existindo), meu cunhado e a prole não têm nada a perder se não crer: comamos e bebamos porque amanhã morreremos. Zera tudo. A vida é boa, cultivemos a cultura, sejamos bons e do bem pelo prazer de ser. A felicidade é aqui e agora!
No segundo caso (Deus existindo), você será amaldiçoado para todo o sempre se não crer. Nesse caso a vida presente é efêmera, e não adiantará você ser um humanista de primeira linha.
A decisão é sua e óbvia: é melhor acreditar na existência de Deus, claro.
É a famosa 'jogada de Pascal'. Assim como tem fundamentalistas, tem também um montão de 'Pascais'.
A proposta de Pascal tinha alguma coisa a ver com a fé ou a crença (dispenso os comentários que distinguem fé e crença!) dissimulada, fingida mesmo, em Deus. Parece e é mesmo, uma negociata; algo ardiloso; má-fé e logro.
Imagine se esse Deus for onisciente? Ele certamente saberá que você, dissimuladamente, fingido mesmo, está 'crendo' que ele existe a fim de ganhar o 'docinho': céu e vida eterna.
"Mas eu não estou propondo nada dissimulado!", protestou meu cunhado. "Nem fingindo!", retrucou irado. É uma pessoa séria, reconheço.
"Não há uma espécie de acordo de cavalheiros, entre você e Deus?", pressionei. "O que é que há de especial em crer?", insisti. "Não poderia ser algo diferente como, acreditar que Deus vai recompensá-lo pelo papel de pai, pela generosidade de cidadão, esposo digno, honesto e virtuoso em vez do motivo do 'docinho'?" Ato, em vez de volição?
Continuei pressionando, "Qual a razão de Deus existir e premia-lo por uma simples declaração volitiva e unilateral de crer nele? E não pelas razões que eu mencionei?" Chegamos à sua casa. Ele ficou eu fui embora.
É possível que Pascal estivesse testando a idéia, ainda nova à época, da probabilidade. Pode ser também que ele conjecturasse desmontar o conceito da suficiência absoluta da razão. Nesse caso ele atacava, com o argumento, o absolutismo da razão, e favoreceria a fé.
Por outro lado, bem poderia estar lecionando que o valor 'infinito' de crer (para estabelecer a existência de Deus) pelo motivo do ‘docinho’ - de céu ou inferno - em si seria um bem infinitamente maior e melhor do que a incerteza ou o 'des-valor' de não crer na existência de Deus e perder o 'docinho', algo infinitamente trágico.
Não sou especialista em Pascal. Deixo passar. Mas fica a impressão clara para mim de que Pascal estava mesmo sugerindo que se fizesse uma aposta.
Foi o que resolveu fazer (apostar) quando declarou publicamente na festa de 15 anos da filha, de que ela deveria ser cristã. Para ele, a prova maior da existência de Deus! E de tal modo que, em crendo, essa fé por sua vez, daria direito aos 'docinhos'.
Meu cunhado não tinha o menor escrúpulo em admitir isso. E mais, que o prazer e a satisfação (ele chamava de 'galardão') eram ato em si que ajudava sim, a reforçar a existência de Deus.
Meu cunhado ‘são milhões’ hoje.
Alguns meses depois fui ao funeral dele.
Pediram-me para dizer umas palavras. Resumi tudo assim: "Meu cunhado ganhou na mega-sena!" Ouviu-se um sonoro 'amém' ('amém' pela certeza do 'docinho', claro!). Na verdade ele (apostara) e ganhara na mega-sena. Poucos entenderam que fora uma 'aposta'.
Assisti o Valdemiro da Igreja Mundial do Poder de Deus e pensei no cunhado desfrutando das delícias do Paraíso. Imaginei-o se Muçulmano fosse, com todas as mulheres e vinho a que têm direito! A mulher dele aqui, surtaria!
No show televisivo de ontem, volta e meia o Valdemiro perguntava às pessoas curadas, "você crê mesmo?" A outro, emendou, "e aí, cabeção, crê prá valer, meu filho!".
Ah! Pascal, que sucesso você faz no mundo evangélico brasileiro hoje!
Vai um 'docinho' aí?
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