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Palavra do leitor

A Cruz do Messias Herege

A CRUZ DO MESSIAS HEREGE



‘’O encontro com Cristo decifra o homem e o direciona para uma decisão concreta pela vida, pelo próximo e isto envolve inclusive escolher ou negar as boas notícias; afinal de contas, somos feitos como imagem e semelhança de uma criação original e não o resultado de uma necessidade e muito menos objetos, como se fôssemos marionetes.’’


A palavra herege tem e traz uma conotação de maldito, de ir a direção oposta do que vem a ser firmado como certo e bom.

Parto dessa colocação feita e observo a trajetória de Jesus, relatada pelos evangelhos, sem nenhuma sombra de dúvida, para os denominados representantes teocráticos da época, encabeçados pelos fariseus e sauduceus, ou seja, do Messias voltado a ouvir gente, caminhar com gente, prosear com gente e ser, na mais crua e nua realidade, gente, se encaixou como um herege e de mão cheia.

Afinal de contas, parou e ouviu os marginalizados, estabeleceu uma releitura do mosaismo, resgatou a humanidade das mulheres, abriu as portas para leprosos, mendigos, prevaricadores, estrangeiros, etnias, raças, línguas e não se mancomunou com as alianças partidárias do poder político, religioso e econômico, propôs uma interpretação simples e franca das inter – relações humanas, assumiu o risco e arriscou, até o findar da Crucificação, pelo próximo, independentemente das peculiaridades e singularidades.

Não por menos, pagou um preço altíssimo, tachado como príncipe dos demônios, glutão, beberrão ou mais um megalomaníaco, ao qual tentava levar as pessoas para um processo suicida coletivo.

Vou adiante, suas palavras descarrilaram os vagões das retóricas pomposas e evasivas para o homem do dia a dia, o sábado entrava na roda de ser mais um ciclo da vida, longe de uma dimensão divina, a lei não foi regurgitada e sim cumprida, homens e mulheres, judeus e gentios, pobres e ricos entravam na mesma proposta, ou seja, da eternidade.

Eis o resultado deflagrado, a multidão alienada esbravejava por sua crucificação e a libertação de Barrabas. Sinceramente, acredito não apenas para os fariseus, mas acredito, caso estivesse entre nós, provavelmente, apresentaríamos uma postura e reação semelhante de o ver como um herege, uma pedra no calcanhar de aquiles da considerada boa ordem.

É bem verdade, a Cruz do herege retrata a postura daqueles voltados a seguir ao chamado de Cristo, de andar uma légua a mais, de ouvir, de servir e de tolerar, de não se amoldar aos preceitos cardeais de uma cultura individualista e egoísta, de encarar a vida, com suas ambiguidades e tensões.

Evidentemente, quando olhamos para o declínio do culto a razão, do ressurgir de uma fé patológica, de crenças facínoras, de uma ênfase ao ter e não ao ser, de o próximo ser visto como algo a ser sobrepujado, de um vácuo deixado (em decorrência de uma perda da ética do dever e do servir), de uma apologia irrestrita ao hedonismo, ao imediato, ao agora, de um solapar da esperança, de uma descrença nas autoridades constituídas e tantas outras manifestações, percebo supostos ecos da Graça mais inclinados a defender suas bases territoriais, seus idealismos, suas versões das boas novas e indiferentes a toda e qualquer direção, por exemplo, com relação a ser sal na terra e luz no mundo.

Deveras, a Cruz do Messias Herege incomoda, irrita, importuna, porque despe a cupidez dos homens e seus púlpitos, de suas teologias, de suas ufanias e de seus triunfalismos.

Pontua – se também, o quanto essa Cruz vem desapegada da hipocrisia de olhar para o próximo e dizer (creia em Deus e ponto final), de delimitar a realidade cristã (a um ritualismo dominical), de não perceber o quanto o sobrenatural perpassa pelo natural, o espiritual pelo humano, com inspiração e criação.

Ora, indiscutivelmente, a Cruz do Messias Herege alfinetou as cóleras dos homens por uma justiça punitiva e descortinou uma justiça restauradora e reconciliadora, estendeu as mãos de misericórdia e recomeço, colocou a eternidade como uma questão séria e para todos, alquebrou os partidarismos (nem fariseu, nem sauduceu, nem essênio, nem zelote, mas todos com condição de serem atraídos para essa Cruz, para esse Messias, para esse Carpinteiro da vida, para esse Palhaço das boas novas e não concebam isso como uma ofensa, mas sim a nascente do evangelho - por pulsar risos e sorrisos, abraços e abraços, em meio aos não (s) da vida).

O interessante da Cruz do Messias Herege trilha por não se portar como o dono de todas as respostas e, mesmo assim, senta e chora com os abatidos, com os solitários, com os excluídos, com os foragidos, com os incompreendidos, com os desesperados e com os desfigurados pelas perdas e falências.

Por fim, a Cruz do Messias Herege me faz repensar no que sou, como cristão, e isto, de certo, ainda representa um lenitivo para corrigir determinadas rotas.
São Paulo - SP
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