Que as divergências políticas na igreja acabem em pizza
Por Daniel Theodoro
Tenho lido nas redes sociais – esse nosso muro das lamentações digital – relatos de irmãos chateados com a proporção que o embate político das últimas eleições ganhou dentro das igrejas evangélicas.
Já li crente dizendo que vai largar a igreja porque escutou o pastor dizer que votaria no Bolsonaro; outro escreveu textão no Facebook porque quase foi excomungado por ter declarado voto em Haddad; e tem irmãozinho que está desde outubro sem participar da Santa Ceia porque se recusa a fazer parte de uma comunidade onde o pastor fica sempre em cima do muro.
Nessas horas em que o vinho oxida e o pão embolora, o cristão evangélico brasileiro ainda pode encontrar na pizza um caminho sobremodo excelente para comungar.
Há tempos a pizza após o culto do domingo à noite entrou definitivamente para a liturgia da igreja evangélica brasileira. O apêndice litúrgico nunca foi oficializado em nenhum concílio, mas está lá, latente logo após a bênção sacerdotal, habitando a mente e o estômago dos crentes.
Acredito que a santa pizza dominical ganhou espaço na comunidade evangélica brasileira porque é o único tema unânime na multiforme congregação nacional. Diante da iguaria, já presenciei arminianos e calvinistas degustarem a graça comum de uma simples mussarela, elegendo incondicionalmente a borda de catupiry antes mesmo do menu chegar à mesa.
Noutra ocasião em uma padaria, notei irmãos amilenistas quase serem arrebatados da mesa após serem servidos de uma pizza de rúcula com tomate-seco e mussarela de búfala. A santa pizza, somente ela, une heterodoxos – que ungem a fatia com catchup – e ortodoxos – que preferem o tradicional azeite. Eu mesmo, como presbítero, já participei de reuniões de conselho onde a única concordância girou em torno da calabresa com cebola.
Em tempo, ressalta-se a infalibilidade da pizza. Ela agrada a todos os paladares, do baterista ao pianista; do coral à equipe de louvor; da sociedade feminina ao grupo dos homens; do pastor ao seminarista. Destaca-se também que a santa pizza pode lapidar o caráter do crente.
Vi uma irmãzinha que não é dizimista fiel – mas é fã de pizza – dar uma oferta generosa que bancou quase o valor integral das pizzas encomendadas para a reunião dos jovens. E de quebra a varoa ainda deu gorjeta para o motoboy!
Muito importante reconhecer ainda que tal apreço do crente brasileiro pela pizza culminou na redefinição de um dos mais famigerados lemas da cultura nacional. Pois somente o crente brasileiro orgulha-se em dizer que o encontro “Vai acabar em pizza!”, crendo que o desfecho será bom para todas as gentes.
Sem querer ser muito exigente em minha pouca exegese, acredito que a santa pizza pode ser um delicioso meio para reaproximar irmãos na fé afastados por intrigas políticas menores.
Portanto, acheguemo-nos confiantemente ao forno a lenha para que deixemos de lado nosso intragável orgulho e degustemos o melhor da comunhão dos santos. E não nos contetemos com migalhas de bacon e bocadinho de peperoni; comamos até nos fartar celebrando a comunhão que alimenta nossa alma.
- Daniel Theodoro, 33 anos. Cristão em reforma, casado com a Fernanda. Formado em Jornalismo e Letras.
Alcides dos Santos
Parabéns pelo texto, você contextualizou muito bem um outro bom motivo para os irmãos voltarem a comunhão uns com os outros e com Deus.
Roberta Cristina
Muito fácil falar em pizza quando não se depende dos serviços do Estado, ou pior acha que não depende, quando não é negro, mulher e índio e se ver os poucos avanços sendo ameaçados. Ou pior, não tem noção desses avanços. Quando não se preocupam com o meio ambiente porque se vai para o céu e não pertencemos a esse mundo. Esse amor cristão relativizado, direcionando, só para quem é de bem, do bem e que segue a cartilha da Igreja institucional farisaica prefiro manter. Prefiro Jesus de Nazaré.
CARLOS PAES
KKKKKKKKKKKKKKK
Estou me acabando de rir com esse texto, infelizmente, bem verdadeiro e ainda muito criativo.
Parabéns !!!!
Susan Mendes
Prazer, sou uma das que foram decepcionadas pela igreja (que aqui destaco como comunidade/lideranças pastorais) nessas eleições. Concordo que alguns casos são exagerados a ponto de ter gerado brigas latentes sem o mínimo de respeito, porém nesses eleições muitos valores cristãos foram colocados em xeque, e sinceramente não há como olhar para alguns irmãos, seja ao lado, no banco da igreja ou no púlpito com seus discursos de amor ao próximo se colocando ao lado de um candidato assumidamente discriminador. Há muitas incoerências em jogo, que olhando pra Jesus e seu caminhar, simplesmente não as vejo. Não abandonei a Cristo, estou começando a conhecer uma outra comunidade. Não estou à procura de perfeição em uma comunidade, estou à procura de coerência entre o que prega e vive, simplesmente.